Mundo | 18 de julho de 2016

Cirurgia e imunoterapia combinadas no tratamento de tumores cerebrais

Os últimos avanços para tratar o órgão mais complexo do ser humano
Cirurgia e imunoterapia combinadas no tratamento de tumores cerebrais

O cérebro é umas das áreas mais difíceis de ser “acessado”. Durante séculos, a medicina tem o observado de longe, mal ousando tocá-lo. Como o periódico espanhol ABC aborda em recente reportagem, a neurocirurgia atual “está se tornando mais ousada, com base em novas visões fornecidas pela tecnologia. As salas de operações tornaram-se áreas ‘inteligentes’ onde pouca coisa é esquecida pelo olho clínico. Neuronavegadores, ressonância magnética e microscópios, que distinguem o tecido saudável do paciente, permitem neurocirurgiões atuarem em uma área onde milímetros fazem a diferença”.

Uma dessas modernas salas de cirurgia está no hospital da Universidade de Navarra, onde trabalha o neurocirurgião Ricardo Díez Valle, coordenador do centro de tumores. “Uma cirurgia longa é esperada. Na mesa de operação aguarda um dos 29 pacientes envolvidos em um único ensaio clínico no mundo que visa alterar o curso natural do glioblastoma, um dos tumores cerebrais de pior prognóstico. A ideia é combinar a cirurgia e o tratamento imunoterápico, aumentando, assim, as defesas naturais do organismo para atacar as células de tumor”. Todos os pacientes recebem, antes e depois de uma cirurgia, uma potente droga, o nivolumab.

Todos os exames são realizados na Clínica de Navarra. “Este centro foi escolhido para homogeneizar, ao máximo, os resultados da cirurgia porque o prognóstico deste tumor está intimamente ligado à capacidade do cirurgião em remover tanto quanto possível o tumor, pelo menos o que está visível”. Como ressalta o ABC, é “o único na Espanha com as técnicas de imagem mais modernas dentro de três salas de cirurgia”.

Lentamente, e com delicadeza, Díez Valle começou a romper as “barreiras” que protegem o órgão humano mais complexo e misterioso. “Primeiro, o crânio, com uma pequena serra que permeia a atmosfera de um som e um odor que lembra o ambiente de um dentista. Então é hora de remover as fronteiras, algumas quase invisíveis para o olho destreinado – a pele, dura-máter (a mais externa das três meninges que envolvem o cérebro) – até chegar a uma massa gelatinosa, rosa a esbranquiçada. E então se chega a ele, vulnerável e acessível: o cérebro humano. É aqui que começa realmente a cirurgia”, explica o neurocirurgião.

A missão é atingir o tumor, o tecido maligno que está impregnando o cérebro, e removê-lo quase totalmente. Camada por camada, como uma cebola, você precisa para perfurar até 7cm para caçá-lo”, diz o especialista espanhol. “Precisamos eliminar 95% do tumor. Os 5% restantes vão ser tratados com a administração do medicamento”, completa.

O glioblastoma é um tumor perigoso, muito difícil de superar “mesmo com as melhores técnicas cirúrgicas, porque as células tumorais muitas vezes permanecem infiltradas no tecido cerebral, como se estivessem se escondendo. A maioria dessas massas de tumor tem um componente sólido que pode ser operado, mas também possuem um componente difuso, difícil de remover com um bisturi, e isso é normalmente responsável pela recaída de muitos pacientes operados. A quimioterapia e a radioterapia tentam chegar onde a cirurgia não é capaz. Agora, também há um “às na manga” para garantir completamente o tratamento: a imunoterapia, a última promessa da oncologia”.

Imagens em tempo real

Na sala de cirurgia, a primeira vista, é quase impossível distinguir o tecido saudável do paciente. Embora a cirurgia esteja programada nos mínimos detalhes, com exames de imagem para localizar o tumor, os instrumentos da nova sala de operações guiam o neurocirurgião para evitar dar um passo em falso. “A tecnologia nos dá segurança. Você pode ser o melhor neurocirurgião no mundo, mas sem as ferramentas certas você está cego, não tem todas as informações que você precisa para ter sucesso. Por mais que se planeje a intervenção, são necessárias imagens em tempo real”, diz Sonia Tejada, neurocirurgiã e membro da equipe comandada pelo Dr. Valle. “Quando se toca no interior do cérebro, a lesão se modifica e pode mover-se do local em que estava no estudo pré-operatório”, lembra ela.

A especialista conta como médicos operam (chamados neurocirurgiões dos pobres) em um hospital em Mumbai (Índia), onde são selecionados cidadãos com menos recursos. Eles possuem o melhor sistema de microscópio e neuronavegação. “No hospital o único luxo é o instrumental”, diz Tejada. “Um microscópio de fluorescência atua como um informante, iluminando de flúor rosa as células a serem combatidas. O neuronavegador define limites para o cirurgião. Esta ferramenta é a única que desenha um mapa do cérebro para evitar que o bisturi atinja uma área sensível, onde você poderia danificar irreversivelmente as habilidades motoras do paciente, como a capacidade de falar, de enxergar, entre outras”.

Depois de algumas horas, é removida a primeira parte grande do tumor, uma massa pegajosa que resiste a ser eliminada, um tumor maligno de cerca de 5cm. “Já se passaram seis horas desde que a operação começou. Durante este tempo, o neurocirurgião e seus assessores não pararam de separar, cortar, limpar, sugar e remexer o cérebro. Movimentos repetitivos que podem ser quase tediosos para se dedicar simplesmente a olhar. Mas também assustador. É surpreendente que as mãos do especialista não deixam marcas depois de mexer e tocar tanto um órgão aparentemente tão sensível”, destaca a reportagem do ABC.

Não se ouve música ou qualquer conversa entre os membros da equipe cirúrgica, a não ser sobre o processo instrumental. “Nada altera o ritmo profissional que impõe o ‘chefe’, apenas o ‘bip’ repetitivo dos monitores para relatar os sinais vitais do paciente. “Eu não fico entediado, eu preciso de concentração. As horas passam sem que eu perceba”, garante Díez Valle.

A cirurgia está quase concluída, mas não sem antes um último controle de qualidade: uma ressonância magnética. “Nesse momento, a sala de cirurgia, até então um quarto fechado, torna-se uma área aberta. Como uma caixa desmontável, ela se abre para transladar o paciente sem retirá-lo da mesa de operação para uma ressonância magnética. Com o crânio ainda aberto e a pessoa anestesiada, é efetuada uma nova imagem cerebral para verificar se o tumor foi completamente removido. O usual nos centros onde não está disponível uma ressonância é fazer este exame dois ou três dias após a operação, obrigando o paciente a abrir novamente o crânio se restos tumorais forem encontrados”. No caso da instituição espanhola, “se o tumor for detectado, não precisaria uma nova operação. Seria suficiente deslocar o paciente por três metros para continuar o trabalho da área afetada na própria sala de operações”, considera. Na operação citada como exemplo, isso não foi necessário. “O exame apenas confirmou que tudo correu bem”.

Sala híbrida, o futuro operacional

A Clínica da Universidade de Navarra inaugurou um complexo cirúrgico pioneiro na Europa, que conta com as técnicas de imagem mais modernas em três salas de cirurgia desde abril. “Esta área é reservada para operações mais complexas, como a remoção de certos tumores, cirurgias urológicas, de ouvido, de epilepsia, de Parkinson ou para intervenções cardíacas. A jóia do complexo é uma ressonância magnética que pode realizar os exames durante a cirurgia, o que é essencial quando se trabalha no sistema nervoso”. Não há, na Espanha, outro hospital com equipamento similar na sala de cirurgia, apenas nos EUA, Reino Unido ou República Checa, que se tenha conhecimento.

“Ao lado da sala de cirurgia com ressonância magnética estão duas outras salas híbridas que possuem equipamentos de radiologia robótica para capturar imagens do interior dos vasos sanguíneos em 3D” que podem ser feitas a partir da mesma mesa de operação, sem mover o paciente.

Mais segurança e precisão, “é o que dizem os especialistas que começaram a trabalhar no novo complexo cirúrgico”. O planejamento para as intervenções ainda é necessário, “mas é muito útil interagir com as imagens prévias e as que são feitas ao vivo. Isso nos dá maior segurança e promove o trabalho em equipe de diferentes especialidades, como entre cirurgiões cardíacos e cardiologistas intervencionistas, no caso de doenças do coração”, explica José Ignacio Bilbao, especialista em radiologia no Hospital da Universidade de Navarra. Ele diz que “diferentes dispositivos, de tamanhos grandes, são movidos com um simples movimento das mãos e um ‘joystick’, semelhante à linha de montagem de uma fábrica de automóveis”.

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