A feminização da força de trabalho da saúde no Brasil
Estudo da Fiocruz aborda a situação das mulheres no mercado de trabalhoCinco pesquisadoras da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), focadas nas discussões sobre o percentual de trabalhadoras da área de saúde, realizaram uma pesquisa com dados sobre o tema “A Força de Trabalho do Setor de Saúde no Brasil: Focalizando a Feminização”.
O artigo – assinado pela bióloga Mônica Wermelinger, a socióloga Maria Helena Machado, a médica Maria de Fátima Lobato Tavares, a nutricionista Eliane dos Santos de Oliveira, a socióloga Neuza Maria Nogueira Moysés – ressalta que, nas últimas décadas, verificou-se um aumento significativo da presença das mulheres no setor. O trabalho foi publicado na Revista Divulgação em Saúde para Debate.
As especialistas revelam que, nas últimas décadas, verificou-se um crescimento contínuo da presença das mulheres no contingente de trabalhadores disponíveis para o mercado de trabalho. “Nos países da Europa, o incremento da população economicamente ativa nos últimos trinta anos deveu-se basicamente ao aumento da taxa de participação feminina. No período de 1965-1991, o número de mulheres na força de trabalho aumentou de 39,6 para 53,2 milhões, enquanto o de homens diminuiu de 83 para 81,8 milhões. Na América Latina, entre 1960 e 1990, o quantitativo de mulheres economicamente ativas mais que triplicou, passando de 18 milhões para 57 milhões”. Em termos de participação no mercado, o aumento feminino foi de 18% para 27%, enquanto os homens diminuíram de 77,5% para 70,3%.
“No Brasil, verificou-se aumento da taxa bruta de participação feminina de 13,6%, em 1950, para 26,9%, em 1980, chegando a 47,2% no final da década de 1990. Essa entrada maciça de mulheres não representa, necessariamente, uma redução das desigualdades profissionais entre os gêneros. “A maior parte dos empregos femininos continua concentrada em alguns setores de atividades e agrupada em um pequeno número de profissões”. No setor de saúde, a participação das mulheres chega a quase 70% do total, sendo 62% da força de trabalho das categorias profissionais de nível superior, e 74% nos estratos profissionais de níveis médio e elementar.
As mulheres dominam a categoria dos nutricionistas, correspondendo a 95% dos profissionais. O artigo destaca que “é prudente registrar que profissões tradicionalmente masculinas, como medicina, odontologia e medicina veterinária estão cada vez mais femininas”.
“O setor de saúde, em todo o mundo, tem forte vocação feminina, ainda que nos países mais ricos essa vocação tenha uma expressão mais forte”. Um estudo realizado na década de 1990, citado no artigo, lembra que “enquanto nos EUA e no Canadá se encontram taxas de participação feminina relativamente elevadas (43,3% e 42,8%, respectivamente), países como Brasil (33,5%), Argentina (26,9%), Chile (26,2%), Costa Rica 26,1%) e México (19,8%) exibem taxas que, ainda que subestimadas nas estatísticas oficiais, são significativamente inferiores”.
Ao analisar dados do Brasil relativos à força de trabalho em saúde, as autoras apontam para o fenômeno da feminização. “O contingente feminino tem-se tornado francamente majoritário nesse ramo da economia, especificamente no período pós-1970, quando essa participação passa a ser mais expressiva e progressivamente maior”. Na década de 1970, representava 20% do conjunto da força de trabalho em saúde de nível superior, quase metade dos 39% registrados em 1980. “Destacam-se, aí, as categorias médica e odontológica, que acusaram, naquele período, crescimento de 302% e 344%, respectivamente”.
Há quatro décadas, as mulheres eram aproximadamente 95% dos profissionais de enfermagem, 39% dos médicos, 33% dos farmacêuticos, 15% dos dentistas e 6% dos veterinários de todo o mundo. Dados do IBGE de 2000 mostram a expressão feminina na saúde, com ênfase nas funções de níveis técnico e auxiliar: do total de 709.267 pessoas ocupadas no setor com escolaridade universitária (empregos), 61,75% são mulheres, e, entre os médicos, elas representam 35,94%; entre os dentistas, 50,93%; entre os enfermeiros, 90,39%; e entre os nutricionistas, 95,31%.
Por outro lado, nos níveis técnico e auxiliar, (que somam mais de 900 mil Empregos), a feminização é mais acentuada, 73,7% do total, com 77,88% dos técnicos em fisioterapia e afins, 78,03% dos atendentes de enfermagem, parteiras e afins, e 86,93% dos técnicos e auxiliares de enfermagem são do sexo feminino.
Na análise de dez profissões de saúde de nível superior, os médicos são os que apresentam maior contingente no Brasil, seguidos por cirurgiões-dentistas, assistentes sociais, psicólogos e psicanalistas, enfermeiros, fisioterapeutas, farmacêuticos, nutricionistas, veterinários e, com o menor número de profissionais, a categoria dos biólogos.
O processo de feminização também permite “perceber aumento da participação feminina nas faixas etárias mais jovens. Na categoria médica, enquanto as mulheres representam 36% do total, são 48% da faixa etária abaixo de 29 anos. Dentre os cirurgiões-dentistas, elas representam 51% do total e 64% dessa faixa etária e, entre os veterinários, são 34% do total e 50% entre os mais jovens”.
A força de trabalho em saúde no Brasil é eminentemente feminina e urbana (66% do total).” As exceções são as categorias profissionais dos médicos, em que o profissional, masculino e urbano, representa 63% do total, e a dos veterinários, em que 62% são homens de áreas urbanas. Quanto às áreas rurais, apenas 4% estão nesses locais, e o maior contingente de profissionais é de níveis médio e elementar, correspondendo a 85% do total nessas áreas”.
Os resultados, vale ressaltar, “ainda são, sob muitos aspectos, obscuros. Existem inúmeras questões relacionadas à análise de gênero, que são apontadas por estudos relativos ao mercado de trabalho em geral, mas que não encontram análises correspondentes no setor de saúde”. Por fim, as autoras colocam algumas questões para reflexões críticas que possam orientar a condução de novos estudos:
– A questão da escolaridade influencia na feminização tanto nas profissões de nível superior quanto nas de nível médio? Em quais e em que escala? Ou, esse dado reflete, apenas, o enorme “exército de reserva” que ainda existe na população feminina entre 25 e 65 anos?
– É possível evidenciar uma relação com a remuneração mais baixa comparando-se mulheres e homens nos mesmos níveis de ocupação, mesmos níveis de escolaridade, em todos os níveis de complexidade dos serviços de saúde?
– A precarização está ocorrendo nos mesmos índices para homens e mulheres?
– Em relação aos cargos de chefia e/ou supervisão, também está ocorrendo a feminização da força de trabalho em saúde?
– Há diferenças significativas em relação à continuação da formação em nível de pós-graduação entre homens e mulheres da força de trabalho em saúde?
– O que dizem os grupos que pesquisam as questões da situação de trabalho em saúde sobre a própria saúde do trabalhador da saúde? Por exemplo, níveis de estresse, situações de incômodo e de fadiga.