O perigo em não procurar o atendimento adequado no momento certo
Luiz Antônio Nasi, diretor médico do Hospital Moinhos, descortina a atual realidade assistencial em tempos de COVID 19A pandemia da Covid-19 (doença causada pelo novo coronavírus) fez com que diversas rotinas fossem alteradas em todo o mundo. Na área da saúde, uma das consequências visíveis foi a suspensão dos procedimentos eletivos – cirurgias, exames diagnósticos e consultas – com nocivos impactos que começam a serem evidenciados, para os pacientes, mas também para a sustentabilidade econômico-financeira das instituições. Para discutir este cenário, o Portal Setor Saúde, em parceria com a FEHOSUL, lançou, na quarta-feira (27), uma série especial de entrevistas com gestores das instituições de saúde.
“Nas matérias, analisamos um dos temas mais importantes e paradigmáticos, que enlaçam a sustentabilidade financeira das instituições e a vida dos pacientes. Este duplo dano (para pacientes e organizações de saúde) já apresenta resultados desanimadores para todo o trade saúde. Sem esquecer, que o principal prejudicado é a saúde da população, em especial aos pacientes não Covid-19. Muitos pararam seus tratamentos, outros deixaram de ir na emergência no momento que necessitavam, complicando as suas condições de saúde. Se os hospitais estão sofrendo, mais ainda estão os pacientes, com sérias consequências para suas vidas. O medo que acomete a sociedade é uma preocupação que exige uma nova postura dos nossos hospitais, médicos, operadoras e governantes. Os pacientes não Covid-19 não podem ser esquecidos”, diz Claudio Allgayer, presidente da FEHOSUL.
Confira a terceira entrevista realizada com o superintendente médico do Hospital Moinhos de Vento e doutor em cardiologia, Luiz Antonio Nasi.
Redução de 46% nos atendimentos de AVC
Não é raro, hospitais receberem, todos os dia, pacientes vítimas de derrame – ou Acidente Vascular Cerebral (AVC) -, uma condição que exige atendimento rápido, logo quando são verificados os primeiros sintomas: fraqueza ou formigamento na face, no braço ou na perna, especialmente em um lado do corpo; confusão mental e alteração da visão, fala ou compreensão; dentre outros. Atrasar o atendimento em minutos pode ser a diferença entre a vida e a morte. Quanto mais rápido for o atendimento, maiores serão as chances de sobrevivência e recuperação total.
No Hospital Moinhos de Vento, foi registrada uma redução de 46% do número de casos de AVC atendidos na emergência em relação aos 30 dias anteriores ao início da epidemia – de 20 de fevereiro a 9 de março foram atendidos 22 casos, e de 20 de março a 12 de abril apenas 12 casos.
“Em outros estados brasileiros foi constatada queda semelhante (cerca de 50%) conforme relato de neurologistas especialistas, em recente meeting transmitido via web com representantes da Rede Brasil de AVC, da Sociedade Brasileira de Doenças Cerebrovasculares e da Academia Brasileira de Neurologia”, observa Nasi.
O Moinhos lançou recentemente um alerta, em vídeo, com declaração da médica do Hospital e vice-presidente da Organização Mundial de AVC, Sheila Martins. No material, a neurologista destaca: “a cada minuto que [a pessoa] passa sem tratamento do AVC, são 2 milhões de neurônios que morrem (confira abaixo).
https://youtu.be/GAklVgIPNIw
Tendência mundial de queda de atendimentos na área de Cardiologia
Além disso, o superintendente médico aponta que ocorreu um fenômeno interessante com a queda do número de atendimentos por infarto agudo do miocárdio no mundo todo. “Na Itália, Espanha, EUA e Reino Unido, os serviços de emergência perceberam reduções que variam entre 20% e 70% no número de atendimentos da síndrome coronariana aguda. No Brasil, segundo o InCor (Instituto do Coração) houve diminuição das angioplastias primárias (tratamento usual do infarto agudo do miocárdio) ao redor de 50%”, destaca.
De acordo com Nasi, o mesmo fenômeno foi observado no Hospital Moinhos de Vento, com redução expressiva no atendimento das doenças cardiovasculares – entretanto, o superintendente médico afirma que não há ainda uma clara explicação para esse fenômeno.
Medo
“Especula-se que o trabalho em casa (home office) poderia resultar na redução do estresse associado ao trabalho, bem como a redução do consumo de tabaco fora dos escritórios, ou talvez menores taxas de poluição ambiental com o isolamento. Mas, talvez o motivo mais provável seja realmente o medo das pessoas de se contaminarem pelo novo coronavírus nos hospitais”, avalia.
E essa nova realidade também se refletiu em outras doenças. “Recentemente, atendemos o caso de uma senhora de 70 anos que iniciou com sintomas gerais de mal-estar e ardência urinária, retardando em cinco dias o seu atendimento, tendo sido trazida para o hospital já com infecção grave, desidratação e insuficiência renal aguda secundária à pielonefrite (infecção renal). O medo da Covid-19 tem retardado o atendimento não só nas emergências, mas também nos consultórios médicos cuja repercussão médica desse fato ainda não avaliamos com clareza”, relata. Uma possível consequência futura é o agravamento de patologias, com pacientes com doenças agravadas, de difícil controle ou reversão.
O superintendente médico diz que a queda de atendimentos nas Emergências do Hospital Moinhos de Vento, de fevereiro a 15 de maio, foi de 58% nos atendimentos de adultos e 85% nos atendimentos na Emergência Pediátrica – índices maiores que a média registrada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que registrou queda nos atendimentos de emergência de 48% nos hospitais privados, entre março e abril.
Queda em cirurgias de urgência e oncológica, além de menor taxa de ocupação do Hospital
“Em 18 de março decidimos restringir procedimentos, no Bloco Cirúrgico, mantendo apenas as cirurgias de urgência e oncológicas. Com isso observamos uma queda de 68% na produção do bloco cirúrgico em abril e maio de 2020, em relação ao mesmo período de 2019 – foram 4.108 procedimentos em 2019 e 1.275 em 2020. Da mesma forma, os ambulatórios também tiveram redução no número de atendimentos próximo a 70%”, afirma.
Em uma análise global das taxas de ocupação do Moinhos de Vento, Nasi afirma que o índice registrado em abril foi de 59% – em abril de 2019, o índice era de 88%. “Chama a atenção que, apesar da divulgação da reabertura do hospital, o retorno à normalidade não é imediato. O impacto assistencial desse período sem atendimento, ainda carece de mais informações em relação às suas consequências”, avalia.
Expectativa de aumento de cirurgias até o final de maio
O Moinhos de Vento retomou, na segunda quinzena de maio, a liberação gradativa das cirurgias eletivas de médio e grande porte, dos procedimentos endoscópicos e da rotina do atendimento nas salas de hemodinâmica. O superintendente médico aponta que a expectativa de crescimento é de 50% no movimento global de cirurgias até o final de maio.
Engajamento diário com a segurança do paciente
Nasi afirma que o Hospital Moinhos de Vento tomou diversas medidas de segurança desde que os primeiros casos na Europa foram notificados. “No final de fevereiro, antes mesmo da confirmação de casos no Brasil, foi instituído o Comitê de Enfrentamento ao Coronavírus (Covid-19). Diariamente, o grupo se reúne para avaliar a situação e, se necessário, estabelecer novos protocolos quando necessário”, explica.
De acordo com o superintendente médico, a instituição contratou profissionais, entre médicos, enfermeiros e técnicos. As funções administrativas e equipe de apoio também receberam reforço de pessoal. Discussões internas definiram protocolos sobre a liberação de pacientes internados que apresentem quadro clínico controlado, buscando prevenir uma eventual exposição desnecessária ao vírus.
Fluxo individualizado
“Ainda, foi montada uma estrutura temporária no pátio [área externa] da instituição, para atender pacientes com sintomas gripais, separando esses casos do atendimento convencional da Emergência e mantendo um fluxo individualizado para garantir a segurança de pacientes e equipes de saúde. Nesse espaço, são realizadas consultas e o encaminhamento necessário dos casos que não necessitem de assistência de média e alta complexidade. O ambulatório temporário tem 40m² e possui um exaustor que refrigera o ambiente e renova o ar constantemente. A estrutura conta com equipe de dois médicos e dois profissionais da assistência, além de um responsável pela higienização e outro administrativo”, detalha.
O superintendente médico também ressalta, entre as medidas adotadas, a utilização de EPIs por todas as equipes, a suspensão das visitas aos pacientes, ou limitação de um acompanhante por paciente.
Comunicação e transparência
Nasi explica que o Hospital Moinhos de Vento informa todas as ações e protocolos estabelecidos pela instituição em relação ao coronavírus, balizados na transparência nas divulgações, com boletins diários sendo gerados. Além da Covid-19, o superintendente médico ressalta que foram estabelecidos protocolos e fluxos individualizados para a segurança dos demais pacientes, divulgados em materiais institucionais, redes sociais, além de divulgação da imprensa.
“Um amplo trabalho de conscientização e orientação dos pacientes sobre a importância de buscar atendimento para outros problemas de saúde também vem sendo feito junto aos veículos de comunicação, com entrevistas de nossos especialistas, propostas de pauta, envio de releases, entre outras ações”, salienta.
Além disso, Nasi afirma que a equipe de Marketing também promove diversas ações de comunicação para colaboradores, corpo clínico, pacientes e familiares, incluindo e-mails, comunicados das lideranças, vídeos com boletins sobre a situação do coronavírus (no Moinhos e fora dele), lives para esclarecimento de dúvidas com nossos médicos, entre outros.
O Hospital lançou ainda um site com conteúdo sobre a Covid-19 para profissionais de saúde e um dashboard interativo com dados que para ajudar os gestores a tomarem decisões.
Série especial: leia as entrevistas já publicadas
Hospital Mãe de Deus estabelece novas rotinas para garantir atendimento seguro a todos os seus pacientes (27/05): Rafael Cremonese
Hospital de Caridade de Erechim vive nova realidade em meio à pandemia do coronavírus (28/05): Claudiomiro Carus
O perigo em não procurar o atendimento adequado no momento certo (Hospital Moinhos de Vento, 29/05): Luiz Antonio Nasi