Gestão e Qualidade, Mundo | 25 de agosto de 2015

Fusões e aquisições: concentração de mercado nos EUA e os possíveis reflexos no Brasil

A “fome” de mercado americano poderá ser reproduzida aqui?
Fusões e aquisições concentração de mercado nos EUA e os possíveis reflexos no Brasil

As fusões hospitalares aceleraram a um ritmo “alarmante” nos EUA nos últimos cinco anos, com 95 fusões hospitalares tendo ocorrido só em 2014, segundo o portal norte-americano HealthLeaders. Pesquisadores da Universidade Johns Hopkins (EUA) citam estudos que mostram que cerca de 20% dos hospitais norte-americanos buscarão alguma fusão nos próximos cinco anos. “Os princípios básicos da economia valem para os preços médicos da mesma maneira que para qualquer outra indústria”, diz o autor do alerta, Marty Makary, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins e professor adjunto de política e gestão de saúde na Escola Bloomberg de Saúde Pública Johns Hopkins.

As fusões de grandes sistemas hospitalares e de saúde podem efetivamente se acentuar para fazer frente aos negócios bilionários envolvendo as seguradoras de saúde Anthem/Cigna e Aetna/Humana, efetivadas nos últimos meses em valores que atingiram mais de US$ 91 bilhões.

Muitos hospitais, ao redor do mundo, têm buscado fusões com outras instituições para se tornarem competitivos. A prática tende a criar monopólios em suas áreas. Este é o entendimento de alguns especialistas, que defendem que movimentos de mercado deste tipo aumentam os custos para os pacientes e reduzem a qualidade dos serviços. Já outros, demonstram que a união de empresas, em uma nova estrutura de negócio, aumenta a produtividade, diminui custos, melhora os serviços e agiliza a entrega de serviços aos clientes.

Makary traça um paralelo entre as fusões no ambiente hospitalar e as fusões no setor bancário. Ele acredita que um cenário de crise – como a Grande Recessão americana de 2008,onde  foi utilizado dinheiro público para salvar empresas financeiras e de seguro – poderia ocorrer quando algumas grandes regiões geográficas ficarem controladas por um único sistema de saúde. “Se um banco vai à falência por causa de más decisões e as consequências afetam os negócios cotidianos e os consumidores – e isso é o que aconteceu -, a sociedade considera justificável usar o dinheiro dos contribuintes para socorrer o banco. É por isso que criamos o conceito de “too big to fail” (grande demais para falir)”, explica. “Nós criamos sistemas de saúde que são tão grandes que dominam um estado inteiro e talvez sejam grandes demais para falir”, comparou Makary.

Makary ressalta, ainda, que “enquanto geograficamente ainda temos um pequeno grupo de grandes operadoras de planos de saúde, a concorrência local ainda é feroz. Essa competição mantém o mercado saudável e os preços razoáveis ​​para o consumidor”. No entanto, “se houver apenas um sistema hospitalar em uma região geográfica gigante, o paciente está muito menos propenso a escolher atendimento fora dessa região”, conclui.

M&A e o mercado brasileiro

O mercado norte-americano é conhecido pela sua “fome” em se tratando das M&A´s (mergers and acquisitions), ou em tradução livre, as fusões e aquisições. No Brasil, a Lei nº 13.097, de janeiro deste ano, tem atraído o interesse de investidores estrangeiros, principalmente americanos. A medida possibilita que o mercado de prestadores de saúde receba aporte financeiro de outras empresas de saúde de fora do país, o que anteriormente era impedido. Na prática, um sistema de saúde norte-americano pode comprar um sistema de saúde no Brasil, e ainda, realizar a partir desta compra, fusões e outras aquisições dentro do mercado.

No Brasil, as fusões de sistemas de saúde ainda são tímidas, quase que inexistentes. O que se prevê com a abertura de mercado, é que os investidores estrangeiros também tragam este “apetite” como forma de atuação.

A Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Saúde do Rio Grande do Sul (FEHOSUL), iniciou ainda em 2015 conversações com players do mercado financeiro para um projeto que favoreça a adequação das empresas de saúde do Estado a este novo cenário brasileiro, ainda em desenvolvimento inicial.

Segundo o presidente da FEHOSUL, médico Cláudio Allgayer, “pensamos em construir um movimento com os hospitais, clínicas e laboratórios do Estado que reconhecidamente já possuem uma gestão profissionalizada, com algum nível de governança corporativa, e discutindo com especialistas do mercado formas de promover da melhor forma estes negócios aos olhos do investidor estrangeiro”.

As fusões, segundo Allgayer, podem sim criar algum tipo de monopólio em algumas microrregiões, mas lembrou que “existem órgãos competentes como o Cade, que atua de forma firme e transparente para garantir o poder de escolha dos clientes”. Allgayer acredita que em regiões como o Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro, onde se concentram organizações com marcas consolidadas, as questões históricas de concorrência e de cultura interna, dificultarão fusões importantes. “Não conseguimos vislumbrar um Sírio Libanês comprando um Einstein, ou vice-versa”. E completa, “as fusões podem ser benéficas, desde que mantenham o foco na elevação dos níveis de qualidade e na segurança de atendimento ao paciente. O investimento estrangeiro, ao meu ver, trará um maior acirramento da concorrência, e com isto, o paciente tende a obter de serviços de maior qualidade assistencial a custos compatíveis”.

A Rede D’Or, o maior grupo de hospitais privados do país, com cerca de 30 unidades distribuídas no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Recife foi o primeiro a anunciar negócios com investidores de fora no Brasil. O fundo americano Carlyle comprou 8,3% do controle da Rede D´Or ao preço de R$ 1,7 bilhão. No mês seguinte, a Rede D’Or fechou a venda de 15,3%, por R$ 3,2 bilhões, para o Fundo Soberano de Cingapura (GIC). Em maio, o Portal Setor Saúde, desenvolvido pela Fehosul, cobriu evento em São Paulo com a participação de Jorge Moll, presidente da Rede D’Or São Luiz, que defendeu de forma categórica: “Quem pretende permanecer no mercado tem que se preparar, agora mais do que nunca, é um mercado novo” .

Especialistas do ramo advocatício, afirmaram ao jornal Valor Econômico, que as operações na Rede D’Or motivaram negociações em outros hospitais e especulam que novos negócios deverão ser fechados já nos próximos meses. Entre eles estaria uma operação de compra e venda do Hospital Samaritano, de São Paulo. A fase de negociações estaria no que os especialistas chamam de proposta non-binding (quando ainda não há um compromisso oficializado entre as partes). O hospital, no entanto, respondeu ao Valor que “não comenta rumores de mercado”. Também estariam sendo negociadas participações de outros três hospitais: São Francisco, de Ribeirão Preto; Hospital Santa Joana, do Recife; e Grupo Vita, que tem unidades em Curitiba e Volta Redonda. A assessoria do São Francisco nega que o hospital esteja envolvido em negociações, a do Santa Joana informou que “não comenta especulações do mercado” e a do Grupo Vita não foi localizada pela reportagem.

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