Dia Nacional do Intensivista: cuidado humanizado e multidisciplinaridade fazem a diferença
Em artigo, Dr. Ronaldo Padovani (Vera Cruz Hospital) fala sobre o papel dos profissionais intensivistas e a importância da gestão e da educação continuada para a melhoria da qualidade assistencial
Como tudo começou…
Após seis meses em um curso de Exatas, enveredando no abstratismo das equações de Cálculo e de Física, percebi que aquela não era minha praia. Decidi, assim, que o que eu queria, o que eu escolheria (teria sido escolha minha?), era ser médico.
Passado o choque familiar da notícia, três longos anos se arrastaram para que eu pudesse reingressar na faculdade. E isso aconteceu quando eu já não tinha mais esperanças, não acreditava mais e, por um acaso (acaso?), fui informado, por um amigo, em uma sexta-feira, que eu estava na chamada da sexta lista de espera para a PUC Campinas.
As aulas começariam na segunda-feira seguinte…
Após os seis anos da graduação, onde vivemos coletivamente muitas alegrias, angústias, incertezas, frustrações, mas também colecionamos grandes amigos e parceiros, chegou outro desafio: a residência médica.
Continuei na faculdade, num Curso de Aperfeiçoamento em Medicina Interna (CAMI), coordenado pelo saudoso Professor Doutor Silvio Carvalhal. Ali, havia um estágio onde deveríamos realizar 20 necrópsias. Também descobri não ter essa aptidão. Foi quando, com muita compreensão do professor (e ele concordou com meu pedido), para fazer o estágio na UTI do hospital, onde comecei minha especialização, incentivado pelo coordenador Carlos A. Reverberi. Não saí mais do ambiente intensivo.
Após o término, a essa altura agora na Residência Médica, reconhecida pelo MEC, permaneci aproximadamente cinco anos fazendo a rotina matinal, atuando em visitas horizontais e multidisciplinares, que sempre acreditei serem fundamentais para uma boa prática assistencial. Desde sempre, assim o fizemos aqui na UTI do Vera Cruz Hospital.
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Naquela época, a Terapia Intensiva como especialidade engatinhava. E evoluir na carreira junto com a consolidação da especialidade foi um privilégio.
Em 1993, convidado por um amigo da graduação, ingressei no Vera Cruz, onde fui muito bem acolhido por todos da Clínica Médica/Cardiologia, encabeçado pelo Dr. Nyder. Nesse mesmo ano, me certifiquei com o Título de Terapia Intensiva pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB).
Então… já são 29 anos de casa. Outro privilégio!
A coordenação veio de forma gradual e natural, dado pelo maior interesse na área de administração e gestão, do antigo coordenador. Outro desafio!
E inauguramos a UTI do sexto andar em 2002, coincidentemente no mês do meu aniversário.
Na verdade, ser intensivista é ter desafios diários e, sem sombra de dúvidas, enfrentamos, na história recente da humanidade, o maior deles: a pandemia de Covid-19 pôs à prova a tenacidade, a versatilidade e a capacidade de buscar respostas e terapias de maneira rápida e segura, contribuindo de maneira irrefutável na redução da perda de milhares de vidas. Desafio que fortaleceu ainda mais a especialidade, cuja premissa já é profunda: a de lidar com pacientes graves, que podem exigir procedimentos de elevada complexidade na tentativa de reestabelecer as funções vitais e, mais que isso, que traga a melhor qualidade de vida possível ao paciente.
Para tanto, há a necessidade de domínio de conceitos da cardiologia, endocrinologia, nefrologia, pneumologia, infectologia, entre outras tantas. Não se trata de se substituir esses importantes profissionais, mas, sim, de se atuar em sinergia de conceitos e práticas, necessários que são, para o manejo desse paciente crítico, acrescentando a eles tantos outros profissionais indispensáveis, como enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas, dentistas, psicólogos, e mais, em um amplo conceito de multidisciplinaridade.
O intensivista deve estar capacitado para procedimentos como intubação, ultrassom à beira-leito, cateterização, punções diversas, traqueostomia, além de conhecimentos de hemodinâmica, mecânica ventilatória etc. Claro que, em hospitais de nível terciário de atenção, como o nosso, quanto melhor a infraestrutura e a disponibilidade de profissionais capacitados, melhores serão o cuidado e os respectivos resultados.
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O dia a dia do intensivista pode ser marcado por longas jornadas, exposição a riscos, conflitos com a equipe, cobrança de familiares… Portanto, vale considerar ser uma rotina também intensiva; de atenção constante e de sutileza para uma liderança sobre a equipe multidisciplinar.
Em geral, o dia começa com a visita multidisciplinar à beira leito, onde é traçado o plano terapêutico, sempre de maneira individualizada e dependente da evolução clínica. A comunicação entre a equipe é fundamental, deixando claras as metas a serem seguidas durante o plantão e, principalmente, a passagem do plano ao plantão seguinte.
Visto que a permanência deles é de 24 horas, essa visita, muitas vezes, é feita na presença de acompanhantes, um ganho que passamos a ter neste ano, em mais uma medida de humanização, fornecendo uma melhor experiência ao paciente e seus familiares.
Passado o receio da permanência deles durante a jornada de trabalho, e, sem dúvida, por uma mudança de paradigma, acreditamos termos tido um balanço positivo, muitas vezes até auxiliando o trabalhado da equipe.
Além disso, é necessário um forte processo de gestão de unidade, com dados e indicadores ajustados, para entender o desempenho, corrigir eventuais desvios e promover o planejamento estratégico.
Somente com planos de educação continuada, formação e treinamento permanente de pessoal, revisão constante de processos, é que podemos garantir os resultados, medir performance e dar segurança aos pacientes, tranquilidade para médicos assistentes, e respaldo para a instituição.
Dr. Ronaldo Padovani (CRM 55082 / QRE 13666) é médico intensivista e coordenador da Unidade de Terapia Intensiva do Vera Cruz Hospital, em Campinas (SP).