Estatísticas e Análises, Gestão e Qualidade, Política | 24 de julho de 2020

Especialista estima pico da Covid em Porto Alegre no final de agosto e alerta para a possível escassez de leitos

Ao Setor Saúde, Carlos Schonerwald abordou detalhes do estudo que prevê a necessidade de 50 a 100 leitos adicionais
Especialista estima pico da Covid em Porto Alegre no final de agosto e alerta para a possível escassez de leitos_

O sistema de saúde de Porto Alegre enfrenta um momento crítico com a Covid-19. Apesar de registrar os primeiros casos em março, a cidade não apresentou um aumento expressivo de casos nos dois meses seguintes. Entretanto, desde junho, os números passaram a crescer de forma acelerada. Há uma semana (17 de julho), o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior, alertou que os hospitais estão chegando ao seu limite, deixando claro que a cidade poderá adotar restrições mais severas como o lockdown. Segundo um estudo, o pior momento deverá ocorrer no final de agosto, e com piores consequências. Conforme estimativa dos pesquisadores, é esperado um pico de 490 pacientes Covid internados em UTIs de Porto Alegre na última semana de agosto.

Na quinta-feira (23), a cidade registra 337 pacientes internados em UTI, dos quais 285 são confirmados e 42 suspeitos. Atualmente, Porto Alegre conta com 788 leitos de UTI disponíveis (Covid e outras patologias), e taxa de ocupação igual a 88%. A cidade já registrou 7.033 casos confirmados e 257 óbitos por Covid-19.

Estudo

O estudo foi conduzido por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com objetivo de estimar quando a cidade alcançará o pico da pandemia. De acordo com o estudo, desenvolvido pelos professores da UFRGS Cristiano Lima Hackmann (Matemática), Carlos Schonerwald (Economia), e Jair Ferreira e Maurício Guidi Saueressig, ambos da Faculdade de Medicina, a capital do RS terá o pico da pandemia no final de agosto, o que reforçaria a necessidade de medidas mais duras, como um possível lockdown.


É importante ressaltar que as projeções estão sendo atualizadas. Os dados mais recentes, divulgados no dia 20 de julho pelos pesquisadores, projetam ao redor de 380 internados Covid em UTIs, nos primeiros dias de agosto. A estimativa do número máximo de hospitalizados em UTI seria ao redor de 490 na última semana de agosto. Ainda, os cálculos levam em consideração a população adulta da Região Metropolitana de Porto Alegre, pelo fato de o sistema de saúde da capital também atender moradores de outras cidades.

Especialista estima pico da Covid em Porto Alegre no final de agosto e alerta para a possível escassez de leitos_curva

O estudo também projeta o ponto de inflexão da curva para a última semana de julho – este período corresponderia ao início de uma redução da velocidade de crescimento de casos internados.


“Hoje (22) revemos alguns valores iniciais do nosso modelo. Importante ressaltar, que o grupo estuda mais de um cenário para a pandemia. Acima o cenário que mais se ajusta ao momento atual. Percebemos que o modelo começou a se distanciar dos dados observados (número de hospitalizados com COVID-19). Sabemos que as UTIs de Porto Alegre atendem pacientes de municípios vizinhos, podendo corresponder a até 60 % dos internados. Sendo assim, o grupo percebeu a necessidade de rever o valor inicial da população que estamos simulando. A modelagem requer ajustes periódicos, logo poderemos rever estes valores”, afirmam os pesquisadores, na última atualização publicada.


Necessidade de 50 a 100 novos leitos de UTI 

Ao portal Setor Saúde um dos autores do estudo, o Doutor em Economia (Ph.D.) pela University of Utah (EUA) e professor da UFRGS, Carlos Schonerwald (foto), fornece detalhes sobre os achados. Se as estimativas do estudo se confirmarem, a capital precisará de 50 a 100 novos leitos de UTI para suprir a demanda.

Schoneerwald explica que o projeto foi idealizado há aproximadamente três meses, coordenado pelo professor e médico Maurício Guidi – chefe da cirurgia torácica no Hospital de Clínicas de Porto Alegre -, que trabalha com uma técnica de oxigenação extracorpórea para pacientes com comprometimento do pulmão. “Como ele trabalha com essa área, teve a ideia, há aproximadamente três meses, de montar um grupo de pesquisa. Começamos uma revisão de literatura, a partir de modelos epidemiológicos do mundo todo, principalmente do modelo da pandemia do ebola, porque quase todos os estudos sobre a Covid-19 citam o modelo de ebola na África. Em termos de modelagem, fizemos uma varredura da literatura, avançamos muito no modelo SIR (suscetível, infectado e recuperado) ”, diz.

Especialista estima pico da Covid em Porto Alegre no final de agosto e alerta para a possível escassez de leitos


O professor explica porque o avanço abrupto do número de internações chama a atenção em relação ao novo coronavírus. “Essa foi a principal preocupação da nossa modelagem, porque o número de leitos da UTI se torna uma questão de vida ou morte. Notamos desde o início [da pandemia], na China, depois se espalhando, a Itália foi exemplo disso, que muito rapidamente o sistema de saúde pode entrar em colapso”, explica.


Apesar do estudo apresentar uma projeção do pico, Schonerwald explica que o objetivo do projeto não é cravar uma data de quando a cidade terá o maior número de casos, mas justamente fornecer dados sobre a evolução observada, que possa antecipar tomadas de decisão. Ele aponta que, além da ocupação de 90% de leitos de UTI ser preocupante, também há demanda por equipamentos específicos para os leitos, como respiradores, além de medicamentos e demais insumos que estão em falta. “Os fornecedores no mundo todo não estão dando conta da demanda”, aponta.

Apesar das limitações do estudo, os pesquisadores defendem que é necessária a ampliação da capacidade de atendimento em UTIs em Porto Alegre, com o objetivo de minimizar os riscos de colapso do sistema de saúde do município. A partir das estimativas, os autores sugerem criar entre 50 e 100 novos leitos de terapia intensiva nos hospitais porto-alegrenses para atender os pacientes de coronavírus.


“A ideia do estudo é justamente poder, em certa medida, antecipar ao gestor público a necessidade que ele terá em momento de pico da pandemia. Esse foi nosso objetivo, mostrar que estamos chegando num processo de saturação. Hoje, ainda não [colapsamos], porque ainda temos uma folga de 10% de utilização dos leitos de UTI na capital. Porém, em não se fazendo nada, vamos precisar de 50 a 100 leitos adicionais. Pelos nossos estudos, aproximadamente 39% dos pacientes atendidos na Enfermaria precisarão, em algum momento, dos serviços de UTI. E aproximadamente 26% dos pacientes que entram na Enfermaria acabam precisando de ventilação mecânica. E há o problema de abastecimento desses equipamentos em todo o mundo. Isso mostra essa característica atípica dessa pandemia, que o tempo para planejamento é de extrema importância”, explica.


O portal Setor Saúde procurou a Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre para buscar detalhes do plano de abertura novos leitos para o período assinalado pelos pesquisadores. Até o fechamento da matéria, o órgão ainda não havia respondido.

Prefeitura e gestores avaliam restrições mais duras

Um dos caminhos para enfrentar a situação é buscar diminuir a intensidade de novas internações, ou seja, freando o contágio. Em reuniões virtuais realizadas no dia 22, com representantes de hospitais e empresários, o prefeito Nelson Marchezan Júnior analisou o cenário atual da pandemia do novo coronavírus na Capital. “Tomara que tenhamos a diminuição de demanda por leitos de UTI nos próximos dias, mas neste cenário não temos como liberar atividades econômicas”, disse o prefeito Nelson Marchezan Júnior.


A diretora-presidente do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Nadine Clausell, defende que é preciso reduzir a circulação de pessoas para diminuir a propagação do vírus. “Como gestora de hospital público, sou coerente aos dados técnicos e científicos. Cada um tem que fazer a sua parte”, afirma. O diretor médico Milton Berger observa que a instituição está próxima do limite físico e humano de atendimento.

Segundo o diretor do Grupo Hospitalar Conceição, Claudio Oliveira, o hospital abriu processo de seleção para contratação de médicos intensivistas para ter capacidade de abrir novos leitos. “Estamos preocupados com o aumento de casos”, observa.


Ambos hospitais são referência ao atendimento de pacientes com Covid pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O HCPA apresenta no dia 23, 90 pacientes com Covid internados (81 confirmados e nove suspeitos), e taxa de ocupação de 92% na UTI. Já o Hospital Conceição (Grupo Hospitalar Conceição) conta com 46 pacientes com coronavírus na UTI (39 confirmados internados, 5 confirmados em processo de migração para um leito de UTI e dois suspeitos internados), com taxa de ocupação de 97,33%.

O crescimento de internações vem gerando níveis altíssimos de preocupação no setor hospitalar. A área de gestão têm tido que lidar com o alto grau de stress de seus colaboradores, número elevado de afastamentos de profissionais de saúde, dificuldade em encontrar novos profissionais para contratação e até mesmo problemas como o desabastecimento de medicamentos. Em iniciativa da Prefeitura, gestores e profissionais de hospitais gravaram depoimentos em vídeo. No material, alertam para a necessidade da população restringir ao máximo a circulação.

 



VEJA TAMBÉM