Política | 15 de dezembro de 2017

Ampliação na oferta de leitos psiquiátricos com a aprovação de nova política governamental 

Norma aumenta o valor das diárias hospitalares para R$ 80 e cria nova modalidade voltada à assistência de urgência e emergência
Ampliação na oferta de leitos psiquiátricos com a aprovação de nova política governamental 

A Comissão Intergestores Tripartite (CIT), composta por gestores de saúde em nível municipal, estadual e da União, aprovou mudanças nas políticas públicas de saúde mental. A resolução aprovada amplia a rede de atenção pública, reconhece os leitos em hospitais psiquiátricos como parte integrante da rede de atendimento e aumenta o valor pago nas diárias de internação. A diária sairá dos atuais 49 reais e passará a 80 reais.

A política anterior previa o fechamento gradual de leitos de internação no país, com base na denominada Reforma Psiquiátrica de 2001. A nova resolução de saúde mental aprovada prevê a ampliação de leitos psiquiátricos em hospitais gerais. Hoje, o modelo atual estabelece que, no máximo, 15% dos leitos nesses hospitais sejam destinados ao atendimento de pacientes com transtornos mentais, estratégia para evitar que haja incentivo a hospitalização. A nova norma busca chegar a 20% dos leitos, com limite de até 60 vagas por hospital.

A norma também cria nova modalidade de Centro de Atenção Psicossocial (CAP) voltado à assistência de urgência e emergência e à oferta de linhas de cuidado em situações de uso de drogas, como nas “cracolândias”, por exemplo.

Durante a votação, o auto-denominado Movimento da Luta Antimanicomial manifestou-se contrário à nova política, alegando que ela romperia com a lógica de desestruturação de manicômios, posição até agora vigente.

Opiniões

O médico psiquiatra e diretor Clínico da Clínica São José, em Porto Alegre, Dr. Luiz Antonio Saint Pastous Godoy, falou ao portal de notícias Setor Saúde sobre as novidades. Para ele, as mudanças são positivas, podendo ser classificadas como um marco histórico. “Mais de 100 mil leitos psiquiátricos no Brasil foram desativados nos últimos 30 anos. Então, se a população brasileira não diminuiu nesse período, aonde foram parar esses pacientes? Eles estão aqui nas nossas calçadas, nas nossas ruas”, explica.

Godoy compara a antiga norma a um veto ao uso de antibióticos. “Seria como se algum político decretasse o fim do uso de antibiótico. Só que depois de um tempo, eles notariam que o medicamente é necessário para as infecções. Como poderemos não ter um sistema, uma estrutura e um equipamento de saúde mental para atender as pessoas em surto e em crise?”, indaga.

Diretor Clínico da Clínica São José, em Porto Alegre, Dr. Luiz Antonio Saint Pastous Godoy

Diretor Clínico da Clínica São José, em Porto Alegre, Dr. Luiz Antonio Saint Pastous Godoy

 

O psiquiatra acredita que irá haver um apoio formal e um reconhecimento dessa área específica da saúde para destinar orçamento e recursos que possibilitam o trabalho destes centros. “Até então, o serviço público sobreviveu a essa crise heroicamente por causa de suas lideranças, focada na área humanística e cientifica, que lutou contra todos esses absurdos”, afirma.

O coordenador nacional de saúde mental, Quirino Cordeiro, reconhece que não há um número exato do total de leitos em funcionamento do país. Dados de 2015 apontam cerca de 18 mil leitos nestes locais. Em 2002, quando da implantação da política agora parcialmente revogada, eram 53 mil, segundo o jornal Folha de São Paulo.

Cordeiro acredita que número atual de leitos para essa condição no país é insuficiente. “O Brasil tem hoje um número de leitos psiquiátricos muito menor do que os países desenvolvidos. Estamos numa situação em que podemos não ter leitos para internar pacientes com quadro agudo”, alerta.

A nova política conta com o apoio do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), que acreditam que ela fortalece a política de saúde mental.

Por outro lado, o Conselho Nacional de Saúde critica a proposta e pede que o debate sobre ela seja ampliado.

Comunidades terapêuticas

Em relação à inclusão das comunidades terapêuticas como integrantes da Rede de Atenção Psicossocial, o coordenador de saúde mental do ministério explica que hoje o governo federal já credencia esse tipo de instituição por meio do Ministério da Justiça (MJ). Agora, a previsão é de que uma portaria interministerial envolvendo os ministérios da Justiça, da Saúde e de Desenvolvimento Social trate do tema e viabilize a expansão.

Para o Conselho Federal de Psicologia, as comunidades terapêuticas não podem ser consideradas estabelecimentos de saúde. Os conselhos federais de Psicologia e de Serviço Social (CFESS) inspecionam esses locais e tem registrado situações de violações de direitos humanos que se assemelham às que eram vistas em manicômios.

O conselheiro Pedro Paulo Bicalho acrescenta que encontros nacionais do setor de saúde, como a Conferência de Saúde Mental, reiteraram o posicionamento crítico às comunidades. O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) também já se manifestou sobre o tema, em nota que apontou as práticas violadoras de direitos registradas em locais desse tipo.

Já para o corrdenador do Ministério da Saúde, não é possível generalizar esse quadro. Cordeiro explica que as comunidades terapêuticas que serão credenciadas precisarão estar de acordo com normas de respeito aos direitos humanos e serão de livre adesão dos pacientes.

Novo modelo

O novo modelo reforça o papel de hospitais psiquiátricos, que voltam a fazer parte da rede de atendimento. Também incentiva a criação de enfermarias especializadas em hospitais gerais – com preferência para aquelas que reúnem maior número de pacientes.

Uma das principais mudanças da nova resolução é a garantia de que não vai haver a redução de leitos em hospitais psiquiátricos. Até então, a política recomendava que, com a transferência de um paciente para o atendimento ambulatorial, a vaga deveria ser fechada. Em caso de necessidade, pacientes deveriam ser atendidos em leitos reservados em hospitais gerais para a saúde mental.

Ao justificar a alteração, Quirino Cordeiro afirmou que o País tem uma quantidade insuficiente de leitos psiquiátricos. “Eles não dão conta da demanda sanitária”, disse. Ele não soube dizer, no entanto, qual é a real oferta no País. “Os registros informam haver 18,2 mil vagas. Mas o cadastro pode estar desatualizado. ”

Principais pontos da resolução

1. Manutenção das vagas em hospitais psiquiátricos e reajuste das diárias

2. Hospitais gerais poderão reservar 20% da capacidade para alas psiquiátricas – no máximo 60 leitos. Hoje, não há previsão de reserva. Enfermarias com mais leitos terão incentivo maior do que unidades com poucas vagas.

3. Serão criadas equipes de assistência multiprofissional de média complexidade em saúde mental. Grupos vão atuar em ambulatórios, mas com profissionais habilitados. A ideia é ofertar atendimento intermediário entre ambulatório (mais simples) e o Caps, para casos mais complexos.

4. Ampliação de comunidades terapêuticas credenciadas de 4 mil para 20 mil. O Ministério da Saúde vai financiar 10 mil. Estão previstas capacitações. 

5. Plano de Ação de Prevenção contra Suicídio será desenvolvido em 6 Estados considerados prioritários: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Amazonas, Piauí e Roraima

6. Valores repassados para financiar Residências Terapêuticas serão reajustados. No caso de residências terapêuticas de nível 1, o valor passará de R$ 10 mil para R$ 20 mil. No caso das residências de nível 2 (mais complexas), o valor passará de R$ 20 mil para R$ 30 mil mensais. Em cada residência vivem até 10 pacientes.

 

* com informações EBC, Estado, Exame, Folha de S.Paulo e Setor Saúde

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