Estatísticas e Análises | 13 de setembro de 2016

Por que médicos têm dificuldade em se desculpar pelos seus erros?

Pesquisa norte-americana diz que 81% dos médicos consideram desnecessário admitir falhas
erromedico

O artigo Disclosure of Medical Error (Divulgação do Erro Médico, em tradução livre) publicado no periódico JAMA analisa o suposto receio dos médicos em falar sobre falhas da prática profissional. A publicação da JAMA descreve uma situação hipotética envolvendo um dermatologista, que, “depois de completar biópsias de pele em dois pacientes, descobriu que os instrumentos não tinham sido esterilizados”.  O artigo apresenta opções para lidar com a situação, incluindo a comunicação com os pacientes.

Ao se deparar com a situação, o profissional “se perguntou se deveria dizer aos pacientes e o que ele deveria dizer”. Os autores da fictícia história do dermatologista defendem que os pacientes devem ser informados sobre o que aconteceu, e que o médico precisa pedir desculpas. Todas as partes envolvidas devem avaliar o erro, bem como a garantia de qualidade, a gestão de risco, e órgãos de vigilância devem ser informados, assim como a instituição onde o profissional trabalha.

O aviso deve ser feito por qualquer pessoa que identifique um erro médico que possa prejudicar um paciente. “Os autores escolheram um cenário bastante simples. É muito fácil para um médico pedir desculpas por um erro cometido por outra pessoa. É um pouco diferente se o médico é aquele que cometeu o erro”.

Como salienta o blog de um cirurgião que se auto-intitula Scalpel Skeptical*, “é preciso apoiar totalmente a divulgação, expressando simpatia, e pedindo desculpas pessoalmente quando o médico considera que foi o responsável pelo que aconteceu”. No entanto, para isso, uma série de questões precisam ser resolvidas. O artigo do JAMA afirma que “os sistemas de saúde devem desenvolver uma cultura de segurança. Um elemento essencial é uma cultura que promova uma comunicação aberta de erros, auxilie os médicos na divulgação dessas falhas, e forneça suporte emocional aos funcionários estressados envolvidos”.

O Scalpel Skeptical salienta que há quatro anos, a maioria dos hospitais não tinham estabelecido a chamada “cultura justa”. De lá para cá, pouca coisa mudou.

Uma pesquisa do Medscape feita em 2015 rendeu uma descoberta notável: “81% dos médicos participantes disseram acreditar que um pedido de desculpas não iria fazer diferença a respeito de um processo feito com imperícia”.

Muitos Estados nos EUA têm leis que protegem os médicos que expressam desculpas por erros. “De acordo com um ensaio feito em 2014 por Lisa Kearns na Universidade de Columbia e publicado no jornal Voices in Bioethics, em 37 Estados e no Distrito de Columbia existem leis que excluem o pedido de desculpas de uma admissibilidade no Tribunal. De qualquer forma, apenas oito Estados têm leis que dizem que admitir o erro não pode ser usado no tribunal, e as circunstâncias em que as admissões de culpa podem ser excluídas variam muito de Estado para Estado”.

Lisa Kearns afirmou que “menos de um quarto (¼) dos estatutos permitem que os médicos assumam a responsabilidade por suas ações”. Ela acrescentou que “sem uma admissão de culpa ou outro reconhecimento da responsabilidade pelo erro, um pedido de desculpas é incompleto – é mais como um reconhecimento político de que foram cometidos erros”.

Ela também argumenta que essas leis deveriam ser mais sobre como proteger os médicos da responsabilidade do que melhorar a relação médico-paciente. “O legado da lei do pedido de desculpas e da admissibilidade acabou por ser uma série de estatutos que sugerem novas formas de proteger a instituição médica de seus próprios erros”.

“As consequências não intencionais destas leis aparentemente bem-intencionadas são médicos que não podem se desculpar por prejudicar os pacientes, mesmo que eles queiram, e pacientes prejudicados acabam sendo abandonados por seus cuidadores”. Como conclui o artigo, “aparentemente, os 81% dos médicos consultados pela Medscape chegaram à essa mesma conclusão”.

* O autor do blog Scalpel Skeptical não revela seu nome, e diz que assim o faz, para poder expor verdades da prática médica sem receber represálias. Ele cita Oscar Wilde: “o homem é menos ele mesmo quando fala em sua própria pessoa. Dê-lhe uma máscara, e ele irá dizer-lhe a verdade. ” 

Leia mais

Como os profissionais devem agir após um erro médico

Estudo que aponta erro médico como a terceira causa de morte nos EUA é contestado

Como diminuir erros em diagnósticos médicos 

Como os pacientes internados podem ajudar na diminuição de erros

VEJA TAMBÉM