Gestão e Qualidade, Tecnologia e Inovação | 8 de julho de 2015

Tecnologia personalizada vai derrubar a tradicional relação médico-paciente

Entenda a diferença entre as abordagens Goldminer e Bartender
Tecnologia personalizada vai derrubar a relação médico-paciente

Nos próximos anos, a ideia de receber tratamento médico exclusivamente no consultório ou no hospital vai parecer estranha. Tecnologias vestíveis, dispositivos implantados e aplicativos de smartphones permitirão uma monitorização contínua e criarão uma assistência onipresente, como uma imagem digitalizada da condição de saúde dos pacientes, acessadas e analisadas em tempo real, em qualquer lugar.

A coleta de dados de forma imediata não é o único trunfo do tratamento fora do consultório. A telemedicina, diagnósticos em casa, e análises clínicas já começam a tratar pacientes onde eles vivem e trabalham. Na próxima década, estas tendências vão criar uma verdadeira corrida para oferecer melhores opções e possibilidades de consumo para os pacientes.

Com uma enorme gama de clientes a serem disputados, players e empresas de tecnologia digital e móvel se dedicam cada vez mais ao setor da saúde, buscando reduzir custos, incrementar receitas e conquistar a confiança dos clientes.

Em artigo do mês de junho, o portal norte-americano de gestão e negócios Harvard Business Review, compara o momento dessa integração tecnologia/saúde com a corrida do ouro ocorrida na década de 1840. “Acreditamos que dois modelos de negócios vão se destacar: Goldminers, que abrange uma área maior, e Bartenders, que oferece opções personalizadas e convenientes para atender necessidades mais rotineiras.

A estratégia Goldminer envolve players integrados verticalmente (grandes instituições como operadoras de planos de saúde, hospitais e médicos), criando o “valor médico” através de uma melhor gestão da saúde dos usuários de maior complexidade: 30% dos pacientes com condições clínicas complexas que compõem 75% a 80% de todos os gastos médicos. Atendimento coordenado e de forma mais eficaz, que oferece comunicação móvel diária com monitoramento remoto.

Essas empresas podem ajudar a mudar o setor com um atendimento baseado na atenção à comunidade e serviços na casa do paciente, com intervenções menos onerosas. Embora esta abordagem tenha claros benefícios, ainda é limitada às tecnologias propostas pelos fornecedores de produtos na interação com especialistas médicos, que ainda tomam a maior parte das decisões.

Por sua vez, a estratégia Bartender representa uma transformação muito mais dramática. Nela, novas empresas (muitas vezes os players tradicionalmente oriundos de fora do mercado de cuidados de saúde, como empresas de software, eletrônicos e vestuário), se aperfeiçoam e se capacitam para oferecer uma melhor experiência para os consumidores, fornecendo informações, aconselhamentos detalhados e personalizados. Esta abordagem é mais delicada, na medida em que evita a relação médico-paciente e fornece às pessoas muito mais escolhas e controle sobre o atendimento (como será feito e quem será o responsável).

Por exemplo, uma mulher que está sentindo palpitações cardíacas aleatórias, na visão que envolve a abordagem Goldminer, pode estar “matriculada” em um programa de cuidados preventivos, possui um aplicativo de smartphone que monitora continuamente a atividade cardíaca, tendo a maior parte das decisões controladas por uma equipe de atendimento clínico.

Se fosse na abordagem Bartender, a paciente teria que comprar um aplicativo de eletrocardiograma, que também dá dicas para um melhor estilo de vida, buscando manter sob controle a situação clínica. O paciente registra sua atividade diária através do aplicativo, que envia os dados para o médico especialista, ou a um computador para monitoramento e interpretação contínua. O aplicativo também controla comportamentos, como exercícios, dieta, sono e medicamentos. Como os dados se acumulam, os padrões começam a surgir, em uma correlação entre certos medicamentos e a gravidade e frequência das palpitações. O aplicativo pode sugerir uma série de intervenções, do simples lembrete de texto na agenda de medicação, até uma notificação sugerindo o contato urgente com um profissional, em casos de emergência.

Outra possibilidade para a saúde do futuro é um serviço de convênio por meio de um dispositivo implantado, que pode detectar se um ataque cardíaco é iminente, alertar o paciente a tomar medidas, ou até mesmo enviar uma mensagem para uma ambulância quando necessário. O paciente, assim, mantém o controle e a participação nas decisões, sendo continuamente informado sobre sua condição através dos dados apresentados pelo aplicativo ou dispositivo.

Todos estes cenários já são, em parte, uma realidade. A empresa norte-americana de saúde móvel Alivecor vende um dispositivo que rastreia eletrocardiogramas via smartphone e fornece opções para consumidores compartilhar e interpretar os dados com médicos em fóruns, como o Crowmed (https://www.crowdmed.com/).

Empresas de ferramentas analíticas, como WellDoc (http://www.welldoc.com/) e BlueStar (http://www.bluestarinc.com), usam programas móveis de auto-gestão para monitorar níveis de glicose e oferecem recomendações para pacientes diabéticos. Da mesma forma, o aplicativo iWatch, da Apple, abre possibilidades para uma maior inovação no bem-estar através de monitoramento contínuo – vale ressaltar que a Apple é uma marca a qual os consumidores já são fiéis.

O laboratório Theranos (leia aqui) também é apontado atualmente como uma organização que “quebra com os paradigmas” conceituais do setor. O seu modelo de negócio possibilita que o cliente faça exame de sangue sem receita médica, com apenas uma gota de sangue e em lojas localizadas dentro de grandes redes de supermercados.

Os avanços tecnológicos também vão ampliar as fronteiras da saúde. Os consumidores que sustentam essas novas ofertas irão forçar os prestadores de serviço tradicionais a buscarem novas maneiras de se relacionar com este paciente mais informado, que não virá ao consultório com apenas algumas páginas impressas de pesquisas realizadas pela internet. Com pacientes possuindo e interpretando os seus dados de saúde, a cada consulta, o nível de qualidade da informação se apresenta de uma forma mais abrangente – tanto para o paciente como para o médico.

As novas empresas que aplicam a abordagem Bartender vão reestruturar fundamentalmente o fluxo de dinheiro em cuidados de saúde e criar um grande valor no processo médico. Estimativas e análises do mercado de cuidados em saúde nos EUA descobriram que a aplicação do modelo Bartender poderia reduzir as despesas de saúde em cerca de US$ 400 milhões por ano até 2025.

A abordagem Goldminer representa um progresso. Mas é um progresso por “adição” dentro do modelo atual de saúde, ou seja, aumento daquilo que já vem sendo feito tradicionalmente. O modelo Bartender, pelo contrário, acelera a transformação da indústria da saúde, desafiando profundamente as correntes que interpretam o paciente com a visão “one-size-fits-all” que é padrão na saúde – algo como um atendimento que serve pra todos – com um modelo de atendimento clínico com autoridade centralizada.

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