Gestão e Qualidade | 11 de maio de 2023

Uma análise crítica da jornada do cliente do Sistema de Saúde Suplementar Brasileiro

Em artigo, o cardiologista Ítalo Martins de Oliveira analisa a Jornada do Beneficiário da Saúde Suplementar e aspectos como regulação, análise de dados em saúde e telemedicina
Uma análise crítica da jornada do cliente do Sistema de Saúde Suplementar Brasileiro

Com mais de 20 anos de experiência como médico, tive a oportunidade de atuar como gestor nos diversos vértices do prisma do conhecimento e atuação no segmento da assistência à saúde no país. Participei de vários momentos da jornada do consumidor de plano de saúde, desde a assistência em emergências, medicina intensiva e cardiologia, pesquisa científica básica, clínica, experimental e docência, até áreas de gestão, como direção de hospitais, avaliação tecnológica em saúde, tecnologia da informação, auditoria, gestão pública, gestor de operadora de saúde, além de administradora de benefícios e de corretora de planos. Hoje lidero a primeira multiplataforma de saúde e bem-estar do Brasil. Durante este período, tive a oportunidade de analisar profundamente todos os aspectos gerenciais envolvendo o atendimento do paciente.

Em 2017, Gartner Inc sugeriu a Jornada do Consumidor na Saúde, onde foram mapeados os pontos de interação com os pacientes da saúde e os impactos da sua satisfação. Inspirados nesta proposta, fiz uma revisão de toda a Jornada do Beneficiário da Saúde Suplementar brasileira com a nova atualização, incluindo os impactos da telemedicina e da pandemia nas relações entre os diversos stakeholders do sistema.

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Um dos aspectos importantes nesta jornada, durante toda sua trajetória, bem como o grau de satisfação do beneficiário, enquanto paciente, é a regulação excessiva do setor, que resulta num impacto negativo na satisfação dos pacientes. Com um arcabouço regulatório que acumula mais de 600 regulamentos, normas e instruções, invariavelmente com um linguajar técnico e de difícil compreensão do leigo, o setor da saúde suplementar vem batendo recordes na judicialização, contribuindo com a insatisfação de todos os envolvidos no processo. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) tem normas ainda ultrapassadas (como a obrigatoriedade de notificação de cancelamento por correio oficial), servindo como obstáculo para a acelerada evolução digital deste século. As operadoras encontram enormes dificuldades em transformar o atendimento aos pacientes numa experiência agradável, ainda que muitos desfechos clínicos sejam vitoriosos. Embora existam iniciativas importantes neste sentido, o avanço concreto na interoperabilidade e a troca de informações entre as operadoras ainda é incipiente. Com um público acostumado à gratuidade, agilidade e precisão do PIX no setor bancário, torna-se ainda mais intrigante entender a burocracia de se adquirir um plano de saúde, efetivar uma portabilidade de carência, pesquisar e comparar produtos e preços das mais diversas operadoras, sem dizer na burocracia e morosidade para autorização de procedimentos.


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Tais limitações nas trocas de informações, mesmo a ANS tendo controle da maioria delas, dificultam a mudança de operadora ou produto, impedindo uma concorrência saudável no setor e provocando, a cada ano, um aumento de concentração em determinadas opções. Assim, o beneficiário tem cada vez mais menos acesso às alternativas disponíveis no mercado. O papel das administradoras de benefícios, nomeadas de forma imprópria na regulamentação como sinal de uma distorção do seu real papel, que seriam para administrar os planos de saúde coletivos, passaram a atuar como grandes corretoras, reunindo beneficiários de uma mesma categoria profissional ou setorial. As corretoras em si, por sua vez, passaram a comercializar planos individuais coletivizados ou planos coletivos individualizados, e possuem dificuldades tanto na oferta dos diversos serviços demandados pelos clientes, como na burocracia que emperra a venda.

A falta de indicadores de desfechos clínicos para medir a qualidade assistencial e, com por meio disto, basear sua remuneração aos prestadores médicos, passou a ser uma questão fundamental na jornada de saúde suplementar brasileira. Atualmente, há uma falta de enfoque em medir resultados reais, como a incidência de eventos cardiovasculares ou partos prematuros, em vez de apenas quantidade e horários de consultas. O uso de ferramentas de análise de banco de dados, como BI & Analytics, pela ANS, com seus bilhões de dados dos arquivos TISS, poderia fornecer informações mais precisas para melhor direcionar ações e reduzir a morbimortalidade, além de custos assistenciais.


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Outro ponto importante, a propagação do uso dos mais diversos aspectos e ferramentas em telemedicina, potencializada pós pandemia da COVID-19, trouxe uma nova seara onde o limite é de tempo e prazo para os diversos investimentos e iniciativas em ebulição. Healthtechs, sistemas de teleatendimento, teleconsulta, telelaudo, análise de dados por inteligência artificial e deus mais diversos usos, potencializaram o real sentido de prevenção aos agravos e promoção à saúde em todo o mundo. Consequentemente, a satisfação do paciente atendido por essas ferramentas aumentou e tornou a assimetria de informação menor. Quanto mais acesso, mais saúde.

Referir o atendimento humanizado é também enfatizar na educação do paciente a fim de reduzir a assimetria de informação que tanto enfrentamos no gerenciamento da saúde. O paciente consciente da sua doença e opções de tratamento e com autonomia para decidi-lo se empodera e aumenta seu engajamento, pontos importantes para adesão e melhores resultados.

Mesmo com tantos aspectos, sabemos que a Jornada do Cliente do Sistema de Saúde Suplementar Brasileiro é muito complexa e ainda apresenta uma fragmentação entre seus diversos atores, além de uma regulamentação que carece de evolução, unificação na experiência do usuário e maior cooperação entre os players.


Ítalo Martins de Oliveira, MD, PhD. É médico cardiologista, PhD, CEO e fundador da Fiibo.


 

 



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