Estatísticas e Análises | 30 de maio de 2017

A difícil luta contra as bactérias resistentes

Estudo sugere que diminuição na prescrição de antibióticos pode amenizar o quadro
A difícil luta contra as bactérias resistentes

As bactérias as quais os antibióticos não têm efeito estão causando problemas sérios de saúde pública em todo o mundo. É possível, porém, reduzi-los, segundo reportagem do jornal francês Le Figaro, com uma abordagem até certo ponto surpreendente.

Na guerra contra a resistência aos antibióticos, qualquer batalha ganha soa como uma pequena vitória. Em janeiro passado, a revista The Lancet Infectious Diseases mostrou uma cepa resistente de Clostridium difficile disseminada nos hospitais ingleses. A bactéria provoca diarreia e colite pseudomembranosa, muitas vezes acompanhada de febre e dor, e suas complicações podem ser extremamente graves ou levar à morte. O estudo publicado pela revista mostrou que a restrição da utilização de antibióticos da família da fluoroquinolona, tais como o ciprofloxacino, resultou no desaparecimento da grande maioria das infecções causadas por cepas de C. difficile resistentes aos tratamentos. O portal de notícias Setor Saúde, da Fehosul,  noticiou na ocasião,  acerca de iniciativas que visam diminuir o uso de antibióticos da família da fluoroquinolona.

Antibióticos (e não os hospitais) foram a principal causa de alarmante surto infeccioso na Inglaterra

Uma equipe de pesquisadores da Universidade de Oxford registou um decréscimo de cerca de 80% no número de infecções no Reino Unido. Em Oxfordshire, sudeste da Inglaterra, no mês de setembro de 2016, dois terços da bactéria C. difficile apresentaram-se como resistentes a antibióticos. Em fevereiro de 2013, a resistência era de apenas 3%. Ao mesmo tempo, o número de bactérias transmitidas de uma pessoa para outra não mudou, apesar da implementação de medidas de higiene para prevenir a transmissão em hospitais. “Este estudo reforça a existência da ligação entre a prescrição de antibióticos e o desenvolvimento de resistência em bactérias”, analisa o professor France Cazenave-Roblot, especialista em doenças infecciosas do Hospital Universitário de Poitiers, na França – ao jornal Le Figaro.

“Pressão de seleção”

Na verdade, o uso massivo de antibióticos leva as bactérias ao que os cientistas chamam de uma pressão de seleção: expostas aos antibióticos, as estirpes sensíveis dão lugar às cepas resistentes, que se proliferam. A resistência da bactéria pode ser inata ou adquirida. Bactérias resistentes podem transmitir seu material genético (plasmídeo), que comporta um ou mais genes de resistência, a uma bactéria anteriormente sensível. Para evitar múltiplas resistências, diminuir a prescrição de antibióticos continua a ser uma necessidade, como evidenciado pelo estudo inglês. “Sabemos que ainda consumimos antibióticos em demasia. Na França, a situação não é boa”, adverte ao jornal o professor Antoine Andremont, chefe do departamento de bacteriologia do Hospital Bichat, em Paris.

Apesar das campanhas de comunicação e preocupação mundial com o tema, o consumo de antibióticos registrou alta entre os anos de 2005 e 2015, de acordo com dados do relatório lançado no final do ano passado. “Controlar o consumo é sem dúvida mais fácil para o hospital. Hoje, temos de ser vigilantes sobre as ações que podem ser responsáveis pela transmissão de bactérias, tais como a colocação de cateteres urinários muito prolongados”, disse ao periódico o professor Alain Astier, farmacêutico hospitalar no Hospital Henri Mondor, em Créteil. “A resistência ao estafilococo reduziu através da implementação de medidas de higiene”, explica ao Figaro o professor Pascal Astagnau, responsável pelo controle de infecção do Centro de Prevenção de Infecções Associadas aos Cuidados, de Paris. Esse tipo de infecção passou de 27% em 2005, para 16% em 2015.

“Mas paralelamente vemos a progressão de enterobactérias resistentes”, afirmou o especialista. É o caso da Escherichia coli. A taxa de resistência das bactérias responsáveis pela gastroenterite ou infecções urinárias aumentou de 1,4% para 11,9%.

Algumas enterobactérias produtoras de carbapenemases confrontam os médicos em impasses terapêuticos, porque elas são resistentes a quase todos os antibióticos. “Felizmente, as epidemias continuam modestas na França porque temos muito boas unidades de controle nos hospitais, o que pode evitar a disseminação dessas cepas, quando detectadas,” disse o Dr. Jean Carlet, presidente da Aliança Contra o Desenvolvimento de Bactérias Multirresistentes – grupo multidisciplinar global que pretende diminuir a transmissão de bactérias super-resistentes. Conter a sua propagação, no entanto, vai exigir a implementação de medidas drásticas e caras, e também urgentes.

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