Gestão e Qualidade, Mundo | 15 de julho de 2015

Os sistemas de saúde devem construir empatia para cuidar dos pacientes

Artigo analisa a importância dos médicos abandonarem a postura neutra
Os sistemas de saúde devem construir empatia para cuidar dos pacientes

Pacientes em geral, mas principalmente em condições crônicas, podem ter que ser atendidos por uma série de profissionais diferentes quando ingressam em um hospital. Neste processo assistencial, médicos podem acabar utilizando uma abordagem até certo ponto fria, com recomendações arbitrárias e/ou experimentais (algumas sem base cientifica). A explicação do quadro clínico também pode ser quase incompreensível para o paciente.

Contudo, é importante salientar que, em condições crônicas, não há solução rápida. Em um artigo assinado por Steve Daniels, co-fundador da Able Health (empresa norte-americana de saúde digital), publicado no site MedCity News, a falta de empatia para com o paciente é analisada. Segundo o autor, são poucos os profissionais que se preocupam com as emoções do paciente. “Eu preciso de alguém que sente ao meu lado e diga que vou passar por um processo longo. Não vai ser uma série de tentativas e erros, mas estou disposto a expandir minhas possibilidades e ser criativo com você. Não vai ser fácil, mas eu estou com você”, exemplifica.

Uma doença crônica afeta cada momento do dia do paciente, assim como o humor, as decisões cotidianas e os relacionamentos. Segundo Daniels, buscar empatia é comum entre amigos e familiares. Assim, “é natural que gostaríamos que o mesmo acontecesse junto àqueles que nos tratam”. A chamada “empatia clínica” se resume a um conceito definido como “um atributo cognitivo que envolve uma capacidade de compreender experiências e perspectivas internas do paciente, e uma capacidade de comunicar esse entendimento”.

A empatia clínica está ligada a melhores resultados para pacientes com diabetes, constipações e depressão de acordo com pesquisas. No entanto, muitos pacientes não recebem esse tratamento em suas consultas. Um estudo revelou que os médicos interrompem a fala dos seus pacientes, geralmente após 18 segundos de conversa.

“Para entender isso, também temos de ter empatia com os médicos. Nos anos 1950 e 1960, revistas médicas começaram a espalhar um conceito chamado de “empatia neutra”, com base no raciocínio individual. O argumento é de que se colocar na posição do paciente poderia gerar decisões equivocadas”. Essa perspectiva tem moldado a forma como os médicos são treinados e incentivados. Outra pesquisa, de 2011, mostrou que a empatia diminuiu durante a faculdade de medicina e residência, alteração atribuída a experiências clínicas e estresse.

“A empatia não é apenas lembrar-se de dizer que ´isso deve realmente ser difícil´. É descobrir como falar das dificuldades para que se possa falar e pensar em todo o contexto. A empatia não é apenas ouvir, é fazer as perguntas cujas respostas precisam ser ouvidas. A empatia requer perguntas e imaginação, requer admitir que você não sabe tudo. Significa reconhecer um horizonte que se estende perpetuamente além do que podemos ver”, analisa Steve Daniels.

A pressão dos sistemas de saúde requer um maior número de atendimentos médicos, e assim, menos tempo para cada paciente. O resultado é a padronização de diagnósticos. O artigo usa como exemplo de inovação a Health Leads, que atua junto ao Boston Medical Center. A empresa percebeu que muitos pacientes de baixa renda permaneciam doentes por causa de problemas relacionados à nutrição, saúde mental e outras condições básicas de sobrevivência.

A organização faz o ele entre as necessidades “não médicas” identificadas pelas equipes assistenciais, e busca junto ao governo e comunidade, por exemplo, iniciativas para a resolução de deficiências estruturais do paciente. Perguntas como “você está ficando sem comida no final do mês? Você tem aquecimento em casa?” se tornaram parte da rotina de atendimento dos médicos, já que o sistema em que operavam tradicionalmente limitava o que eles poderiam “prescrever”.

Assim, a Health Leads e os hospitais parceiros passaram a focar Também em áreas que não são considerados médicas, ou não são cobertas pelo seguro de saúde, como cuidados básicos com a alimentação e moradia. A ideia é a de que médicos prescrevem medicação para pacientes que muitas vezes não têm comida em casa ou vivem em habitações inseguras. Quando isto é a realidade do paciente, o médico e o prestador de saúde não conseguiam se envolver para resolver estes problemas, e muitos dos pacientes, provavelmente retornarão em condições mais graves, com doenças que aumentam ainda mais os custos de saúde. A conversa mais aprofundada do médico com o paciente pode indicar quando a Health Leads deve entrar em ação para buscar soluções. “Este conjunto complexo de práticas são necessárias para construir empatia e tratar os problemas humanos”, segundo o especialista.

Nos EUA, o sistema de saúde para idosos (Medicare) avalia os médicos através de dois programas. O primeiro, Physician Quality Reporting System (PQRS), é obrigatório; aqueles que o ignoram podem enfrentar sanções de até 6% de seu reembolso anual. O PQRS inclui medidas como realizar uma triagem de tabagistas, verificar se a população de pacientes com diabetes é mantida com bons níveis de hemoglobina A1C, entre outros.
O segundo programa, chamado Consumer Assessment of Healthcare Providers and Systems (CAHPS), é voluntário para os provedores com menos de 100 profissionais. O programa inclui registrar relatos dos pacientes, como “o provedor explicou as coisas de uma maneira que era fácil de entender?” ou “o profissional mostrou respeito por aquilo que o paciente tinha a dizer?”.

O que se faz necessário, segundo o artigo, é uma mudança fundamental em como os profissionais são preparados e organizados para atender os pacientes. “A tecnologia automatiza a informação, e os médicos devem atualizar seus conhecimentos com base em um fluxo constante de novas descobertas”.

Em outra frente, a Columbia Medical School oferece mestrado em Medicina Narrativa, com uma abordagem que ajuda a aperfeiçoar e valorizar os benefícios da adoção de um atendimento com mais empatia. Formar médicos mais preparados só beneficia a medicina. “Precisamos repensar a maneira como organizamos os nossos médicos e nossos administradores – e automatizar tarefas de rotina para ajudá-los a se concentrar no que importa. O sistema atual é hiper-especializado e desconexo”, diz Daniels.

Novos conceitos ganham força na saúde norte-americana. “O primeiro é um novo modelo de cuidados primários chamado Patient-Centered Medical Homes (PCMH), e definido por cinco características: atendimento abrangente, centrado no paciente, atendimento coordenado, serviços acessíveis, de qualidade e com segurança. O resultado é uma prática adequada ao paciente. Uma equipe realiza o tratamento de uma forma coordenada, se comunicando fortemente com o paciente”. O outro modelo é o de reembolso para atendimentos eventuais. “Fornecedores recebem uma taxa fixa por paciente por um tipo particular de ‘evento’, como uma lesão no joelho. Dessa maneira, os médicos são incentivados a otimizar o atendimento.

Uma cartilha direcionada a cuidadores e provedores, desenvolvida pela Business Innovation Factory, fornece estratégias (em inglês, baixe aqui) para o uso de métodos narrativos nos cuidados de saúde, de forma que tenham um impacto real. Os métodos do material The Strategic Use of Story to Improve Care, Healing, and Health foram desenvolvidos por líderes que utilizam técnicas de storytelling, apoiados por pesquisas e estudos.

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