Empregabilidade e Aperfeiçoamento | 17 de outubro de 2013

Obra destaca a construção da medicina

Livro mostra como aconteceu a profissionalização da profissão médica
Livro construção médico

A professora e doutora em História do Brasil, Elizabeth Torresini, lança o livro intitulado “Construção do Campo Médico (1891-1932): Liberdade e Regularização Profissional”, que reconstrói o cenário do exercício profissional no Rio Grande do Sul, após a Constituição de 1891, no início do período republicano.

O portal Setor Saúde entrevistou a historiadora Elisabeth Torresini, onde ela fala sobre sua obra e traça paralelos entre os fatos do passado e temas atuais, como o programa Mais Médicos, do governo federal. No livro, a autora aborda a evolução da medicina no mundo ocidental – principalmente no Brasil – até o século XX, situando os primórdios da profissão, com os cursos de medicina (Salvador e Rio de Janeiro, em 1808; Porto Alegre, em 1898).

Elizabeth destaca a atuação do médico diplomado no desenvolvimento das práticas médicas dos licenciados, abrange o caso dos diplomados no exterior, práticos e impostores. Através de documentos da época, ela mostra casos de charlatanismo nas primeiras décadas do século XX e o apoio que médicos receberam da imprensa, dos sindicatos e das associações na luta para conter a liberdade profissional vigente no Rio Grande do Sul.

Elisabeth torresini

Dra. Elizabeth Torresini

Setor Saúde – De que forma a publicação busca apresentar as bases históricas que culminaram na formatação do campo médico?

Elizabeth Torresini – Para situar a formação do campo médico moderno é necessário pensar no incremento do conhecimento sobre o corpo humano, sobre as doenças, a prevenção e a saúde, espantoso desde o século XIX. O ato de ajuda entre humanos, destinado a minorar a dor e a promover a saúde, tão antigo quanto é a vivência em sociedade, tornou-se paulatinamente atributo do médico diplomado. Mas nem sempre foi assim. O desenvolvimento dos padrões de registro dos institutos, faculdades e hospitais fomentou a pesquisa e a Ciência médica, contribuindo para a definição acadêmica da competência e qualificação profissionais. Se é possível acompanhar historicamente esse movimento, também é verdade que é possível acompanhar a tendência da prática médica moderna, sobretudo depois do século XIX, de rechaçar a improvisação, valorizando o conhecimento científico e o aperfeiçoamento sistemático dos registros.

Setor Saúde – A medicina sempre esteve em um cenário envolto de embates e disputas. Em seu livro você fala da questão da liberdade profissional que iniciou em 1891 e se estendeu por 41 anos. Quais os elementos históricos mais importantes que você destacaria neste período e que são aprofundados em sua obra?

Elizabeth Torresini – Esse movimento de circunscrição e construção do campo de atuação do médico pode ser visto como uma tendência do mundo ocidental, no contexto da especialização da medicina. Mas o estudo desse movimento geral encontra no Rio Grande do Sul um farto material documental, decorrente da peculiaridade histórica produzida pela influência do Positivismo na criação e aplicação de um dispositivo na Constituição estadual (1891) favorável ao livre exercício profissional como forma de aperfeiçoamento das sociedades. Em razão dessa determinação republicana, os médicos uniram-se aos farmacêuticos e fundaram a Faculdade de Medicina e Farmácia de Porto Alegre (1898), a terceira do Brasil. Os embates regionais deram-se por conta da liberdade profissional que atingia duramente os médicos diplomados brasileiros. Por essa norma, e a regulamentação estadual de 1895, não era necessária a validação de diplomas ou a verificação do preparo profissional, somente a aquisição de uma licença para atuar na área, promovendo o licenciamento indiscriminado e o charlatanismo nas primeiras décadas do século XIX. No livro, procurou-se documentar amplamente essas práticas, com base nos documentos colhidos, sobretudo na imprensa rio-grandense das três primeiras décadas do século XX.

Setor Saúde – Qual a relação que você faz com aquela época e às fortes discussões atuais como ato médico e a vinda de profissionais de outros países e que envolvem as entidades médicas, o governo e a população?

Elizabeth Torresini – Penso que é possível, guardadas as diferenças históricas, estabelecer uma ponte entre os efeitos da liberdade profissional e a não exigência da validação de diplomas dos dias atuais. Depois da década de 1920, o rechaço dos médicos rio-grandenses à liberdade profissional e ao crescente charlatanismo recebeu o claro apoio de colegas do centro do país, da imprensa, de setores da administração pública e da sociedade. Assim, surgiu o Sindicato Médico do RS, que combatia as promessas de cura para males incuráveis e a realização de procedimentos cirúrgicos mutiladores, muitas vezes fatais. Há um momento no final dessa década que o número de mortes de mulheres por abortos cresceu assustadoramente. A atitude dos médicos vem acompanhada de uma forte solicitação de uma regulamentação do exercício profissional, baseada na diplomação acadêmica e nas normas que estavam sendo adotadas no mundo ocidental. Com isso, o Brasil seguia a tendência de aceitar diplomas obtidos ao exterior somente depois de um processo de validação. A aprovação do Decreto nº 20.931, de 11 de janeiro de 1932, primeira lei de regulamentação do exercício profissional da medicina, ou o primeiro ato médico, trouxe um parâmetro para o exercício médico e a necessidade de adoção de uma atitude de vigilância quanto aos diplomas expedidos pelas faculdades brasileiras e ao padrão de regulação e controle das atividades dos médicos. Também se definiram os critérios de validação dos diplomas obtidos no exterior. Em vista disso, os médicos imigrantes tiveram que validar os seus diplomas, criando muitos constrangimentos para aqueles que exerciam a medicina sem diplomação. A partir daí, colocou-se em vigor o Código de Deontologia Médica, aprovado em 1944, e se pensou na criação de um Conselho Federal de Medicina, instituído em 1951, origem dos conselhos regionais de medicina. Em 1952, surgia a Associação Médica do Rio Grande do Sul (AMRIGS), ao mesmo tempo em que se preparava a criação do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers). São conquistas médicas irrefutáveis!

Lançamento oficial

O livro será oficialmente lançado na 59ª Feira do Livro de Porto Alegre (entre 1º e 17 de novembro), no dia 11, uma segunda-feira. Além do evento no pavilhão de autógrafos, às 18h, está marcada ainda a mesa redonda Medicina x Liberdade x Charlatanismo e a construção do campo médico (1891-1932). O debate será um pouco antes, às 16h, na Sala Oeste do Santander Cultural.

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