Estatísticas e Análises, Mundo | 15 de agosto de 2016

A polêmica dos estudos que questionam o elevado preço dos medicamentos

Divergências opõem ONG, indústria farmacêutica e operadoras de planos de saúde
A polêmica dos estudos que questionam o elevado preço dos medicamentos

Institute for Clinical and Economic Review (ICER), uma organização de pesquisa sem fins lucrativos norte-americana que se propõe a melhorar os cuidados de saúde fornecendo análises do custo-efetividade de tratamentos, exames e procedimentos, tem promovido estudos que “atacam” o alto preço aplicado pela indústria farmacêutica em muitos dos medicamentos lançados recentemente.

Em maio, por exemplo, o ICER recomendou um desconto de 75% para 89% no custo por frasco de Empliciti (elotuzumab), da Bristol-Myers Squibb. O tratamento com o Emplicit (aprovado em 2015 e usado para tratar o mieloma múltiplo) pode alcançar mais de cem mil dólares por ano nos EUA. Outros medicamentos, como Kyprolis (carfilzomib) da Amgen e Ninlaro (ixazomib) da Takeda também deveriam ter descontos, segundo o relatório.

A indústria de medicamentos não concorda com os resultados apresentados pelo ICER e tem argumentado que os estudos são movidos pelos interesses das operadoras de planos de saúde e falham ao adotar a perspectiva do paciente em consideração. “Essas avaliações não devem ser utilizadas para a tomada de decisão que determina o acesso a medicamentos inovadores”, respondeu a Bristol-Myers, em comunicado. A biofarmacêutica Amgen, afirmou que as análises “não são clinicamente relevantes”.

De qualquer forma, as avaliações do ICER sobre novas drogas têm chamado a atenção como uma forma de avaliar e comparar o valor de tratamentos.

Ao contrário de alguns países da Europa, nos EUA não há um órgão do governo encarregado de avaliar o investimento, custo e resultados na escolha entre alternativas terapêuticas. Na ausência de uma voz oficial, a avaliação do ICER é considerada por muitos como uma forma de segurar os preços mais elevados de algumas drogas.

Por sua vez a PhRMA, um poderoso grupo que representa os principais pesquisadores biofarmacêuticos e empresas de biotecnologia dos EUA, também se manifestou contra o ICER. “O modelo desenvolvido pelo ICER utiliza uma metodologia que é sistematicamente tendenciosa contra o progresso contínuo, desvalorizando os avanços através de cortes no orçamento e com limiares de valor one-size-fits-all (termo inglês que se refere a um tratamento padrão para todos os pacientes)”, disse a PhRMA em um comunicado em maio.

Inicialmente, o ICER respondeu solicitando sugestões da população em sua metodologia. Mas, em sua resposta recentemente publicada, o instituto adotou uma postura mais agressiva. “Infelizmente, muitas das críticas mais recentes tem sido alimentada por uma falta de conhecimento sobre o ICER ou mesmo a descaracterização intencional por aqueles que se opõem a um movimento em direção à fixação de preços de acordo com valores justos para os pacientes”, disse o grupo.

O ICER tenta rebater as críticas que sinalizam representar os interesses das operadoras de planos de saúde, que buscam cortar custos e defende sua metodologia, que se baseia em uma métrica conhecida como “anos de vida ajustados por qualidade” (QALY – quality adjusted life years), que trata do custo-utilidade de diferentes intervenções que ajudam a estabelecer prioridades para a alocação dos recursos, notoriamente escassos. Um “QALY” combina, em uma única medição, ganhos ou perdas em ambos, quantidade de vida (mortalidade) e qualidade de vida (morbidade)*.

O ICER se defende dizendo que, atualmente, 70% do seu financiamento vem de organizações filantrópicas, com apenas 9% vinculado a contribuições de planos de saúde e grupos de fornecedores. “Segundo o grupo, a maior fonte de financiamento durante seus três primeiros anos veio do Conselho Farmacêutico Nacional (National Pharmaceutical Council, NPC), uma organização de pesquisa apoiada por muitas das principais empresas biofarmacêuticas”.

Mas como destacou o portal Biopharma Dive, o Conselho teve dificuldade para descrever sua relação com o ICER. “Para ser claro, o engajamento do NPC com o ICER não é um endosso dessa organização [ICER] nem do seu método de avaliação de valor”, afirmou o NPC em comunicado. O NPC tem sido um parceiro do ICER desde 2008, mas recentemente tornou-se mais crítico em relação aos métodos do ICER.

O Instituto justifica que suas avaliações estão baseadas no engajamento junto aos pacientes e aos grupos de defesa do consumidor, e defendeu o modelo QALY como o principal modelo padrão de análise.

As críticas sobre o ICER não devem diminuir. “O BIO, outra organização da indústria de biotecnologia, já começou a adotar uma posição pública mais assertiva enquanto a PhRMA está supostamente se preparando para uma grande campanha publicitária para mudar a visão pública em relação aos preços de medicamentos”. Do outro lado, o ICER não dá indícios de que vá recuar. “Se os preços não entram em alinhamento em relação ao valor, haverá uma crise mais profunda no acesso dos pacientes e à acessibilidade da sociedade, criando uma potencial ameaça para a inovação no futuro”, disse o grupo.

* Farmacoeconomia: QALY (Quality-Adjusted Life-Year), de Giácomo Balbinotto Neto/UFRGS (acessado em 14 de agosto 2016, pelo link)

Médicos norte-americanos criticam altos preços dos medicamentos e sugerem mudanças

O custo dos medicamentos sobe 36% na Espanha

Reino Unido reage contra o alto preço dos novos medicamentos

Medicamentos contra o câncer custam mais nos EUA

A importância da farmacoeconomia na auditoria em saúde

Compra conjunta de medicamentos gera 83% de economia a países do Mercosul

Especialista da Novartis é a convidada da primeira edição dos Debates Auditoria e Saúde

VEJA TAMBÉM