Empregabilidade e Aperfeiçoamento | 2 de maio de 2016

Quando a infelicidade afeta a produtividade é preciso reavaliar o cotidiano

Psicanalista aborda relação entre trabalho e felicidade
Quando a infelicidade afeta a produtividade é preciso reavaliar o cotidiano

No mercado da saúde, principalmente, nas áreas assistenciais, a felicidade tem uma importância elevada. Imagine ser atendido por um enfermeiro ou por um médico infeliz? Os riscos de uma atenção “negativa” e pouco humanizada impactam fortemente na percepção da qualidade do serviço prestado. E pior, algumas vezes podem influenciar na ocorrência de erros.

“ Carlos estava infeliz há muito tempo. Ele estava descontente com seu trabalho, com a vida, o mundo, e, acima de tudo, consigo mesmo. Sempre focado no que estava errado, passou a ter inveja dos outros, por terem, aparentemente, uma vida muito melhor. O que tornou as coisas ainda piores foi o fato de que ele nunca manifestou qualquer gratidão às pessoas que eram gentis com ele. Esse personagem fictício, com visão pessimista, fechou as portas para a maioria das conexões fora do seu estreito círculo de relacionamentos. ”

Como ilustra um artigo do psicanalista e professor Manfred Kets de Vries (foto), da conceituada escola de negócios Insead (França), “onde quer que ele estivesse, sua crítica incessante alterava a atmosfera, afetando a produtividade das pessoas que interagiam com ele”. Além disso, o personagem não gostava do seu trabalho e temia que mudanças levassem a consequências financeiras negativas. “Quando perguntado por que não buscava fazer algo mais alinhado com seus valores, sua resposta previsível era de que ‘não faria qualquer diferença’”.

O que é felicidade?

Quando as pessoas se perguntam o que mais elas querem da vida, na maioria dos casos, “felicidade” estará no topo da lista. É um dos mais importantes, senão o objetivo principal, que muitos aspiram. A miscelânea de reações atribuídas à felicidade inclui uma boa vida, a ausência do sofrimento, bons resultados em tudo o que se faz, sentir-se bem consigo mesmo, alegria, prosperidade e prazer. De acordo com um ditado chinês, “a felicidade é algo para fazer, alguém para amar, e algo para esperar”.

O filósofo Aristóteles fez uma contribuição seminal para o enigma da felicidade quando sugeriu que ela deve ser vista como uma combinação de prazeres imediatos (hedonismo) e uma vida bem vivida (eudaimonia, ou “florescimento humano”). “Talvez, uma outra maneira de traduzir as observações de Aristóteles, seria separar três elementos de felicidade:

– Sentimentos positivos frequentes

– Sentimentos negativos pouco frequentes

– Elevada satisfação de vida

O papel da personalidade

“Outro fator que é preciso ser adicionado à equação de felicidade é a personalidade. Pessoas extrovertidas tendem a ser mais felizes, enquanto o neuroticismo ou a instabilidade emocional correspondem a uma diminuição da quantidade de felicidade”. Há também uma relação significativa entre afabilidade e felicidade. “Ou seja, uma pessoa mais agradável é ou será mais feliz. Além disso, as pessoas mais conscientes e as pessoas mais abertas às experiências tendem a ser mais felizes”.

Mas acima de tudo, a felicidade é sobre outras pessoas. “Embora a capacidade de criar fortes redes sociais não garanta a felicidade, é um ingrediente-chave na equação da felicidade. As pessoas felizes têm melhores relacionamentos”, destaca o professor Manfred de Vries.

Hedonismo

Psicólogos evolucionistas referem-se ao conceito de felicidade como a “esteira hedonista”, fundamental para a continuação da espécie humana. Eles sugerem que qualquer aumento ou diminuição na felicidade (depois de um acontecimento significativo) acaba voltando para um “ponto base de felicidade”. Para efeitos de sobrevivência, é essencial para o Homo Sapiens ter uma base de alegria.

“Dada a natureza evolutiva deste círculo vicioso hedônico, podemos supor que a genética tem uma grande influência sobre a felicidade. Alguns pesquisadores sugerem que a hereditariedade do bem-estar tem um ponto estimado de 50%. Há duas outras variáveis ​​nesta equação. “A primeira são circunstâncias da vida (eventos que influenciam as perspectivas de um indivíduo sobre a vida). A segunda consiste em nossas atividades intencionais, ou o que escolhemos fazer, o que constitui cerca de 40% por cento da equação. O que esses números sugerem é que temos algum controle sobre sermos felizes ou não – podemos fazer escolhas em relação à equação de felicidade”.

Dinheiro e felicidade

O que faz as pessoas felizes ou infelizes não é meramente uma questão individual. Também está relacionada ao tipo de sociedade em que vivemos. “De acordo com a Organização Mundial da Saúde – uma em cada 20 pessoas, ou 350 milhões de pessoas em todo o mundo, sofrem de depressão. Estas estatísticas de infelicidade têm incentivado a publicação de um ‘Relatório Mundial de Felicidade’, levando em consideração questões como o PIB real per capita, expectativa de vida, apoio social, percepção da liberdade para fazer escolhas de vida, liberdade da corrupção e generosidade. Não surpreendentemente, o maior grau de infelicidade ocorre em países que estão devastados por conflitos. Claramente, a falta de direitos humanos, guerras, conflitos internos, a corrupção e outras formas de discórdia social afetarão negativamente a equação de felicidade”.

O artigo também aponta para uma modesta correlação entre renda e felicidade. “Dinheiro, no contexto da equação de felicidade, deve ser visto como um conceito relativo. Sentimos prosperidade somente se fazemos melhor do que as pessoas com quem comparamos a nossa riqueza”. Para aumentar essa tendência comparativa, a felicidade social parece ser menor em países em que existe maior distância entre ricos e pobres, e mais alta em países com diferenças menores.

Em resumo, um alto nível de materialismo parece reduzir o grau de felicidade. “Talvez, em busca de dinheiro, as pessoas motivadas por bens materiais sacrificam outras coisas importantes na vida, como relacionamentos, espiritualidade, ou buscar seus verdadeiros interesses”.

A busca da felicidade

Toda essa reflexão leva à questão de saber se a felicidade, como um conceito relativo, pode ser perseguida e verdadeiramente alcançada. O que podemos fazer para aumentar nossas chances de sermos felizes? E há esperança para uma pessoa como o personagem Carlos?

“Carlos, por exemplo, poderia fazer um esforço maior para gerenciar seus pensamentos e emoções, como a raiva, a inveja e o pensamentos negativos. Ele deve tentar promover pensamentos positivos e atitudes como a empatia, o perdão, a serenidade e, principalmente, a gratidão. Ele poderia começar por colocar um fim a suas reflexões negativas e abordar proativamente a questão de levar uma vida mais significativa”.

Para isso, ele deve adotar medidas para procurar um trabalho que realmente se encaixe em seus valores e interesses. Ele também pode, intencionalmente, criar mais momentos felizes, como passar tempo de qualidade com sua esposa, família e amigos, tendo tempo para ter uma conversa honesta com seus colegas de trabalho e amigos. “Estes momentos singulares, enquanto são insignificantes por conta própria, se somam a uma vida plena. Embora a ação não possa sempre trazer felicidade, não pode haver felicidade sem ação”.

Além disso, o que pode ajudar na mudança de perspectivas de uma pessoa negativa é começar a praticar a gratidão. Um simples “obrigado” para os outros pode fazer maravilhas para a sua saúde mental, uma vez que a felicidade é muitas vezes um subproduto de um esforço para fazer alguém feliz. “Ao invés de se deter às mágoas do passado, Carlos faria bem ao praticar a arte do ‘deixe estar’. No lugar de contar seus problemas, ele deve contar suas alegrias. Melhor do que estar preocupado com inveja e despeito, ele deve tentar desfrutar de sua própria vida, sem compará-la com a dos outros”.

Regime da alegria

O escritor Oscar Wilde disse uma vez: “Alguns causam felicidade onde quer que vão; outros em toda hora que partem”. Não se pode ter felicidade sempre, mas temos o poder de criar felicidade. “De muitas maneiras, a felicidade é muito mais um regime. As pessoas mais felizes não têm o melhor de tudo; elas fazem o melhor de tudo”, encerra Manfred Kets de Vries.

Manfred Kets de Vries

Manfred Kets de Vries: Seguidamente citado por revistas e periódicos, como Financial Times, Le Capital, Wirtschaftswoche, e The Economist, Manfred Kets de Vries é considerado um principais pensadores de gestão do mundo e um dos colaboradores mais influentes na área da gestão de recursos humanos. Consultor, psicanalista e professor, De Vries se notabiliza por buscar o lado oculto e inconsciente das empresas. O livro Leaders, Fous et Imposteurs é um alerta contra os maus líderes. O autor estruturou todos os capítulos do livro da mesma forma: explicação do conceito freudiano de base, casos reais, impacto na gestão e soluções para o problema. Explica as vantagens em haver alguém na empresa que ousa dizer o que pensa e porque os maus líderes tendem a afastar espontaneamente este tipo de pessoas válidas.

 

 

Foto: Bibi Veth, TedXAmsterdam

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