Empregabilidade e Aperfeiçoamento | 28 de fevereiro de 2017

Medida imigratória complica viagens de profissionais de saúde brasileiros aos EUA

Aumento na rejeição aos pedidos de visto aumentou ainda na gestão Obama
Medida imigratória complica viagens de profissionais de saúde brasileiros aos EUA

A ordem executiva de 27 de janeiro do presidente norte-americano Donald Trump, que baniu a entrada de cidadãos de sete países – Irã, Iraque, Síria, Iêmen, Somália, Líbia e Sudão – foi apenas o início de uma série de mudanças na política de concessão de vistos de entrada naquele país, e que podem ter impacto também para os brasileiros. Projetos em estudo na Casa Branca propõem mudanças inclusive nos vistos B1 e B2, muito usados por médicos que vão a congressos e conferências, na concessão de vistos F-1 para estudantes e, principalmente nos H-1B, para trabalhadores não-imigrantes em funções especializadas. As informações são do portal Medscape.

No caso dos brasileiros, as empresas que trabalham na intermediação para obtenção de vistos vêm percebendo desde o ano passado, portanto ainda na administração de Barack Obama, um aumento considerável na rejeição aos pedidos de visto, tanto para turistas quanto para estudantes de intercâmbio. Dados do governo americano mostram que o número de vistos de turistas negados a brasileiros no ano fiscal de 2016 subiu para pouco mais de 15%, um aumento de três vezes em relação a 2015 (5,36%), e cinco vezes mais em relação a 2014 (3,2%).

Mas a situação pode ser até pior. O índice de vistos negados parece ter saltado para algo em torno dos 35% a 40% no final do ano passado, segundo estima Daniel Magalhães, diretor da Globalvisa, empresa especializada em assessorar brasileiros com vistos e processos imigratórios.

“O motivo é basicamente econômico. Até o ano passado, os brasileiros eram bem-vindos nos Estados Unidos porque iam para fazer turismo, compras, cursos de inglês. Mas, com o agravamento da crise econômica, mais brasileiros entraram nos Estados Unidos com vistos de turista e de estudante e permanecem lá ilegalmente, o que disparou o alerta no Departamento de Estado dos EUA. Por conta disso, os consulados estão negando vistos para pessoas que até o ano passado conseguiriam obtê-los sem maiores problemas”, explica.

A ordem executiva de Trump, por enquanto suspensa por medida judicial, não só afetou a vida de milhares de pessoas portadoras de vistos e green cards (residentes permanentes), como abalou a comunidade da área de saúde dos Estados Unidos. Segundo a The Medicus Firm, empresa especializada em recrutamento de médicos, 15.000 médicos que atuam hoje nos EUA são naturais daqueles sete países, entre os quais estão 9.000 iranianos, 3.500 sírios e 1.500 iraquianos. Os serviços médicos americanos têm enorme dependência de mão-de-obra estrangeira, notadamente para médicos de família, medicina interna, pediatras, e cirurgiões gerais, áreas com remuneração mais baixa, e por isso não atraem os médicos nascidos nos Estados Unidos. São eles também que aceitam trabalhar em áreas rurais e cidades de pequeno e médio porte, com populações entre 25 mil e 500 mil pessoas.

De acordo com Andrea Clement, porta-voz da Medicus, é nesses locais que atuam 76% dos médicos estrangeiros em atividade nos Estados Unidos. Boa parte também trabalha em hospitais que atendem pacientes do Medicare e Medicaid (os planos de saúde pagos pelo governo americano a idosos e pessoas abaixo da linha da pobreza), além de hospitais de veteranos de guerra.

De acordo com reportagem publicada pelo jornal The New York Times, a oferta de vagas para residência médica é 22% maior do que podem ocupar os médicos formados no Estados Unidos, e são preenchidas principalmente por profissionais graduados na Índia, no Paquistão, na China, nas Filipinas, no Irã e em Israel. Esses profissionais entram nos EUA com o visto J-1, o mesmo exigido de mestrandos e doutorandos que recebem salário ou bolsas de estudo de instituições americanas, trabalham em instituições de primeira-linha e devem regressar a seus países de origem no prazo de três anos. Na prática, os médicos conseguem prolongar sua permanência por anos, trabalhando em regiões que o Departamento de Saúde considera deficitárias em termos de atendimento, ou seja, onde há menos de um médico para cada três mil pessoas. Depois de cinco anos, esses profissionais podem solicitar o green card e clinicar em qualquer parte do país. A mesma situação se repete com outros profissionais da saúde, como fisioterapeutas, dentistas e farmacêuticos.

O fenômeno não é recente. Nos anos 60, apenas 5% dos profissionais de saúde que trabalhavam nos Estados Unidos eram estrangeiros, uma porcentagem que saltou para 30% nos anos 1990. Segundo dados de um estudo da Georgetown University’s Center on Education and Work Force, a saúde é o setor da economia americana com maior porcentagem de contratados estrangeiros. Só no ano passado, conforme reportagem do site STAT News, a Cleveland Clinic contratou 200 médicos estrangeiros, e centros importantes como Emory UniversityMayo Clinic e o William Beaumont Hospital, em Michigan, também aguardam a chegada de profissionais de fora dos EUA. Não à toa, 33 entidades médicas americanas divulgaram comunicados criticando a ordem executiva assinada por Trump. Organizadores de congressos médicos previstos para os próximos quatro meses estão recebendo cancelamentos de inscrições, já que alguns participantes não têm certeza sobre se poderão entrar no país, mesmo portando vistos, como reportado pelo Medscape.

Outra preocupação das entidades médicas diz respeito ao próximo 17 de março, quando são anunciados os candidatos aprovados pelos diversos programas de residência nos Estados Unidos. O temor é de que, preocupados com a decisão do governo, os hospitais recusem os médicos nascidos nos sete países afetados pela ordem, que podem ter vetada a entrada no país .

Outra questão que preocupa quem viaja aos Estados Unidos é que vistos de entrada não garantem a entrada em solo americano. E nada impede que um viajante seja questionado por fiscais da imigração em aeroportos ou fronteiras. O caso mais extremo ocorrido nos últimos dias foi o do ex-primeiro-ministro da Noruega, Kjell Magne Bondevik, retido por quase uma hora no aeroporto Dulles, em Washington, em uma sala com passageiros da África e do Oriente Médio, mesmo tendo um passaporte diplomático. O motivo teria sido uma viagem ao Irã ocorrida três anos antes. As autoridades de imigração nos Estados Unidos também estão preocupadas em saber se quem entra no país possui dupla cidadania.

Segundo Daniel Magalhães, o maior risco de não conseguir entrar no país, por enquanto, é para quem viaja com visto de turista (B1/B2) ou com o F-1, dado a estudantes de idiomas ou de graduação, pós-graduação, ou cursos breves de atualização ou especialização com cerca de três ou quatro meses de duração.

“Essa é uma relação entre o cidadão e a escola, que não passa por agência governamentais, e na qual o estudante ou profissional arca com os gastos, ou seja, paga pelo curso do próprio bolso. Geralmente, envolve cursos de inglês ou, no caso das especializações médicas, universidades de pequeno e médio porte”, explica.

Médicos brasileiros aprovados para intercâmbios acadêmicos em grandes universidades e que precisam do visto J-1 por enquanto não têm motivos para se preocupar.

“Nesses casos, em que o profissional vai receber ajuda de custo ou salário, dentro de um programa credenciado pelo governo americano, é a própria instituição que costuma se encarregar de toda papelada. Grandes hospitais, centros de pesquisa e universidades costumam ter um departamento próprio para cuidar desses casos, ou contratam um escritório especializado para fazer todo encaminhamento da documentação”.

Segundo a imprensa americana, é muito provável que haja mudanças nos critérios para concessão de vistos e suas especificações. Na mira da Casa Branca, desde a administração Obama, estão os vistos H-1B, que permitem o trabalho temporário para profissionais especializados e abrem caminho para eventuais pedidos de green card. Atualmente, os 85 mil vistos anuais desse tipo são sorteados em abril e os nomes selecionados, divulgados em outubro. Mas, de acordo com o rascunho de uma nova ordem executiva obtido pelo jornal The Washington Post, o governo planeja cancelar os vistos que “contrariem o interesse nacional”, além de eliminar o que considera “empregos que atraem a imigração ilegal”.

A ideia é conceder esse tipo de visto não mais por sorteio, mas pelos critérios de mérito e prioridades dos Estados Unidos. Nesse aspecto, a proposta é semelhante àquela que defendem vários senadores, tanto republicanos quanto democratas, segundo os quais esse visto deveria ser concedido aos estrangeiros que fizessem mestrado, doutorado ou pós-doutorado em instituições americanas, ou que tivessem propostas de emprego com altos salários em setores nos quais os EUA carecem de profissionais.

O rascunho da ordem, um de vários que foram vazados à imprensa, pede ainda que seja feita uma investigação sobre possíveis prejuízos aos trabalhadores americanos causados pela contratação de estrangeiros. Empresas com grande número de funcionários estrangeiros seriam submetidas a uma vigilância mais estrita, sendo obrigadas a enviar relatórios semestrais sobre esses funcionários. De acordo com a proposta, essa investigação e análise deverá ser concluída 90 dias após a assinatura da ordem executiva, revendo toda regulamentação sobre o trabalho de estrangeiros nos Estados Unidos, incluindo trocas de funcionários em empresas transnacionais (visto L-1), e rescindindo vistos já concedidos. O mesmo projeto prevê um detalhamento rigoroso também de como os vistos de turismo e negócios devem ser usados.

Fonte – portal Medscape.

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