Gestão e Qualidade, Política | 15 de novembro de 2020

CBEXs debate modelos de colaboração e parceria entre os setores público e privado de saúde

Webinar contou com participações de Camila Kaseker, Januário Montone e José Noronha, com mediação de Cláudio Allgayer e Francisco Balestrin 
CBEXs debate modelos de colaboração e parceria entre os setores público e privado de saúde

No dia 27 de outubro, causou polêmica a publicação do Decreto Nº 10.530, que permitia no âmbito do Ministério da Economia a realização de estudos para a inclusão das Unidades Básicas de Saúde (UBS) dentro do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo federal. Posteriormente, o presidente da República, Jair Bolsonaro, revogou o decreto, face a fortes reações suscitadas.

Para abordar o tema, o Colégio Brasileiro de Executivos em Saúde (CBEXs) promoveu a webinar “Público & Privado: modelos de colaboração, parceria ou caminho para a privatização?”. A consultora de Comunicação na InPress Porter Novelli, Camila Kaseker; o ex-diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e ex-secretário Municipal de Saúde de São Paulo, Januário Montone; e o médico da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e ex-secretário de saúde do estado do Rio de Janeiro José Noronha, foram os convidados do evento.

A webinar teve mediação do presidente do Conselho de Administração do CBEXs, Francisco Balestrin e do presidente do Capítulo Sul da CBEXs e presidente da Organização Nacional de Acreditação (ONA), Cláudio Allgayer.

De acordo com Balestrin, a ampla repercussão que ocorreu após o decreto inspirou a CBEXs a realizar a webinar sobre o tema. “Afinal de contas, discutimos bastante essa questão de relacionamento público-privado na saúde, no fundo o que estamos discutindo? Muitos acham que estamos discutindo privatização, enquanto outros acham que estamos discutindo a capacidade do poder público de, através de entes privados, estar prestando serviços de saúde da mesma forma, com outro agente. Vamos discutir isso”, abordou.

Cláudio Allgayer: “Modelos de colaboração e parceria entre o público e o privado, ou caminhos para privatização?”

O presidente do Capítulo Sul, ao abordar os três caminhos de interação entre os setores público e privado colocados como tema do evento (colaboração, parceria e privatização), relembrou que, nos anos 1970, foi gestado o movimento nacional de reforma sanitária, cujas bandeiras constituíram inspiração da 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, “que desaguaram nos debates da Assembleia Nacional Constituinte, dando origem aos cinco artigos, do 196 ao 200, da área da saúde, inseridos na Carta Magna”.

“No relatório final da 8ª Conferência Nacional de Saúde, foi colocado um tema que hoje não se coloca mais e, por que não se coloca mais, será que evoluiu a sociedade, os players que constroem as políticas de saúde do país, ou foi um retrocesso? O que dizia na parte final do relatório: que deveríamos caminhar, progressivamente, para uma completa estatização do sistema e dos serviços de saúde do nosso país. Hoje não se fala mais nisso, o que se fala é o que colocamos como provocação na nossa discussão: modelos de colaboração e parceria entre o público e o privado, ou caminhos para privatização?” disse.

Camila Kaseker: “Acredito que estejamos amadurecendo, a duras penas, em diversos aspectos, inclusive no que diz respeito à comunicação em saúde”

A consultora de Comunicação na InPress Porter Novelli, Camila Kaseker, apresentou um estudo, da InPress Porter Novelli em parceria com a plataforma Stinligue, que analisou as reações nas redes sociais ao Decreto Nº 10.530. De acordo com a consultora, de 927 mil interações observadas, 78,4% das reações foram contrárias à medida, com a hashtag #defendaosus sendo citada em 48% das interações. Ainda, a revogação gerou ainda mais repercussão nas redes sociais, com o tema em alta durante quatro dias.

De acordo com o estudo, 68% das interações foram de cidadãos comuns, 16,9% da imprensa, 5,4% de parlamentares, 3,1% de celebridades, 6% de marcas e organizações e 0,4% do governo. Os principais argumentos contrários citavam a possível privatização e defesa de saúde como direito de todos. Por outro lado, as citações favoráveis ponderaram que a iniciativa privada já está presente de modo colaborativo com a saúde pública.

Kaseker apontou uma outra pesquisa, que aponta que 75% dos usuários brasileiros do Twitter acompanham os noticiários políticos nesta rede social, por possibilitar acompanhar os fatos em tempo real, com acesso direto às fontes e por dar visibilidade a todos os pontos de vista sendo os argumentos mais citados como justificativa.

“Eu sou muito otimista. Acredito que estejamos amadurecendo, a duras penas, em diversos aspectos, inclusive no que diz respeito à comunicação em saúde. Há muito mais debates, conteúdo e oportunidades de reflexão sobre uma área que é tão importante para a vida das pessoas, para a economia, para a identidade nacional e, principalmente, para a busca de soluções”, disse. 

José Noronha: “Eu sou favorável a um sistema colaborativo”

O médico da Fiocruz, José Noronha, apontou que a discussão entre os setores público e privado precisa partir da premissa de saber sobre qual tema específico está sendo abordado. Noronha apontou que muitos serviços de saúde prestados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) já são realizados pelo sistema privado.

Noronha citou entidades filantrópicas como exemplo de universalização do acesso a expansão de cobertura feita a partir de parceria entre o setor público e privado.

“Eu sou favorável a um sistema colaborativo”, afirmou. O médico apontou que há exemplos bem sucedidos e mal sucedidos, citando como exemplo as Organizações Sociais.

Noronha apontou as polêmicas do Governo Federal e o Decreto feito às pressas como motivos da repercussão negativa, afirmando que o tema precisa ser bem debatido antes de ser colocado em decreto.

Ele ressaltou a compreensão sobre o SUS, que é uma pactuação tripartite entre a União, Estados e Municípios, em que a iniciativa privada não pode gerir, destacando o problema de comunicação do Governo, anunciando o Decreto às pressas e sem maiores discussões.

“Desse jeito [que foi realizado], [o Governo] quer criar o caos, criar uma balbúrdia. Tira o debate e as pessoas ficam assustadas, vão rejeitar e o diálogo não se dá de modo que temos que tratar as coisas sérias, que é a saúde da população”, afirmou. Noronha reafirmou que é favorável ao sistema colaborativo, que possibilite acesso à saúde para todos.

Januário Montone: “O modelo de gestão com as regras do setor privado é mais adequado do que o modelo de gestão do setor público”

O ex-secretário Municipal de Saúde de São Paulo, Januário Montone, pontuou que é preciso entender a atuação do SUS na saúde do país, para que não sejam levantadas posições equivocadas no debate entre saúde pública e privada.

“O SUS é a regulação de todo um sistema de saúde. O SUS é essencialmente estatal, com atividades exclusivamente públicas como regulador, como política sanitária. Não conseguimos pensar uma vigilância epidemiológica ou sanitária privada. A ação de vigilância, de definição e planejamento de políticas públicas é evidentemente uma atividade exclusiva do Estado”, disse.

Montone disse que a inserção do sistema privado pode ser compreendida em atividades não exclusivas do Estado, como a prestação de serviços de saúde. “A presença do sistema privado no SUS é histórico”, disse. Montone apontou ainda que o modelo de gestão do SUS é atrasado.

Para ele, o Ministério da Saúde nunca afirmou uma política de parceria entre o SUS e a iniciativa privada na saúde. Ele ressaltou que o setor privado já está presente no SUS como prestador de serviço e como gerenciador de unidades de saúde.

CBEXs debate modelos de colaboração e parceria entre os setores público e privado de saúde_

Montone afirmou que acredita em um modelo misto, com concessões ao setor privado. “O setor privado teria uma concessão de serviços não clínicos. Já para o serviço clínico, o Estado faz um contrato de gestão com uma Organização Social. Eu acho mais adequado, porque o Estado ainda está longe de ter capacidade de gerenciar esses modelos. Fazer uma PPP de 30 anos com o setor privado, por outro lado, é um risco muito grande”, avaliou.

O hoje consultor em saúde  apontou que há uma imensa ausência de regulação, citando ausência de posicionamento do Ministério da Saúde sobre o tema.

“A ação do setor privado no setor público tem dado resultados. O modelo de gestão com as regras do setor privado é mais adequado do que o modelo de gestão do setor público. As principais linhas de excelência do SUS acabam seguindo modelos de gestão alternativos ao público”, pontuou.

Montone citou como exemplo positivo da parceria entre o público e o privado o Hospital Municipal Infantil Menino Jesus, de São Paulo, que é administrado pelo Hospital Sírio-Libanês. “É um hospital infantil, de 80 leitos, que sempre foi uma joia da coroa da administração municipal, bem aparelhado, mas com as restrições de um hospital público no meio de uma disputa orçamentária. O Hospital há mais de 10 anos é gerenciado pelo Sírio. Os 500 servidores públicos que estavam lá continuam, além do pessoal contratado pela OS. E o diretor do Hospital é o mesmo, mantido pelo Sírio. O Hospital tem índices de crescimento e de excelência invejáveis. Sempre que me perguntam um exemplo de modelo de OS, cito esse hospital, porque ele reúne várias vantagens entre os setores público e privado”, salientou.Sobre o setor de saúde suplementar, Montone afirmou que o modelo aberto atual é insustentável e, por isso, os planos de saúde estão mudando o modo de operação, dando prioridade à atenção primária, por exemplo.

Montone disse que é preciso o protagonismo do Governo Federal e do Ministério da Saúde para possibilitar a correta aproximação entre os setores, otimizando a prestação de serviços e promovendo a sustentabilidade do setor.

Relançar um modelo ainda mais integrado

Após as exposições, Cláudio Allgayer lançou um questionamento aos participantes: é a hora dos players dos setores público e privado relançarem um novo modelo, ainda mais integrado, unindo as esferas estatais e privadas? Januário Montone e José Noronha citaram o exemplo do PROADI-SUS como um exemplo positivo de integração entre os setores público e privado. Montone pontuou que os atores das discussões já estão demarcados em posições (mais privatistas, mais estatistas), e ressaltou a importância de realizar uma discussão com os atores mais “desarmados”, ponderando sobre as possibilidades de maior integração entre os setores público e privado da saúde.


Assista ao webinar completo aqui. 


 

 



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