Estatísticas e Análises | 29 de junho de 2017

Imunoterapia é destaque no principal evento de oncologia do mundo

Profissionais de instituições gaúchas apresentam suas impressões acerca da ASCO 2017
Imunoterapia é destaque no principal evento de oncologia do mundo1

O encontro anual da American Society of Clinical Oncology (ASCO) – Associação Americana de Oncologia Clínica – é o principal evento mundial da área, e reuniu mais de 38 mil profissionais da oncologia, entre os dias 2 e 6 de junho, em Chicago (EUA). A ASCO 2017 congregou médicos de todo o mundo para discutir modalidades de tratamento de última geração, novas terapias e controvérsias em curso na oncologia.

Como em todos os encontros, profissionais de instituições brasileiras estiveram presentes. O portal Setor Saúde, da FEHOSUL, falou com exclusividade com médicos de hospitais e clínicas gaúchas que foram à ASCO 2017, relatando as tendências de tratamento, diagnóstico e futuro da luta contra o câncer.

O principal tema destacado pelos médicos gaúchos foi a imunoterapia, técnica que, segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), promove a estimulação do sistema imunológico, por meio do uso de substâncias modificadoras da resposta biológica. Além disso, chamou a atenção dos profissionais entrevistados o uso da tecnologia para melhor comunicação entre paciente e o hospital/clínica e avanços na organização de dados; temas relacionados a estilo de vida, como alimentação; e melhores técnicas de tratamento e novos medicamentos.

Veja o que destacaram o Dr. Stephen Stefani, oncologista do Hospital do Câncer Mãe de Deus; Dr. Vinicius Lorandi, médico residente do Hospital do Câncer Mãe de Deus; Dr. Sérgio Roithman, Chefe do Serviço de Oncologia do Hospital Moinhos de Vento; Dra. Débora Cravo, da Oncologia Centenário; e o Prof. Dr. Gilberto Schwartsmann, oncologista do Hospital Ernesto Dornelles e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Dr. Sérgio Roithman – Hospital Moinhos de Vento

O Chefe do Serviço de Oncologia do Hospital Moinhos de Vento, Dr. Sérgio Roithman, classificou o encontro daASCO como um “supercongresso para discutir os principais avanços do tratamento e do conhecimento do câncer do último ano”. O médico destacou três pontos do evento: terapia, diagnóstico e tecnologia. Confira suas impressões e destaques da ASCO 2017 a seguir:

Do ponto de vista terapêutico é a década e o ano da imunoterapia. Os novos tratamentos da imunoterapia do câncer tomam conta das discussões. São drogas novas que já estão aprovadas no Brasil e fora do Brasil para tratamentos de melanomas e câncer de pulmão, por exemplo. No Congresso [ASCO], estamos aprendendo a expandir essa indicação para outros tipos de tumores – tumor de cabeça e pescoço, linfomas, tumores gástricos, alguns tipos especiais de câncer colorretal. Nosso grande desafio é selecionar quais são os pacientes que realmente mais podem se beneficiar, pois são tratamentos muito caros e vai ser muito importante selecionar quem serão essas pessoas.

Pela primeira vez, estamos conseguindo ter um tipo de teste – que chamo de molecular – que começa a nos indicar quem são os pacientes que mais se beneficiam com este tipo de tratamento. Também estão se desenvolvendo tratamentos que chamamos de CAR T-Cells, que são linfócitos humanos manipulados in vitro e preparados para atacar tumores, e isso vai ter um futuro espetacular. Já é uma realidade em alguns tipos de leucemias e outros tumores hematológicos e estão começando a ser testados em tumores sólidos. Esperamos nos próximos 2 ou 3 anos algumas respostas.

Na área do diagnóstico, antigamente nos concentrávamos em saber se a pessoa tinha, por exemplo, um tumor de pulmão ou tumor do intestino. Hoje, cada vez mais nós teremos testes genéticos, testes moleculares que nos dizem que tipo de tumor, qual gene está alterado, qual alteração que está lá no fundo do tumor e que tipo de tratamento é melhor. Assim, o Congresso ganhou outra dimensão, que é a dimensão dos testes moleculares. Na biópsia, além do exame anato-patológico convencional, nós precisamos enviar este material para novos estudos, para testes moleculares, e eles são determinantes para o tipo de tratamento. É uma tendência dos últimos anos e na ASCO ficou patente que não vai dar mais para tratar uma série de tumores – câncer de pulmão, de cólon e de mama, por exemplo – sem que algum tipo de teste complementar seja feito. Isso é uma novidade importante e um enorme benefício para os pacientes.

Além disso, com a massa de informações que estamos tendo, vamos precisar de tecnologia para organização de dados para o auxílio ao raciocínio diagnóstico do clínico. Surgiram uma série de programas de inteligência médica artificial e que vão nos ajudar a compilar em tempo real todos esses dados e oferecer para os pacientes o melhor tratamento.

Com relação aos pacientes sob tratamento oncológico – como quimioterapia -, um estudo espetacular mostrou que se nós formos capazes de estabelecer um programa de acompanhamento desses pacientes semanalmente, poderemos aumentar sua sobrevida. O estudo mostrou um grupo de enfermeiros que acompanha os pacientes em casa de forma prospectiva e informatizada – por meio de um programa em que o paciente, toda semana, classifica seus sintomas de 0 a 5. Cada vez que o sintoma passa de 3, dispara o sinal de alerta do sistema e a enfermeira do hospital é avisada. Com isso, ela intervém, ela chama o paciente à instituição, e mais rapidamente se colocam medidas de tratamento para as complicações da quimioterapia.

Só esse gesto de acompanhamento semanal usando os instrumentos de mídia social, aumentou significativamente a sobrevida dos pacientes com alguns tipos de câncer. Então, mostrou-se que uma boa assistência médica e de enfermagem, organizada e que atende os sintomas dos pacientes, por enquanto, ainda é imbatível como melhor maneira de aumentar a vida dessas pessoas.

No meio de tanta tecnologia, um projeto razoavelmente simples, de não esperar o paciente vir na hora que ele está mal, buscar a pessoa antes dela piorar, aumentou a sobrevida dos pacientes. Só o fato de toda a semana alguém fazer contato com ele do hospital, foram 70% a menos de consultas na emergência.

Estamos mostrando que se nós sairmos do nosso casulo dentro do hospital e formos atrás do paciente no seu domicílio, nós diminuímos as complicações, prevenimos problemas e aumentamos a sobrevida. Penso que esse estudo é muito importante no meio de tanta tecnologia.

Dra. Débora Cravo – Oncologia Centenário

Conforme a médica da Oncologia Centenário, de São Leopoldo, Dra. Débora Cravo, a ASCO reuniu profissionais “com o objetivo de discutir modalidades de tratamento de última geração, novas terapias e controvérsias”. A seguir, os destaques da Dr. Débora sobre o encontro nos Estados Unidos:

O chamado do evento foi como podemos providenciar o melhor cuidado aos pacientes em risco de desenvolver a doença e a aqueles que são portadores da doença, ou seja, prevenção, detecção precoce e tratamento. Além disso, também foram apresentados painéis com relação à questão financeira/econômica dos tratamentos.

Temas relacionados ao estilo de vida, como controle de peso, atividades físicas e alimentação adequada foram abordados. Um estudo apresentado avaliou o consumo regular de sementes – nozes, castanhas e similares – por pacientes com câncer de cólon em estágio avançado. Entraram no estudo 992 pacientes; 42% destes ingeriram duas porções de sementes por dia. Ao final, foi visto que estes 42% tiveram uma tendência menor de recorrência da doença e melhor sobrevida quando comparados aos pacientes que não fizeram esta ingestão diária.

Com relação ao tratamento específico das neoplasias, observou-se que a imunoterapia veio para ficar e fazer seu papel. Foram apresentados estudos em que a imunoterapia foi utilizada isoladamente, combinada com outra imunoterapia e também com quimioterapia.

A avaliação do perfil genômico das células tumorais está evoluindo positivamente, com uma participação significativa na orientação do melhor tratamento, selecionando quais pacientes podem se beneficiar das terapias alvo. Um estudo demonstrou que em 52% das amostras tumorais testadas, pelo menos uma alteração foi encontrada. Este tipo de abordagem terapêutica tem como consequência respostas mais positivas ao tratamento.

Prof. Dr. Gilberto Schwartsmann – Hospital Ernesto Dornelles e Hospital de Clínicas de Porto Alegre

Para o professor e oncologista Dr. Gilberto Schwartsmann, do Hospital Ernesto Dornelles e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, a ASCO trouxe “novidades muito interessantes no tema da imunoterapia do câncer” e com relação à comunicação do paciente com os profissionais de saúde. Confira os destaques do Dr. Schwartsmann a seguir:

Dados recentes confirmam a potencialidade desta estratégia terapêutica [imunoterapia] em tumores como melanoma maligno, pulmão, rim e outros. Esforços têm sido implementados no sentido de identificar outros tipos de tumores, para os quais esta estratégia possa ser útil, bem como o uso de combinações de agentes imunológicos com mecanismos distintos e o desenvolvimento de biomarcadores preditivos de resposta.

Outra área que trouxe novidades foi a do tratamento do câncer de próstata, mostrando benefício com a adição do agente abiraterona ao tratamento com análogos LHRH. Dois estudos importantes, o LATITUDE e o STAMPEDE, mostraram dados muito animadores com a adição deste agente.

Houve resultados interessantes com o uso de inibidores de PARP em câncer de mama e ovário com mutações em BRCA e alta taxa de mutações.

Um estudo muito provocador foi com relação ao câncer de cólon avançado, mostrando que talvez não seja sempre necessária utilização de quimioterapia prolongada nestes pacientes.

Outro estudo de potencial importância prática mostrou que a irradiação de metástases no esqueleto axial com dose única apresentou resultados semelhantes quando comparado à terapia com doses diárias fracionadas de radiação, o que poderia representar uma forma mais prática de tratamento para os pacientes.

Para mim, porém, o estudo mais interessante foi aquele que mostrou que pacientes em quimioterapia que tinham a possibilidade de comunicar-se mais facilmente com a equipe de enfermagem, através da via eletrônica – além de usarem as formas tradicionais de consultas ambulatoriais com o oncologista – tiveram uma sobrevida maior: cerca de cinco meses a mais. O interessante é que esta vantagem é maior do que a obtida com muitos dos medicamentos onerosos recentemente introduzidos contra o câncer.

Dr. Stephen Stefani e Dr. Vinicius Lorandi – Hospital Mãe de Deus

Segundo o Dr. Stephen Stefani – oncologista do Hospital do Câncer Mãe de Deus e membro da ASCO desde 2000 – o encontro “é o momento principal da oncologia, de forma que os principais estudos são divulgados sincronicamente em apresentações para o público e nos jornais especializados”. Confira a seguir as impressões do Dr. Stefani sobre a ASCO 2017:

O impacto de uma nova informação pode ter repercussão não só na prática assistencial, mas nos investimentos na área. Além dos resultados dos mais importantes estudos, o debate em torno faz com que o evento tenha um ritmo e intensidades peculiares.

Estamos reconhecendo melhor os alvos. Já sabíamos que o câncer não é uma doença só, mas uma quantidade enorme de doenças que possuem características e alvos microambientais que estão sendo reconhecidos. E mais importante: que permitem manejo específico mais assertivo, com mais efetividade e menos efeitos colaterais.

Outro ponto de destaque é a o uso da imunologia. Ativar – ou reativar – o sistema imunológico do paciente sempre foi uma meta. Alguns dos novos medicamentos permitem, em vários tipos de tumores, atingir resultados, até então, inéditos. Essa estratégia veio junto com necessidade de novos aprendizados como, por exemplo, novas formas de medir resposta aos remédios, além de encontrar quem é o paciente correto para cada tipo de tratamento. O fato desses tratamentos só funcionarem para um pequeno grupo de pessoas, as considerações sobre seu custo elevado devem ser pautadas com responsabilidade e cuidado.

Já para o Dr. Vinicius Lorandi, médico residente do Hospital do Câncer Mãe de Deus, em sua primeira participação da ASCO, “o evento impressiona muito, pelo tamanho, riqueza científica e importância para a oncologia global”. Confira seus destaques:

 Além de estudos com tecnologia de ponta, existem vários trabalhos que buscam aumentar os resultados já atingidos através de ferramentas simples como, por exemplo, uma plataforma online de controle de sintomas que traz impacto em qualidade de vida, aumentando a chance de cura dos pacientes.

A prevenção e a detecção precoce ainda são fundamentais. O câncer será a principal doença em todo planeta, já na próxima década, de forma que – independente de história familiar ou presença de fatores de risco – todos devem adotar estilo de vida saudável e seguir cuidadosamente as orientações estabelecidas de rastreamento, mesmo em pacientes sem qualquer sintoma.

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