Gestão e Qualidade | 28 de abril de 2022

Hospitais gaúchos relatam falta de medicamentos

Problema enfrentado no pico da pandemia de Covid-19 volta a preocupar instituições do Estado
Hospitais gaúchos relatam falta de medicamentos

A falta de medicamentos em hospitais do Rio Grande do Sul volta a ser um problema. Durante alguns meses da pandemia no ano passado, o problema foi principalmente em relação ao kit intubação, que chegou a faltar em alguns hospitais, em função da grande demanda mundial e pela paralisação da produção em muitos países. Agora, a dificuldade se repete, mas por motivos diversos, entre eles a crise entre Ucrânia e a Rússia, que vem impactando a importação e o comércio internacional como um todo. Além deste fator, o aumento dos custos em matérias primas, os novos lockdowns na China e a defasagem entre o custo de produção e o índice de aumento máximo determinado em 10,89% pelo governo brasileiro são motivos adicionais indicados para a repetição do cenário.

O portal Setor Saúde realizou levantamento da situação junto aos hospitais. De forma geral, os estoques ainda estão sob relativo controle. Por outro lado, algumas instituições já estão realizando medidas de racionalização, pois começam a sentir a falta de alguns fármacos, como atropina, neostigmina, amicacina, gentamicina, dipirona, entre outros. Confira.

Hospital Divina Providência, em Porto Alegre

Segundo Priscila Ferraz, Farmacêutica Responsável Técnica do Hospital Divina Providência (HDP), o hospital enfrenta dificuldades na aquisição de alguns medicamentos. Há, segundo a profissional, atraso de entregas dos fornecedores, o que tem gerado muitas solicitações de empréstimos entre os hospitais.

Ferraz detalha os medicamentos que estão gerando maior preocupação e destaca o que tem sido feito para amenizar a situação. “Os principais itens com dificuldade de aquisição no HDP no momento são: atropina, neostigmina e glicina. Estamos constantemente revisando os protocolos assistenciais e procurando alternativas para substituição para que possam suprir a necessidade dos nossos pacientes e mantendo a segurança assistencial”, explica.

Hospital Tacchini, em Bento Gonçalves

A instituição da serra gaúcha informou que está adotando medidas de racionalização. “Verificamos a necessidade de ajustes de condutas para racionalização do consumo de alguns medicamentos, uma vez que houve aumento significativo no custo de aquisição de algumas drogas. Mesmo assim, até o momento, conseguimos garantir a viabilidade dos serviços”, disse em nota.

Em relação aos medicamentos que estão em falta ou com nível baixo, o Tacchini informa: “Estamos tendo dificuldade na aquisição de alguns antibióticos, reversores de anestesia geral, analgésicos, soluções para irrigação, entre outros. Entre os medicamentos que estão com baixo estoque, podemos citar atropina, amicacina, gentamicina, leite FM, neostigmine, dipirona, tramadol, cetorolaco, escopolamina, sorbitol e ocitocina. ”

A instituição cita outras medidas adicionais que estão ajudando a garantir os atendimentos. “Além da racionalização do consumo e campanhas perenes de conscientização junto aos profissionais de saúde, seguimos buscando de forma constante alternativas terapêuticas capazes de garantir a reposição dos estoques e a manutenção de todos os serviços de forma integral”, finaliza o comunicado enviado ao portal Setor Saúde.

Hospital Ernesto Dornelles, em Porto Alegre

O Hospital Ernesto Dornelles (HED), em Porto Alegre, disse em nota que alguns medicamentos estão com estoque baixo, mas ainda não há falta de medicamentos. “Ainda não sentimos falta de medicamentos internamente, mas estamos trabalhando com alguns estoques pontuais mais justos. No momento, nenhum medicamento encontra-se em falta no Hospital Ernesto Dornelles. Estamos acompanhando as movimentações do mercado e traçando estratégias para manter o nosso estoque regular, a fim de garantir a nossa qualidade assistencial”, diz trecho da nota.

Para evitar o desabastecimento, alguns medicamentos estão sendo importados, como a imunoglobulina. O HED também relatou que está realizando um trabalho em conjunto com as equipes médicas, Comissão de Farmácia e Terapêutica do HED e Comitê de Farmácia do Sindihospa [Sindicato dos Hospitais de Porto Alegre] com acompanhamento dos níveis de estoque e análise de possíveis substituições de fármacos para que não haja impacto na assistência aos pacientes do Hospital.

Hospital de Clínicas de Porto Alegre

O HCPA destaca que alguns medicamentos foram descontinuados pelas indústrias, conforme sinalização de alguns fornecedores. “O HCPA tem trabalhado de forma proativa em relação a estes comunicados, primeiramente verificando estoque e consumo atual. Paralelo a isso discute-se na Comissão de Medicamentos medidas de otimização desse estoque e possíveis alternativas terapêuticas, sem prejuízo ao paciente”, diz nota da instituição.

“Até o momento não chegamos a ficar desabastecidos, mas estamos com estoques críticos dos seguintes medicamentos: dipirona injetável, atropina injetável, salbutamol gotas, fenoterol gotas, dipiridamol e milrinona”, completa.

O HCPA vem adotando ações para contornar a situação, como por exemplo:

– Avaliação do estoque atual e contato com o fornecedor das parcelas programadas confirmando o recebimento destas.

– Discussão na Comissão de Medicamentos de outras alternativas terapêuticas que sejam intercambiáveis, sem prejuízo ao paciente.

– Busca de novos fornecedores.

– Possibilidade de importação de medicamentos, a exemplo da Imunoglobulina, bastante divulgada nos meios de comunicação.

Hospital Virvi Ramos, em Caxias do Sul

No hospital caxiense Virvi Ramos, ainda não há desabastecimento, mas há a dificuldade de compra de alguns medicamentos, como Dimenidrinato 30mg + Piridoxina 50mg+Glicose e Frutose 1000mg Ev – 10ml (Dramin EV) e Solução Fisiológica 1000mL.

A instituição diz que está realizando cotações com maior frequência e revendo protocolos junto às equipes médicas.

Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre

Conforme informações do Hospital Moinhos de Vento, a instituição ainda não enfrenta problemas de desabastecimento de nenhum medicamento.

“Porém, os estoques de fármacos como dipirona injetável e amicacina injetável estão abaixo do normal e, se o abastecimento não for normalizado em 3 semanas, a instituição pode ter que utilizar alternativas a essas substâncias. O setor de compras do hospital tem reuniões marcadas com as farmacêuticas nos próximos dias para avaliar a situação e adotar medidas preventivas”, informa em comunicado o Hospital.

Hospital São Vicente de Paulo de Passo Fundo

O Hospital São Vicente de Paulo relata  que fornecedores estão justificando a falta de alguns medicamentos em função dos preços que inviabilizam a comercialização, assim como problemas na linha de produção. Dipirona injetável e algumas apresentações de soluções parenterais de grande volume, soros, como Fisio de 1000 ml, são exemplos de insumos que se enquadram neste cenário relatado pela indústria.

Para contornar a situação, o HSVP vem adotando ações de racionalização para manter estoques disponíveis para um maior número de dias. Adicionalmente, está reprogramando as entregas com os fornecedores, deixando pedidos em fila de espera. A instituição também está verificando a substituição de itens, quando possível, dentro da mesma classe terapêutica.

Hospital Nossa Senhora da Conceição (Grupo Hospitalar Conceição), em Porto Alegre

Segundo Clarissa de Oliveira, do Serviço de Farmácia do Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC), a única falta sentida é da imunoglobulina humana. Segundo a responsável, as equipes estão buscando alternativas, com medicações similares, pois “não há previsão de normalização do abastecimento”, completa Oliveira.

Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre

Segundo Mãe de Deus, não há problemas de desabastecimento dentro do Hospital Mãe de Deus no momento. “O Hospital Mãe de Deus está sempre atento a possíveis dificuldades no mercado, e de prontidão à necessidade de rever protocolos junto ao Corpo Clínico caso seja necessário alterar os medicamentos caso algum deixe de estar à disposição”, disse em nota a instituição.

Sindusfarma pede revisão do teto CMED

Conforme autorizado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), o valor máximo de reajuste dos medicamentos para 2022 é de 10,89%. A indústria farmacêutica reclama que os custos de produção aumentaram muito nos últimos anos em função da pandemia. Ocorreu a disparada do dólar, aumento dos custos do frete e das embalagens. Segundo o Sindusfarma, que representa a indústria farmacêutica, é necessária a revisão do teto CMED, que estaria fora da realidade de mercado. Leia a nota:

Medicamentos sobem menos que inflação geral na pandemia, confirmando estabilidade de preços na década

Durante esses dois difíceis anos de pandemia, a oferta dos medicamentos manteve-se regular e seus preços aumentaram menos do que os dos alimentos e dos transportes, por exemplo.

No acumulado de 2021 e 2020, os medicamentos subiram em média 3,75%, enquanto a inflação geral no Brasil saltou para 15,03%, gerando uma diferença para menos de 11 pontos percentuais. No mesmo biênio, os alimentos subiram 23,15% e os transportes, 22,28%, de acordo com o IBGE, ou seja, quase 6 vezes mais do que os medicamentos.

Em 2021, os medicamentos subiram 6,17% ante a inflação geral de 10,06%, de acordo com o IPCA, medido pelo IBGE.

Em 2020, a inflação dos medicamentos foi negativa (-2,28%), ante a carestia geral de 4,52%.

Nem a enorme pressão de custos das matérias-primas, do câmbio e da logística global do período, entre outros insumos, gerou instabilidades nos preços desse bem essencial para o enfrentamento do SARS-CoV-2 e para a população brasileira.

A cotação do dólar chegou a aumentar quase 40% nos últimos dois anos; os gastos com frete e seguros aumentaram em média 10%, em dólares; os materiais de embalagem subiram cerca de 40%.

No acumulado de 2012 a 2021, a inflação geral somou 78,91% ante uma variação de preços dos medicamentos de 55,79% (IPCA).

“Os medicamentos têm um dos mais previsíveis e estáveis comportamentos de preço da economia brasileira”, afirma o presidente executivo do Sindusfarma, Nelson Mussolini. (ver abaixo gráfico comparativo do IPCA de produtos selecionados)

Outros fatos significativos:

A carga tributária embutida no preço dos medicamentos equivale a até 32% do valor final pago pelo consumidor;

Oferecidos gratuitamente no Programa Aqui Tem Farmácia Popular, hipertensivos, medicamentos para diabetes e outros produtos para doenças de larga incidência são vendidos pelas empresas fabricantes por valores de reembolso baixíssimos, que não são reajustados há anos.

Consumidor deve pesquisar

Os medicamentos têm preço controlado e congelado por 12 meses. Nenhuma empresa pode aumentar o preço máximo ao consumidor (PMC) de seus produtos sem autorização do governo.

Uma única vez a cada ano, os aumentos de custo de produção acumulados nos 12 meses anteriores podem ser incorporados ao preço máximo ao consumidor (PMC) dos medicamentos, a critério das empresas fabricantes, aplicando-se uma fórmula de cálculo criada pelo governo. (ver abaixo a descrição da fórmula)

De acordo com a lei, a recomposição anual de preços definida pelo governo poderá ser aplicada neste ano a partir de 31/03/2022 em cerca de 13 mil apresentações de medicamentos disponíveis no mercado varejista brasileiro.

Mas o reajuste não é automático nem imediato, pois a grande concorrência entre as empresas do setor regula os preços: medicamentos com o mesmo princípio ativo e para a mesma classe terapêutica (doença) são oferecidos no país por vários fabricantes e em milhares de pontos de venda.

“É importante o consumidor pesquisar nas farmácias e drogarias as melhores ofertas dos medicamentos prescritos pelos profissionais de saúde”, recomenda Mussolini. “Dependendo da reposição de estoques e das estratégias comerciais dos estabelecimentos, aumentos de preço podem demorar meses ou nem acontecer”.

A fórmula de cálculo do reajuste de medicamentos

A recomposição anual da tabela de Preços Máximos ao Consumidor (PMC) de medicamentos é calculada pela seguinte fórmula, definida pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED):

Índice de reajuste = IPCA – X + Y + Z.

O principal fator da fórmula é a inflação (IPCA), da qual é descontada a produtividade da indústria farmacêutica (fator X) e à qual são somados os custos de produção não captados pelo IPCA, como variação cambial, tarifas de eletricidade e variação de preços de insumos (fator Y). Para “promover a concorrência nos diversos segmentos do mercado de medicamentos”, a CMED criou o fator Z, que reduz progressivamente o desconto da produtividade, estabelecendo, em princípio, três índices de recomposição de preços, segundo os níveis de concentração de mercado: [Nível 1] mais competitivo (sem desconto do fator X); [Nível 2] moderadamente concentrado (desconto de 50% do fator X); [Nível 3] muito concentrado (desconto integral do fator X). A adoção das três faixas de ajuste (fator Z) depende do índice de produtividade (fator X). Quando o fator X é zero, o índice de recomposição é único (linear).

Em 2022, o índice de reajuste apurado pela fórmula de cálculo será:

IPCA: 10,54%

Fator X: 0% (zero)

Fator Y: 0,36%

Fator Z: 0% (zero)

Índice de reajuste único:  10,89%

Fontes: Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) e Sindusfarma.

 



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