Tecnologia e Inovação | 6 de junho de 2016

O escândalo Theranos pode ser apenas o começo

Alerta para o perigo das ideias vendidas como “revolucionárias” na saúde
O escândalo Theranos pode ser apenas o começo

Quando a empresa Theranos começou a ser uma sensação na mídia, as manchetes diziam que Elizabeth Holmes, a criadora da empresa, era a mulher mais jovem a se tornar bilionária na América.

Hoje, especialistas do mercado financeiro apontam que a empresa vale no máximo, 800 milhões de dólares, “na melhor das hipóteses”, mencionou a revista de economia Forbes. Para uma empresa que já valeu 9 bilhões de dólares, esta é uma queda vertiginosa. A fortuna de Elizabeth Holmes – que já foi de 4,5 bilhões de dólares – já atingiu a soma “zero”, conforme a revista.

Narrativa romantizada

A contagiante história falava de uma empreendedora da Universidade de Stanford (EUA), que interrompeu os estudos antes de seu trigésimo aniversário, para revolucionar o mundo dos exames de sangue.

Contudo, uma série bem documentada de investigações do Wall Street Journal encontrou problemas alarmantes relacionados à precisão da tecnologia de testes de sangue da empresa. Como diz uma reportagem do portal Fast Company, agora a Theranos está enfrentando investigações de agências federais, que analisam um serviço potencialmente enganoso. Após as revelações do jornal, a Theranos excluiu uma frase em seu site o qual afirmava que seus testes “exigem apenas algumas gotas de sangue.” Ao final das investigações, Holmes pode ser proibida de trabalhar para o mercado de biotecnologia.

Na esteira deste escândalo público, é tentador criar uma narrativa romantizada. “Se a Internet exige nada mais do que um ‘próximo Steve Jobs’ (falecido co-fundador, presidente e diretor executivo da Apple Inc), é uma caça às bruxas”. Alguns especialistas apontaram para Elizabeth Holmes, saudada como ‘o Steve Jobs da biotecnologia’, por ter criado uma tecnologia inovadora.

Por outro lado, publicações conceituadas chamaram a imprensa especializada em tecnologia de “culpada secreta” pelo caso envolvendo a Theranos. “Os investidores da Theranos não deveriam ter colhido informações sobre os problemas da tecnologia ou das suas práticas empresariais, antes de apor elogios tão ufanistas em relação à Theranos?”, questiona o artigo.

Grandes investidores, famosos nos EUA (como o diplomata Henry Kissinger e George Shultz, ex-secretário do Tesouro nacional), apostaram na Theranos, mas tais nomes tinham muito pouca experiência científica, “e o nível de sigilo que a empresa manteve foi realmente muito atípico para uma startup de biotecnologia. E além disso, há toda a complicação que é o sistema de regulação: a FDA (agência que regula alimentos, medicamentos e aparelhos médicos) ainda não divulgou a sua orientação final sobre como irá regular a categoria de testes que inclui a Theranos”.

Todos os envolvidos são dignos de culpa. “Mesmo depois de encontrar os bodes expiatórios, o problema não estará resolvido. Até que se abordem todos os fatores que levaram à ascensão e queda da Theranos, isso vai acontecer novamente. Lançamento, campanha publicitária, fim. De novo e de novo”. Para a Fast Company, um dos maiores catalisadores para este ciclo é o chamado “Dinheiro mudo” (dumb money).

Ignorada pelos maiores investidores

O texto ressalta que “nenhum dos maiores investidores em biotecnologia investiram na Theranos. Cinco das principais empresas do ramo (Venrock, Third Rock Ventures, Polaris, Deerfield e Versant) não se identificaram nem um pouco com a Theranos ou a ignoraram. As empresas do Vale do Silício com práticas de saúde, como o Google Ventures e Bessemer Venture Partners, não foram influenciadas, também”. A Google Ventures é uma investidora em startups em biotecnologia, softwares, hardwares e cuidados de saúde. Já Bessemer Venture Partners fornece capital financeiro e apoio para empresas como Pinterest, Skype, OLX e Linkedin. Na saúde, investiu em projetos como o Cross Country TravCorps (plataforma que fornece uma equipe de enfermagem, que pode viajar para prestar serviços) e a empresa Alnara Pharmaceuticals.

O processo de financiamento de biotecnologia pode ser falho, mas funciona bem o suficiente para perceber um intruso. “Ao contrário de investidores de tecnologia voltada para o consumidor comum, muitos dos principais investidores de biotecnologia gastam até US$ 100 mil em taxas legais e de consultoria a empresários em uma fase de validação inicial, visando o desenvolvimento de uma startup. Esse processo pode levar mais do que um ano”.

“Deve-se esperar que todas as respostas técnicas e regulamentares estejam presentes, ou pelo menos encaminhadas”, aponta Steve Kraus, um investidor de biotecnologia da empresa Bessemer Venture Partners.

“Financiadores do mundo das tecnologias de entretenimento e do consumo, estão explorando oportunidades em cuidados de saúde. Muitos recentemente começaram a fazer apostas na área, o que resultou em uma série de ‘unicórnios’ na tecnologia em saúde”. Um exemplo é o Oscar Health, uma empresa de seguro de saúde fundada em 2012, em Nova Iorque, com um rápido crescimento de valor de mercado nos EUA.

A Oscar Health trabalha, porém, com o engajamento e com incentivos para os seus usuários se tornarem mais saudáveis, mais ativos, e tomarem medidas preventivas para manter e melhorar a saúde. Embora os serviços sejam totalmente personalizados para cada membro, eles são movidos por dados e informações disponíveis na intersecção entre sócios e fornecedores. Os membros podem procurar sintomas na home page do site e encontrar um tratamento com poucos cliques e de forma intuitiva.

Mas críticos da Oscar apontam que na verdade, seu diferencial é apenas este – o engajamento e uso de tecnologia. Somente o futuro dirá se a aposta foi acertada. Um detalhe importante mostra que em 2015, a Oscar perdeu U$ 27,5 milhões; e outros U$ 11,4 milhões no primeiro trimestre de 2016. Uma parte significativa dessas perdas foi atribuída a um pequeno número de pacientes com doenças crônicas, como câncer e diabetes. Na prática, os mesmos problemas das seguradoras e planos de saúde se mantêm: como gerir os custos de pacientes gravemente doentes (e pior, sem redes próprias)?

O fluxo de “dinheiro mudo” na saúde pode parecer perfeitamente inofensivo. Porém, a Fast Company faz uma metáfora para ilustrar o tema:

“Às vezes precisamos jogar espaguete na parede e ver o que fica grudado”.

Inconsistência

No caso Theranos, a tecnologia dos testes de sangue se destina a ser usada em pacientes reais para ‘diagnosticar centenas de doenças’. Como a Theranos é controlada por uma empresa de biotecnologia, é preocupante ver que a empresa tenha seguido sem um amplo estudo de avaliação. Apenas no mês passado, uma equipe do grupo Mount Sinai publicou os resultados de um estudo que comparou testes da Theranos com o de alguns concorrentes, a Quest e Labcorp, que comprovou o que muitos temiam, a inconsistência dos resultados.

Até que mudanças significativas ocorram, a expectativa é que muitos cenários semelhantes ao caso da Theranos aconteçam no futuro.

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