Jurídico, Tecnologia e Inovação | 15 de outubro de 2015

USP se posiciona sobre “droga que cura cânceres”

Inúmeras demandas judiciais chegam à universidade obrigando a disponibilização do tratamento
USP se posiciona sobre “droga que cura cânceres”

No mês de agosto, os meios de comunicação divulgaram a existência de processos judiciais envolvendo pacientes com câncer e a USP. Eles pedem que a universidade continue fornecendo as cápsulas da substância chamada Fosfoetanolamina. Não aprovado pela Anvisa para ser comercializado –  já que só pode ser autorizado após testes clínicos – a droga descoberta por um professor de física da universidade tem sido associada à cura de diversos tipos de cânceres, leia aqui (http://setorsaude.com.br/acoes-na-justica-em-busca-de-capsula-para-tratamento-do-cancer-disparam/).

Diante da grande repercussão, e com incontáveis pedidos judiciais que obrigam a USP entregar o produto a pacientes com câncer, a instituição se viu obrigada a emitir uma nota no dia 14, na qual se posiciona de forma direta: “Essa substância não é remédio”.

Mesmo reforçando que “ele [Fosfoetanolamina] não foi estudado para esse fim e não são conhecidas as consequências de seu uso”, a USP se diz obrigada a atender os pedidos judiciais, mas alerta que médicos devem “assumir a responsabilidade legal, profissional e ética pela prescrição, pelo uso e efeitos colaterais – que, nesse caso, ainda não são conhecidos de forma conclusiva – e pelo acompanhamento do paciente”, diz a nota.

E explica a situação de impossibilidade de atender a demanda: “A USP não é uma indústria química ou farmacêutica. Não tem condições de produzir a substância em larga escala, para atender às centenas de liminares judiciais que recebeu nas últimas semanas. Mais ainda, a produção da substância em pauta, por ser artesanal, não atende aos requisitos nacionais e internacionais para a fabricação de medicamentos”.

No final do comunicado, a instituição diz que “nada disso exclui, porém, que estudos clínicos suplementares possam ser desenvolvidos no âmbito desta Universidade, essencialmente dedicada à pesquisa e à ciência”.

E alerte que “estuda, ainda, a possibilidade de denunciar, ao Ministério Público, os profissionais que estão se beneficiando do desespero e da fragilidade das famílias e dos pacientes”.

Leia a nota, na íntegra:

Fosfoetanolamina não é remédio

A Universidade de São Paulo (USP) foi envolvida, nos últimos meses, na polêmica do uso de uma substância química, a fosfoetanolamina, anunciada como cura para diversos tipos de cânceres. Por liminares judiciais, a Universidade foi obrigada a fornecer o produto para os que a solicitam. Em respeito aos doentes e seus familiares, a USP esclarece:

Essa substância não é remédio. Ela foi estudada na USP como um produto químico e não existe demonstração cabal de que tenha ação efetiva contra a doença: a USP não desenvolveu estudos sobre a ação do produto nos seres vivos, muito menos estudos clínicos controlados em humanos. Não há registro e autorização de uso dessa substância pela Anvisa e, portanto, ela não pode ser classificada como medicamento, tanto que não tem bula.

Além disso, não foi respeitada a exigência de que a entrega de medicamentos deve ser sempre feita de acordo com prescrição assinada por médico em pleno gozo de licença para a prática da medicina. Cabe ao médico assumir a responsabilidade legal, profissional e ética pela prescrição, pelo uso e efeitos colaterais – que, nesse caso, ainda não são conhecidos de forma conclusiva – e pelo acompanhamento do paciente.

Portanto, não se trata de detalhe burocrático o produto não estar registrado como remédio – ele não foi estudado para esse fim e não são conhecidas as consequências de seu uso.

É compreensível a angústia de pacientes e familiares acometidos de doença grave. Nessas situações, não é incomum o recurso a fórmulas mágicas, poções milagrosas ou abordagens inertes. Não raro essas condutas podem ser deletérias, levando o interessado a abandonar tratamentos que, de fato, podem ser efetivos ou trazer algum alívio. Nessas condições, pacientes e seus familiares aflitos se convertem em alvo fácil de exploradores oportunistas.

A USP não é uma indústria química ou farmacêutica. Não tem condições de produzir a substância em larga escala, para atender às centenas de liminares judiciais que recebeu nas últimas semanas. Mais ainda, a produção da substância em pauta, por ser artesanal, não atende aos requisitos nacionais e internacionais para a fabricação de medicamentos.

Por fim, alertamos que a substância fosfoetanolamina está disponível no mercado, produzida por indústrias químicas, e pode ser adquirida em grandes quantidades pelas autoridades públicas. Não há, pois, nenhuma justificativa para obrigar a USP a produzi-la sem garantia de qualidade.

Os mandados judiciais serão cumpridos, dentro da capacidade da Universidade. Ao mesmo tempo, a USP está verificando o possível envolvimento de docentes ou funcionários na difusão desse tipo de informação incorreta. Estuda, ainda, a possibilidade de denunciar, ao Ministério Público, os profissionais que estão se beneficiando do desespero e da fragilidade das famílias e dos pacientes.

Nada disso exclui, porém, que estudos clínicos suplementares possam ser desenvolvidos no âmbito desta Universidade, essencialmente dedicada à pesquisa e à ciência.

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