Estatísticas e Análises, Mundo | 21 de dezembro de 2016

O efeito “Angelina Jolie” no combate ao câncer de mama

Depoimento da atriz fez aumentar o número de exames genéticos, mas não o de mastectomias
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Ícones da cultura pop podem influenciar escolhas de moda, hábitos alimentares e preferências de marca, mas as celebridades podem também influenciar as nossas decisões médicas.

Em 2013, a atriz Angelina Jolie fez uma cirurgia para retirar os ovários e as trompas de Falópio como uma medida preventiva contra o câncer. A atriz, cuja mãe morreu devido ao câncer, revelou que decidiu fazer a cirurgia porque tem um gene que traz 50% de risco de desenvolver câncer de ovário.

De acordo com um novo estudo da Harvard Medical School (HMS), publicado em dezembro no The British Medical Journal, houve um grande aumento nos testes genéticos para um gene conhecido por aumentar o risco de câncer de mama, mas isso não correspondeu ao aumento nas taxas de mastectomia, sugerindo que os testes não levam ao aumento de diagnósticos de câncer de mama.

Os resultados mostram que o apoio de celebridades pode alimentar o uso de serviços de saúde, mas não pode, efetivamente, atingir populações em maior necessidade de tais serviços, disseram os pesquisadores. “Nossos resultados salientam o apoio de celebridades como uma poderosa influência sobre comportamentos relacionados à saúde, mas também mostram que tais menções não necessariamente atingem aqueles que correm maior risco de desenvolver uma doença”, disse a pesquisadora Sunita Desai, especialista em políticas de saúde e econômicas do Departamento de Política de Cuidados de Saúde no HMS. Muitas vezes, a informação é enviada ou recebida de forma pouco clara ou sem o cuidado necessário.

Em outras palavras, o estudo sugere que o depoimento de Jolie aumentou a visibilidade dos testes genéticos para mutações de câncer de mama, e também pode ter inadvertidamente alimentado o excesso de exames – e de custos – entre os grupos de baixo risco.

Mais exames, mas menos mastectomias

Angelina Jolie perdeu sua mãe para o câncer de ovário e de mama e a avó e uma tia para o câncer de mama. Em um artigo publicado no The New York Times, a atriz detalhou sua decisão de se submeter a exames para o gene BRCA1 – conhecido por aumentar drasticamente a chance de uma mulher desenvolver tumores de mama e do ovário – e realizar uma dupla mastectomia preventiva como resultado de sua identificação como uma portadora do gene que aumenta os riscos da doença.

Como destaca artigo da Harvard Medical School, “muitas mulheres parecem ter atendido a sua chamada. Ao analisar um banco de dados que contém os registros de mais de 9 milhões de mulheres com idades entre 18 e 64 anos, os investigadores encontraram um aumento de 64% nas taxas de exames genéticos para câncer de mama nas duas semanas após o artigo de Angelina Jolie. Em comparação, não houve tal pico durante o mesmo período no ano anterior, os pesquisadores observaram”.

No entanto, as taxas de mastectomia não aumentaram entre as mulheres que se submeteram aos exames para o gene BRCA, sugerindo que não levaram a diagnósticos adicionais de câncer de mama. “De fato, entre mulheres examinadas para BRCA, o estudo constatou uma queda de 3% nas taxas de mastectomia após a publicação do artigo da atriz. Isto sugere que aquelas que realizaram o exame genético tiveram um baixo risco de serem portadoras da mutação, em primeiro lugar”.

Ao custo de US$ 3.000 nos EUA, cada exame para BRCA também é um dado significativo. “Os pesquisadores estimaram que, no espaço de duas semanas após o artigo, pode ter ocorrido um aumento de mais de 4.500 exames de BRCA do que normalmente teriam sido feitos durante esse período de tempo nos EUA, a um custo de US$ 13,5 milhões”.

Do ponto de vista de um médico, “um anúncio de uma celebridade é grande quando estamos preocupados com a subutilização de um exame preventivo ou de triagem, porque leva mais pacientes para o consultório”, disse o autor do estudo, Anupam Jena, professor de políticas de saúde e pesquisas do HMS Ruth L. Newhouse, e médico do Massachusetts General Hospital. “Mas quando se trata de exames que podem ser superutilizados, um depoimento de uma celebridade poderia exacerbar o problema”, explicou.

A rápida evolução da ciência e uma mudança na compreensão do significado de certas mutações pode levar à disponibilidade de mais exames genéticos para detecção de várias doenças. Ao contrário de exames clínicos mais simples, tais como colonoscopias ou testes de HIV, o exame genético pode ser cheio de incertezas porque revela a probabilidade de uma pessoa desenvolver uma doença, o que não significa um destino certo.

“Embora existam benefícios claros dos avanços nos exames  genéticos, um diagnóstico positivo também pode criar ansiedade e obrigar os pacientes e médicos a realizarem mais exames e intervenções clínicas prematuras ou desnecessárias”, disse a Dra. Sunita Desai.

Para ajudar a definir os pacientes apropriados e evitar exames sem justificativa, os médicos devem tentar entender exatamente o motivo de uma pessoa estar à procura de um exame. Quando as pessoas solicitam um exame ou uma intervenção baseada em um endosso de celebridades, é fundamental que os médicos forneçam uma avaliação cuidadosa do histórico clínico e familiar de uma paciente, com explicações claras sobre os prós e contras da escolha de fazer o exame, expondo o contexto das circunstâncias específicas do indivíduo. “Tal análise cuidadosa, centrada no paciente, é a base do cuidado individualizado e da medicina personalizada”, disse o Dr. Anupam Jena.

Angelina Jolie publicou outro artigo, em 2015, em que sugere que as decisões de exames e tratamentos devem ser tomadas com base em cada caso. A cirurgia funcionou para ela, mas algumas opções não cirúrgicas podem ser a melhor opção para algumas mulheres.

“Não há resposta certa ou errada sobre se um paciente deve realizar um exame genético”, disse o Dr. Jena. “Mas é importante ter um entendimento completo da situação para tomar uma decisão bem informada”, completou.

No Brasil, o exame tem cobertura obrigatória pelos planos de saúde (saúde suplementar). O SUS somente faz o teste em pacientes com histórico familiar, e em determinados centros de referência. Para clientes da rede privada (sem plano de saúde), o preço do exame pode começar em R$ 3 mil e chegar até R$ 9 mil.

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