Como as superbactérias podem se tornar a principal causa de morte no mundo
Prejuízo previsto de 100 trilhões de dólaresO alerta foi dado durante o 20º Congresso Brasileiro de Infectologia, realizado em setembro no Rio de Janeiro: se as devidas providências não forem tomadas, as bactérias resistentes aos antibióticos poderão se tornar a principal causa de morte no mundo, com 10 milhões de mortes anuais em 2050. A preocupação de Carmem Lúcia Pessoa da Silva, que coordena a área de resistência aos antimicrobianos da OMS (Organização Mundial da Saúde), foi publicada em matéria da Folha de S. Paulo.
Também conhecidas como superbactérias, elas são extremamente perturbadoras para o dia a dia de hospitais/clínicas e de seus profissionais, e consequentemente, para seus pacientes debilitados. Surtos de infecções hospitalares costumam fechar alas inteiras, causar prejuízo na imagem da instituição e alterar qualquer equilíbrio financeiro. Mas mesmo quando há falhas minimas, as superbactérias ainda assim podem surgir, já que o quadro do paciente é fator decisivo para complicações. O estabelecimento de saúde e o paciente são a ponta final de uma cadeia complexa, que passa por atores como a indústria de produção animal para consumo humano, veterinários, indústria farmacêutica, escolas de medicina e médicos.
Antibiótico na produção animal
Engajar setores como o da agropecuária é um dos principais elos contra as superbactérias. A economia de produção animal tem um fator difícil de ser sensibilizado: é preciso aceitar a perda de produtividade ganha ao longo dos tempos.
Foi a partir da Segunda Guerra Mundial que os antibióticos começaram a ser introduzidos nas rações dos animais, gerando taxas de produtividade nunca antes vistas para o setor. A produção seguiu evoluindo e melhorando os padrões de ganhos. Mas estudos recentes demonstram que diferentes tipos de bactérias se tornaram resistentes a várias classes de antibióticos, tornando ineficazes muitos dos tratamentos atuais.
A utilização de antibióticos na pecuária e agricultura fomenta o aparecimento de bactérias resistentes, já que os resíduos dos medicamentos contaminam o solo e os lençóis freáticos, após serem eliminados pelos animais. E os animais, vão para as mesas de milhares de pessoas, piorando ainda mais o cenário.
70% dos antibióticos são utilizados na pecuária
O estudo The Review on Antimicrobial Resistance identificou que nos EUA, 70% de todo o consumo de antibióticos se dá na pecuária. São 9 mil toneladas utilizadas erroneamente para prevenir toda uma população de animais e não para tratar alguns poucos doentes, como deveria ser. Animais confinados, em um mesmo ambiente com fezes e urina formam o ambiente perfeito para proliferação de infecções. Por isso os produtores as utilizam em grande escala. Jim O’Neill, que liderou o estudo, diz que o uso aceitável de antibióticos seria de 50 mg para cada 1 kg de animais. Os Estados Unidos usam quase 200 mg/kg e Chipre emprega mais de 400 mg/kg.
Segundo a ONG Consumers International, a resistência aos antibióticos está se espalhando a uma velocidade que precisa ser contida. Se nada for feito “podemos enfrentar um regresso a uma era na qual as infecções simples podem matar”, alerta a entidade que congrega 240 organizações de defesa de consumidores, de 120 países.
Importantes empresas processadoras de alimentos vem adotando novas política de redução de uso de antibióticos. Casos como Cargill e McDonald´s são dois exemplos nesta linha. Mas ainda falta muito caminho a percorrer, principalmente no Brasil, que é um dos grandes produtores de alimentos.
Hibernação da indústria farmacêutica
Alia-se a tudo isto, a “hibernação” de décadas do mercado farmacêutico, desinteressado em pesquisar novos tipos de antibióticos, como destacou em 2011, o prêmio Nobel de Química (2009), o norte-americano Thomas Steitz: “Preferem centrar o negócio em remédios que deverão ser tomados durante toda a vida”, acrescentando que muitas das grandes farmacêuticas fecharam suas pesquisas sobre antibióticos porque estes curam as pessoas. A realidade é que o cenário tem mudado, muito em função do engajamento de entidades civis, ONGS e governos.
Meia população de Porto Alegre morre por ano
Hoje, 700 mil pessoas morrem anualmente em decorrência das infecções causadas pelasbactérias resistentes aos antibióticos. É metade da população de Porto Alegre, por exemplo. Pessoa da Silva explica que, se o quadro persistir, além de milhões de mortes, assuperbactérias também trarão um impacto financeiro gigantesco: em 2050, as perdas financeiras globais poderão ser de 100 trilhões de dólares. Em setembro de 2016, o portal Setor Saúde já havia apresentado este dado em matéria que destacava reunião das Nações Unidas com líderes globais. O número leva em conta a perda de mão de obra decorrente de mortes precoces, custos dos tratamentos de saúde, entre outras variáveis.
O surgimento de micro-organismos resistentes é um processo natural. Com o tempo, o uso de antibióticos seleciona bactérias resistentes às drogas utilizadas. Porém, o uso inadequado intensifica o surgimento de superbactérias.
Novas drogas podem impedir que o futuro seja dominado pelas superbactérias. Entretanto, há mais de 30 anos não chega ao mercado uma nova classe de antibióticos. De acordo com Pessoa da Silva, este quadro pode ser compreendido pelo desinteresse da indústria, somado à dificuldade e o alto custo de investimento. Como solução, a coordenadora da OMS recomenda investimento público, com participação decisória, nas farmacêuticas.
Apesar dos prognósticos alarmantes, Pessoa da Silva reforça que nunca houve tanto engajamento e vontade política para combater o problema como atualmente. A OMS lançou, em 2015, um plano global para combater a resistência microbiana, solicitando os países a desenvolverem planos nacionais. O Brasil prevê que seu plano entre em vigor em 2018. A saúde humana, saúde animal e a agricultura serão o foco dos esforços.
Prescrição fora dos protocolos
Cerca de 70% dos tratamentos para pacientes com bronquite aguda foram feitos com antibióticos, apesar de pesquisas mostrarem que o medicamento é ineficaz contra a doença. Realizada no Hospital Brigham and Women’s, o estudo avaliou a prevalência de prescrição de antibióticos a pessoas com bronquite entre 1996 e 2010 (EUA), e demonstra a importância da ação do médico – e das escolas de medicina – para reverter o uso desnecessário destes medicamentos.
Colistina
Um dos antibióticos mais utilizados pela indústria da alimentação é a colistina, também utilizada em humanos para Klebsiella pneumoniae, Acinetobacter baumannii e Pseudomonas aeruginosa. Entretanto, começam a aparecer resistências à colistina, favorecidas por sua utilização na criação de animais, conforme denunciou a OMS, que pediu a proibição de seu uso como profilaxia. Neste ano, uma mulher nos Estados Unidos foi a primeira pessoa a sofrer uma infecção urinária com uma variedade da bactéria Escherichia coli resistente ao tratamento com colistina. No Brasil, em agosto de 2016, foi descoberto bactéria resiste à colistina, demonstrando que o problema é global. Algumas bactérias multirresistentes alcançam letalidade superior a 50%.
Vancomicina
Uma versão mais potente do antibiótico vancomicina é uma nova esperança para a falta de novos medicamentos. Pesquisadores conseguiram fazer três modificações no antibiótico, de modo a aumentar em mil vezes sua atividade (potência). “Com essas modificações, você precisa de menos do medicamento para ter o mesmo efeito”, disse Dale Boger, pesquisador do Departamento de Química do The Scripps Research Institute (EUA). Ele complementa: “A descoberta torna esta versão da vancomicina o primeiro antibiótico com três mecanismos de ação independentes. Isso aumenta a durabilidade deste antibiótico. Os organismos simplesmente não podem trabalhar simultaneamente para encontrar um caminho em torno de três mecanismos de ação independentes, mesmo que encontrassem uma solução para um desses, os organismos ainda seriam mortos pelos outros dois”, explicou. Leia a matéria completa.
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