Mundo | 3 de agosto de 2017

Hospitais franceses abrem espaço para cuidados não convencionais

Métodos como acupuntura e meditação já são praticados em serviços de saúde
Hospitais franceses abrem espaço para cuidados não convencionais

Acupuntura, hipnose, ou meditação já estão sendo propostas e praticadas em alguns serviços de saúde, mas os métodos pioneiros da “medicina alternativa” em hospitais franceses ainda são isolados.

Analgesia por estimulação. Com este termo uma das primeiras consultas com acupuntura ocorreu no Hospital Tenon, em Paris, no ano de 1976. Naquela época, algumas pessoas já a praticavam na cidade, mas não em centros de saúde. “Eu ouvi falar de acupuntura em 1972 pelo professor Pierre Huguenard – pai do SAMU francês”, explica o Dr. Serge Rafal – que instituiu o tratamento no Tenon – ao jornal Le Figaro. “Pierre voltou de uma viagem de estudos à China e relatou surpreendentes cirurgias com acupuntura realizadas por médicos locais. Com a descoberta das endorfinas, começamos a nos interessar pela dor. Acho que a acupuntura deveria ter seu lugar no hospital, complementando outros tratamentos contra a dor. Eu comecei esse serviço e adicionei em seguida a homeopatia e a fitoterapia para expandir o campo de indicações médicas. A direção do hospital à época aceitou sem problemas”, conta Dr. Rafal.

Desde então, as terapias não convencionais têm conseguido seu espaço nos hospitais franceses.No Centro Hospitalar Sainte-Anne, em Paris, sessões de meditação são comumente utilizadas para tratar a depressão; no hospital parisiense Armand-Trousseau, a hipnose auxilia crianças com enxaqueca; no Centro Hospitalar Universitário de Estrasburgo, o setor de ginecologia obstétrica utiliza a acupuntura para diminuir as dores do parto; em Villejuif, o Instituto de Cardiologia Gustave-Roussy propõe o uso da auriculoterapia – a acupuntura da orelha –  para diminuir dores e náuseas.

No Brasil, desde o dia 28 de março deste ano, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece as práticas de arteterapia, ayurveda, biodança, dança circular, meditação, musicoterapia, naturopatia, osteopatia, quiropraxia, reflexoterapia, reiki, shantala, terapia comunitária integrativa e ioga. O Ministério da Saúde levou em consideração o reconhecimento dessas práticas pela Organização Mundial da Saúde e por diversas categorias profissionais no país. O Setor Saúde noticiou a inclusão dos novos tratamentos e cuidados no Brasil.

É um movimento, mas ainda é difícil saber quem, como e quantos médicos realmente utilizam as terapias não convencionais. A razão é simples: a implantação dessas técnicas não é decidida a partir “de cima”, de maneira racional e planificada, ela vem da base. Os médicos precursores, como Serge Rafal, que compreenderam cedo o potencial dessas terapias, desejam responder a uma demanda dos pacientes decepcionados com a medicina clássica, onde o “tudo é medicamento” com seus respectivos efeitos colaterais.

“Na realidade, nós estamos na total indefinição”, afirma o professor Alain Baumelou – diretor do Centro Integrado de Medicina Chinesa do Hospital de la Pitiè-Salpêtrière, em Paris -, ao Le Figaro. “Existem os recenseamentos, mas são pouco precisos. O melhor, dirigido por Jean-Yves Fagon, para a Assistance Publique-Hôpitaux de Paris (o serviço público de hospitais da capital francesa), em 2012-2013, mostra que na região parisiense há um pouco de tudo em todos os lugares, mas não podemos quantificar. A razão é simples: os atos não convencionais não são tarifados e os médicos praticam na maioria das vezes como parte de sua atividade principal. Em suma, não sabemos quem faz o quê”, explica Baumelou.

Ações contra a dor estão na frente

Sem dúvida, são nos centros de combate à dor que os métodos não convencionais são mais vistos e melhor conhecidos. Em 2014, uma pesquisa nacional da Sociedade Francesa de Estudo e Tratamento da Dor mostrou que 72 centros – dentre os 134 que responderam o questionário – proporcionavam acesso à acupuntura, à hipnose, à massoterapia e à osteopatia, principalmente. Para Nadine Attal, do Hospital Ambroise-Paré, em Boulogne (França), “essas terapias, cuja inocuidade é quase absoluta e que não são caras, podem ser de grande valor para pacientes intolerantes aos tratamentos farmacológicos convencionais”.

Na oncologia, as estatísticas permanecem imprecisas, mas as demandas dos pacientes aumentam. Diz-se que 30% a 60% dos doentes  recorrerão aos tratamentos não convencionais, muitas vezes fora do ambiente hospitalar. Além disso, mais e mais estruturas irão incorporá-las no cuidado oncológico para atender as expectativas legítimas e evitar a prescrição inadequada.

Na França, “o poder público finge interesse”

Dessa forma, estamos prontos para uma pequena revolução, para a criação de uma verdadeira medicina integrativa onde terapias convencionais e não convencionais constituirão juntas a base de um novo sistema médico amplamente desenvolvido nos hospitais? Na opinião de todos os especialistas ouvidos, estamos muito longe disso.

Serge Rafal é categórico: “as medicinas não convencionais são marginais ao hospital, o poder público finge interesse para, na aparência, responder aos anseios dos pacientes. Essas medicinas não estão em sintonia com as preocupações dos hospitais de hoje, cuja prioridade é equilibrar as contas e não oferecer uma consulta homeopática que dura 45 minutos. Não há política hospitalar estabelecida e deliberada sobre o tema. A prova: quando me aposentei do Hospital Tenon, em 2013, ninguém assumiu [o tratamento] e as consultas foram encerradas”.

Dor, a primeira causa para recorrer aos tratamentos não convencionais

O mesmo acontece com Adam Baumelou no Centro Integrado de Medicina Chinesa: “nossa vocação é tornar visível essa medicina, de fazê-la entrar em outros serviços e de realizar pesquisas para avaliar sua eficácia. Mas nós estamos muito isolados. Não há apoio, nem da direção dos hospitais e nem da saúde pública de Paris. Nós temos poucos meios. Eu trabalho em rede com aqueles serviços que se interessam. É assim que temos mostrado, com o departamento de neurologia, a importância das massagens para aliviar a dor de pessoas incapacitadas pela esclerose múltipla, e isso é bem feito”.

Outro problema é apontado pelo especialista: a indiferença das autoridades acadêmicas e administrativas da França. Numa das últimas diretrizes da Agence nationale de sécurité du médicament  (equivalente à ANVISA na França) sobre o tratamento de dor em adultos, ela não faz nenhuma menção aos cuidados não convencionais, enquanto a dor é a primeira causa para recorrer a esses tratamentos. Quanto à Academia Nacional de Medicina da França, “sobre o uso de terapias complementares no atendimento hospitalar, notadamente nos Centros Hospitalares Universitários, parece ser de real valor se forem entendidas não como um reconhecimento e valorização destes métodos, mas como uma forma de esclarecer os seus efeitos, de clarificar suas indicações”.

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