Gestão e Qualidade | 17 de abril de 2017

A grosseria no ambiente hospitalar e sua relação com o desempenho

Estudo evidencia necessidade de “educar” familiares e líderes na relação com as equipes médicas.
A grosseria no ambiente hospitalar e sua relação com o desempenho

O quanto particularmente áspero pode ser o ambiente hospitalar? E como isto impacta no desempenho das equipes assistenciais?

Recentemente uma equipe de atores se passou por familiares de pacientes para analisar o que acontece quando os mesmos se mostram rudes com as equipes médicas. No estudo, os médicos e as enfermeiras que trabalhavam na unidade de terapia intensiva neonatal se tornaram menos eficazes no trabalho em equipe, na comunicação e em suas habilidades diagnósticas e técnicas após simulações de rudeza por parte dos atores que se passaram por familiares.


Em sua coluna para o jornal americano The New York Times (NYT), o médico Perri Klass lamentou os resultados da pesquisa e se surpreendeu com as mudanças. “Eu me orgulhava de uma espécie de imunidade profissional. Claro, os pais às vezes são rudes e, ocasionalmente, abertamente hostis. Eu sei que isso pode ser perturbador. Mas eu não imaginava que realmente poderia afetar as habilidades médicas ou capacidade de tomada de decisão”, conta.


O estudo mostra profissionais altamente treinados tendo seu desempenho afetado pela grosseria. Klass ressalta que esta situação  pode acontecer com qualquer um frente a um cenário similar.



Muitos leitores do NYT colocaram a culpa da redução de desempenho em uma ação dos próprios médicos, como se eles estivessem agindo de forma punitiva aos pacientes por causa de seus familiares. Outros enfatizaram que a rudeza é parte do ambiente hospitalar. Porém, de acordo com o estudo, os profissionais da saúde estavam atuando, involuntariamente, em um nível inferior às suas habilidades médicas, possivelmente ocasionado pelo ambiente que se tornou hostil.

Comunicação rude entre os médicos

Já um estudo britânico chamado “Sticks and Stones” (Sticks and stones: investigating rude, dismissive and aggressive communication between doctors) relatou que a comunicação rude e agressiva entre médicos afeta 31% dos profissionais. Esta situação foi definida pelo conceito RDA communication (rude, dismissive and aggressive), ou comunicação rude, desdenhosa e agressiva entre os médicos.

Os pesquisadores descobriram que a situação era mais comum em certas especialidades médicas, como a radiologia, cirurgia geral, neurocirurgia e cardiologia. Eles também identificaram que uma pessoa em um cargo superior tem mais chance de se prevenir disso, enquanto médicos menos graduados e estagiários se deparavam com um maior nível de grosserias em seu cotidiano. No estudo, quando os pesquisadores perguntavam “por que a rudeza acontece?”, eles identificaram cinco motivos:

 Carga de trabalho (elevada)


 Falta de apoio (não ter para quem perguntar ou como deveriam agir)     


Segurança do paciente (falhas apontadas, erros)


 Hierarquia (distante)


 Cultura (desconexão da prática com o que é defendido como padrão a ser seguido)

Adicionalmente, angústia emocional e abuso de substâncias (álcool/drogas), além da desmotivação foram citados como consequências desta realidade.

Estudantes de medicina

Nos Estados Unidos, outros estudos analisaram como a aspereza afetava estudantes de medicina e residentes médicos. Um artigo realizado pela revista Medical Teacher traçou o efeito sobre o estado emocional do estudante de medicina após uma série de experiências laborais, incluindo maus tratos verbais e não-verbais. Os autores argumentam que o tratamento inadequado aos estudantes de medicina pode realmente refletir em problemas sérios, como o burnout, depressão e o abuso de substâncias.

Perri Klass acredita que os tutores muitas vezes são rudes com os estudantes de medicina ou com um residente. O “professor”, em alguns casos, pode vir a se tornar um exemplo de conduta inadequada. Ser rude com um paciente ou um membro da família é falhar como médico.

A grosseria pode vir da pressão que é bastante comum em um ambiente hospitalar. No artigo Sticks and Stone, o único contexto em que havia alguma justificativa para a grosseria era quando a segurança do paciente estava em jogo e alguém falou de forma ríspida para exigir uma ação imediata ou para repreender alguém por um erro. Mas esta atitude de cobrança, mesmo que necessária, deveria ser menos traumática, tanto para o emissor como para o receptor.

Os profissionais da saúde acreditam que, em quase qualquer cenário, grosseria tende a gerar mais grosseria porque ela gera raiva, estresse e um desejo de atacar de volta, mesmo que inconscientemente. Mesmo em situações de conflito, a rudeza não é uma atitude profissional a ser elogiada.

Ser afetado por ela não quer dizer que essa pessoa seja menos qualificada. Ou seja, se queremos ter uma cultura que recompense pela iniciativa e apontamento dos erros – e com isso atingir níveis elevados de segurança para o paciente – devemos humanizar as relações entre os profissionais da saúde. O desrespeito afeta o espírito, a moral e a conexão com o trabalho em equipe. Este tipo de conduta inibe o papel do colaborador como membro de um ecossistema que busca atingir a eficácia por meio da qualidade da assistência.

Na saúde, a verdade é crua. E ela deve ser dita. Não há culpados quando o objetivo é verdadeiro e o compromisso é real. Abusos, por outro lado, promoverão erros evitáveis, afastamentos desnecessários de colaboradores e desalinhamento estratégico custosos para a missão dos estabelecimentos de saúde e para a atuação de seus profissionais.

Acesse a matéria original do NYT, em inglês



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