Jurídico | 1 de fevereiro de 2018

Estudo revela situação da judicialização da saúde no Brasil

A cada 10 solicitações, 8 são concedidas
Estudo revela situação da judicialização da saúde no Brasil

O termo judicialização é usado na saúde quando ocorre a utilização do Judiciário como alternativa para a obtenção de um medicamento ou tratamento que não é previsto na relação nacional ou tem custo alto. O Programa de Direito Sanitário da Fiocruz Brasília (Prodisa) estuda o tema desde 2002. A mais recente pesquisa do grupo traz um levantamento nacional da judicialização nos municípios brasileiros.

No estudo Judicialização da Política Pública de Saúde nos Municípios Brasileiros: Um Retrato Nacional, pesquisadores trabalharam com mais de 4 mil processos do banco de dados do Programa de Direito Sanitário da Fiocruz Brasília (referentes a 2012-2013) e também coletaram dados de mais de 8.500 processos (de 2012 a 2017) junto aos tribunais de todo o país. Ao todo, 12.620 processos foram coletados. A maioria dos dados vem da região Sudeste, com destaque para o estado de São Paulo; apenas os estados de Sergipe e Roraima não disponibilizaram dados para a pesquisa.

A maior parte dos casos é de pacientes do SUS, mas não é possível saber se a pessoa deu entrada no SUS apenas para abrir o processo judicial ou se nunca foi atendida na rede privada. Nas regiões Sul e Sudeste, a maior parte das ações é movida por escritórios e advogados privados, enquanto nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, se sobressaem os pedidos para se realizar um exame e os pedidos chegam ao Judiciário por meio de defensores públicos.

Risco de morte e hipossuficiência

As principais argumentações das judicializações são o risco de morte e a hipossuficiência (falta de recursos financeiros). Em mais de 80% dos processos (8 a cada 10), o pedido é concedido automaticamente e, raramente, trazem a comprovação da demanda e uso pelo paciente, ou mesmo o comprovante de entrega do medicamento.

Para Pedro Paulo Chrispim, consultor em pesquisa e avaliação do Hospital do Coração (São Paulo), o monitoramento desses processos judiciais é possível, mas a dificuldade de acesso inviabiliza uma coleta de dados em tempo real.

A coordenadora do Programa de Direito Sanitário da Fiocruz Brasília, Maria Célia Delduque, lembrou que os desafios desta pesquisa começaram na coleta e dados, pois ao mesmo tempo em que nem todos os magistrados permitiram o acesso aos livros de sentença, em alguns locais, a equipe de pesquisadores percorreu ambientes insalubres nos porões dos tribunais em busca dos dados brutos, onde não havia informatização.

S-Codes

São Paulo tem, atualmente, 51 mil ações judiciais em atendimento e mais de 35 mil demandas administrativas. Para lidar com tamanho número de informações, está sendo utilizado um sistema de informação específico para a coleta de dados, o S-Codes. A partir do sistema, os gestores puderam criar um índice paulista de judicialização, que consiste no número de ações judiciais a cada 10 mil habitantes.

A média de processos no estado é de 3,3, mas em regiões que são consideradas polos de produção de conhecimento em saúde, como Ribeirão Preto, Barretos e Marília, por exemplo, existe uma média de 11 processos para cada dez mil habitantes. Na grande São Paulo, a média é de 0,77.

A maior judicialização nestes locais pode ter relação ao maior acesso à Justiça, segundo Paula Sue Facundo de Siqueira, da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo. Ela apresentou um perfil da judicialização em São Paulo, que segue o padrão apresentado na pesquisa nacional:

58% das ações judiciais vem da prescrição de um médico particular

65% é referente a medicamentos

78% deles não são padronizados no SUS

2% são produtos importados sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)

Em 22% das ações, se pede uma marca comercial específica do medicamento

Ao longo da pesquisa, foram observadas fraudes em vários processos, assim como a alteração no Código Internacional da Doença a que se refere o pedido durante os trâmites processuais, assim como uso de medicamentos em fase de pesquisa e pedidos de auxílio para a saúde de animais domésticos ou procedimentos estéticos. A previsão é que, com o auxílio do sistema S-Codes desenvolvido em São Paulo, se forme um observatório da judicialização que apoie os gestores estaduais e municipais e possibilite monitorar o tema ao longo do tempo em todo o Brasil.

Rio Grande do Sul

As ações judiciais que envolvem demandas relativas à saúde no Rio Grande do Sul vinham em uma crescente até o ano de 2016. Segundo dados divulgados pelo Comitê da Saúde do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Comitê de Planejamento e de Gestão Sistêmicos (PGS) houve uma redução de 17% nos gastos com a judicialização individual, especialmente com remédios, em relação ao ano anterior. Em 2012, o RS gastou R$ 200.278.136,11. Nos anos seguintes houve aumento: 2013: R$ 237.152.408,90; 2014: R$ 265.097.174,58 e 2015: R$ 324.898.973,03. E finalmente, em 2016, queda: R$ 275.807.868,21.

Gastos_Judi_RS_Evolucao

 

Segundo o CNJ, algumas práticas adotadas em 2016 contribuíram para os bons resultados, como a realização de cursos e workshops no interior do estado e a realização de mediação prévia pela Defensoria Pública, com o ajuizamento somente dos pedidos realmente necessários. Os dados de 2017 do Rio Grande do Sul ainda não foram divulgados.

A Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Saúde do Rio Grande do Sul (FEHOSUL) participa do Comitê do CNJ no RS, através do seu diretor executivo, Flávio Borges, e pela sua assessoria jurídica.

Borges enfatiza que ocorreu uma redução significativa dos processos após a análise pelo comitê. “Os setores se integraram, começaram a trabalhar conjuntamente e focaram em determinados pontos que trouxeram resultados muito positivos”, conta.

Muitos casos eram decorrentes da solicitação de orteses e próteses, medicamentos e internações. Na medida em que houve essa integração, foi criado um grande sistema e uma forma de proceder. “Os casos não foram diminuídos por obstáculos ou impedimento. Mas pelo fato de se regrar a forma que se solicita e também pelo apoio técnico ao judiciário, não deixando o juiz sozinho na decisão”, explica.

Segundo o diretor executivo, as ações do grupo trouxeram um apoio científico gabaritado, através de uma acessibilidade que não havia antes.

 

Com informações da Agência Fiocruz de notícias, Comitê da Saúde do Conselho Nacional de Justiça e FEHOSUL. Edição Setor Saúde.

VEJA TAMBÉM