Mundo | 22 de setembro de 2016

Líderes globais se unem para colocar em evidência o problema das superbactérias

ONU declara guerra contra a resistência aos antibióticos
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Lideranças de quase duas centenas de países se reuniram no dia 21, em Nova York, para tentar encontrar soluções a um problema há muito tempo negligenciado, que representa uma das maiores ameaças da medicina moderna: a crescente resistência das bactérias aos antibióticos.

Como salienta o portal STAT News, a “resistência antimicrobiana não é um assunto tradicionalmente dominado por líderes mundiais, e questões relacionadas com a saúde – fora das crises relacionadas a epidemias globais, como o surto de Ebola – raramente são discutidas em locais como a Assembleia Geral das Nações Unidas”.

Como destaca a agência BBC, os 193 países das Nações Unidas assinaram, na quarta-feira (21 de setembro) uma declaração conjunta de abrangência mundial para combater superbactérias resistentes aos tratamentos existentes. “O compromisso internacional deve prevenir a morte de 700 mil pessoas por ano. Esta é a quarta declaração da ONU sobre questões de saúde, após o HIV em 2001, doenças crônicas em 2011 e o ebola em 2013”, dizem especialistas.

Ramanan Laxminarayan, diretor do Center for Disease Dynamics, Economics & Policy (EUA), ressalta que trabalha nesta questão “há quase 20 anos. Acho que mesmo há cinco anos, eu não poderia imaginar que isso chegaria à Assembleia Geral das Nações Unidas”.

A resistência antimicrobiana é impulsionada por uma série de fatores. Patógenos (bactérias, vírus e fungos) podem desenvolver resistência aos medicamentos usados para tratá-los quando os pacientes administram tais drogas de forma incorreta ou param de tomar logo após iniciarem o tratamento, por exemplo.

A resistência também é alimentada pelo uso elevado – e muitas vezes inadequado – de antibióticos na agricultura e aquacultura. Durante décadas essas drogas preciosas têm sido utilizadas para promover o crescimento e combater os custos de infecções que podem resultar em condições restritas de produção de alimentos de animais em escala industrial.

As consequências da resistência antimicrobiana são reais e surpreendentes. Cepas de bactérias resistentes aos mais potentes medicamentos já foram identificadas em diversos países, incluindo o Brasil. Estimativas de um relatório encomendado pelo governo britânico apontam que, se não houver um combate efetivo, cerca de 10 milhões de pessoas podem morrer anualmente a partir de 2050. Atualmente, por volta de 700 mil pessoas são afetadas.

Os países signatários reunidos na Assembleia Geral da ONU, em Nova York, já se comprometeram a destinar US$ 790 milhões a pesquisas sobre resistência antimicrobiana.

Entretanto, como aponta o portal STAT News, é improvável que qualquer resolução aprovada pelos Estados Membros inclua metas que limitem o uso de antibióticos em uma base per capita, o tipo de recomendação que os especialistas sugerem que seja tomada.

Pela declaração, os países participantes terão dois anos para apresentar um plano de ação. Os envolvidos também se comprometem a desenvolver sistemas de regulamentação e vigilância sobre o uso e venda de antibióticos para humanos e animais; encorajar pesquisas para o desenvolvimento de novos antibióticos e métodos de diagnóstico rápido; e educar profissionais de saúde e o público em geral em como prevenir infecções.

Dame Sally Davies, diretor médico do Reino Unido, declarou que “as infecções resistentes a medicamentos já estavam na agenda global, mas agora o verdadeiro trabalho começa”. Segundo ele, governos, indústria farmacêutica, profissionais de saúde e setor agropecuário precisam “respeitar seus compromissos para salvar a medicina moderna”.

Ramanan Laxminarayan e outros especialistas, afirmam que o fato de o tema ser tratado pela ONU já é motivo para comemoração. “É um reconhecimento de que o mundo precisa voltar sua atenção para a questão”.

Allan Coukell, especialista em resistência a antibióticos na ONG Pew Charitable Trusts, diz que o fato de países assinarem uma declaração que os compromete o assunto já é uma medida significativa. “É algo sem precedentes, as bactérias resistentes receberem esse nível de atenção”.

Os planos de ação elaborados para reduzir o uso de antibióticos serão monitorados por acadêmicos e grupos de trabalho. Há uma abundância de casos em que Estados Membros não conseguiram cumprir promessas ousadas feitas em um cenário global. Mas na visão de Laxminarayan, qualquer resolução é importante para os defensores da questão. “Ela oferece às pessoas e organizações um martelo para bater na cabeça deles e dizer: ‘você concordou com isso e não está fazendo isso”, comparou.

Há sinais de que anos de advertências sobre infecções incuráveis estão começando a mudar as cabeças dos líderes políticos. O G20, que se reuniu na China no início de setembro, tratou de preocupações sobre a resistência antimicrobiana no seu comunicado de encerramento, dizendo que “representa uma grave ameaça para a saúde pública, para o crescimento e para a estabilidade econômica global”.

O grupo pediu esforços para promover a utilização prudente de medicamentos e pesquisas,e para desenvolver novos antibióticos e novas ferramentas de combate às infecções.

O relatório encomendado pelo governo britânico e publicado em maio previu perdas de produção globais de $ 100 trilhões entre 2016 e 2050, se os esforços para conter a resistência antimicrobiana não forem concertados. “O problema é muito grande, é muito extenso e muito complexo”, resumiu Keiji Fukuda, representante especial da diretoria geral da Organização Mundial de Saúde sobre resistência antimicrobiana. “E a menos que tenhamos muitos participantes na mesa – setores privado e público, bem como setores de desenvolvimento, saúde, agricultura, etc  -, não será possível enfrentar a questão”.

Segundo levantamento da Pew Charitable Trusts, nos EUA 70% da utilização de antibióticos clinicamente importantes – tanto da medicina humana quanto da produção animal – são usados nas rações dos animais. Apesar da urgência em ações, não há soluções simples. Por exemplo, a produção de proteína (carne) suficiente para alimentar 7,4 bilhões de pessoas do mundo requer o uso de algum antibiótico na agricultura, garantem os especialistas.

“Os países desenvolvidos com o abastecimento de alimentos mais estáveis estão em uma situação muito diferente de países muito pobres, onde há muito crescimento populacional”, analisou Dr. Fukuda. “O que é bom para a Europa, aparentemente será um grande problema para países muito pobres”, concluiu o especialista.

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