Empregabilidade e Aperfeiçoamento, Gestão e Qualidade | 12 de agosto de 2022

A defesa da ciência e a necessidade de desenvolver habilidades para enfrentar a desinformação

Natalia Pasternak e Stuart Firestein participaram do Grand Round no Hospital Moinhos de Vento, realizado nesta quinta-feira (11), em Porto Alegre
A defesa da ciência e a necessidade de desenvolver habilidades para enfrentar a desinformação

Os novos desafios para a ciência diante da polaridade dos tempos atuais e do fenômeno das fake news foram destaques do Grand Round – Edição Especial Fronteiras do Pensamento – do Hospital Moinhos de Vento, realizado nesta quinta-feira (11) no Anfiteatro Schwester Hilda Sturm, em Porto Alegre. O portal Setor Saúde esteve presente e acompanhou os debates.

Natalia Pasternak, uma das mulheres mais influentes e inspiradoras do mundo em 2021, de acordo com a BBC 100 Women, vencedora do prêmio Jabuti; e Stuart Firestein, neurocientista norte-americano reconhecido por seus estudos sobre a natureza do olfato e autor de “Ignorância: como ela impulsiona a ciência”, debateram temas importantes da atualidade, para uma plateia formada por membros do corpo clínico e colaboradores da instituição. Ambos já haviam realizado palestra no dia 10, no Casa da OSPA, na edição gaúcha do Fronteiras do Pensamento 2022, que teve lotação completa. 

Na abertura, Mohamed Parrini, CEO do Hospital Moinhos, explicou a importância para a instituição hospitalar apoiar eventos como o Fronteiras do Pensamento: “Queremos contribuir para a construção de um mundo melhor. Uma grande ideia, que vai transformar o mundo, pode nascer aqui. E se ela vier, que estejamos de braços abertos para recebê-la”, destacou Parrini.

Na sequência, sob a moderação do superintendente médico, Luiz Antônio Nasi, os palestrantes salientaram como os profissionais da saúde e pesquisadores podem se tornar “comunicadores da ciência” e como podem lidar de forma mais assertiva diante das incertezas, notícias falsas, intolerância e negacionismo.

Segundo Pasternak, as incertezas são parte da ciência e da medicina. Geralmente o paciente e os seus familiares estão em busca de certeza, do conforto e da segurança. E quando não encontram  podem, muitas vezes, ir atrás de um “picareta”, que vai dar as “falsas certezas” ou as “falsas seguranças”, indicando caminhos que invariavelmente desviarão o paciente do melhor tratamento. “Este é o maior desafio que vocês, com certeza, já passaram, já que comunicar incertezas não é fácil”, destacou.

A defesa da ciência e a necessidade de desenvolver habilidades para enfrentar a desinformação--

Para Pasternak, é preciso que os médicos e os profissionais de saúde tenham uma dose de humildade para reconhecer que não sabem de tudo. Porém, é essencial que consigam demonstrar o orgulho do conhecimento que possuem para poder explicar como a ciência evoluiu para a entrega de tratamentos que realmente podem ajudar o paciente.

“Precisamos acolher as incertezas, compartilhando o que sabemos e o que não sabemos, para que o paciente e os seus familiares possam tomar decisões informadas… mas mais do que isto, em alguns casos, precisaremos inocular o paciente contra a desinformação, alertando-o que há vendedores de falsas certezas… Desmentir notícias falsas é muito importante, infelizmente nós também precisamos fazer isso nos dias de hoje.”

A especialista reforça que esta é uma das ferramentas mais importantes na prática atual da medicina, pois pode ajudar a impedir que falsas notícias se espalhem e que menos pessoas se afastem dos benefícios que a ciência pode entregar. Em comparação às fake news, Pasternak lembra que uma vantagem para os profissionais da saúde é que no acolhimento, na consulta com o médico, por exemplo, já há uma relação de confiança. “É importante que o paciente saiba que vocês estão fazendo tudo que a ciência já sabe para ajudá-lo.”

Ela apontou ainda que há carência de cursos e linhas de pesquisa nas escolas de medicina e de saúde para ajudar os novos profissionais a saberem atuar contra a desinformação. Ela salienta que é necessário saber como traduzir da melhor forma a linguagem da ciência para os leigos. “Muitas escolas de medicina me perguntam o que fazer para mudar este cenário [de dificuldade em comunicar]. Eu respondo sempre o mesmo: basta fazer.”

Segundo Pasternak é imprescindível ter mais espaços para debates – tanto na graduação como nos cursos de especialização, mestrado e doutorado – sobre fake news, desinformação e como se tornar um “comunicador da ciência”, capaz de utilizar habilidades para apresentar os avanços da ciência com uma roupagem transparente e acessível.  “E claro, é preciso valorizar mais aqueles que nas universidades se dedicam ao tema da comunicação científica”, completou Pasternak.


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O neurocientista Stuart Firestein entende que o conhecimento depende de fatores como ignorância, fracasso e incerteza. Para Stuart, seguir em frente, mesmo em meio às incertezas, é o caminho natural para se alcançar o conhecimento e o desenvolvimento pessoal. ” Por meio do fracasso conseguimos manter a inquietação para seguir buscando novas e melhores perguntas… por isso podemos dizer que a ignorância nos ajuda a caminhar em direção ao conhecimento”, explica. 

A defesa da ciência e a necessidade de desenvolver habilidades para enfrentar a desinformação-

Intolerância 

Conforme lembrado pelo CEO do Moinhos, em um mundo em que cada pessoa acredita que está certa, surge discussões que envolvem o “paradoxo da tolerância”, descrito no livro “The Open Society and Its Enemies” (1945), do filosofo Karl Popper. Segundo Parrini, Popper sempre defendeu a tolerância, mas em um determinado momento histórico, ele passou a acreditar que era preciso ser intolerante contra a intolerância. Parrini indagou a Pasternak e Firestein qual seria a visão deles sobre esta frase no contexto atual, onde cada um acha que a sua verdade é a que vale.

“É importante entendermos que o conflito de ideias sempre ocorrerá. E não é incomum encontrarmos mais de uma resposta correta. A própria ciência, não garante a certeza absoluta sempre.” Para ele, mesmo que a polaridade ideológica seja marcada por elementos que afastem as pessoas, ela nada mais é que a comprovação da heterogeneidade que existe a partir da convivência com os demais. O debate pode se acalorar em alguns momentos, mas as próprias diferenças mostram, em algum momento, que temos interesses comuns que podem nos aproximar. “Para encontrar esta aproximação, não há caminho sem o debate”, explica.

Para Pasternak não se pode ter tolerância em assuntos como racismo, machismo, homofobia. “Ao mesmo tempo, nós temos que tomar o cuidado em separar, principalmente na ciência, quem são os proponentes do negacionismo, aquelas pessoas que estão vendendo ilusões, os charlatões, os picaretas, ou seja, pessoas que realmente vendem a desinformação e alimentam os movimentos anticiência e negacionista, assim como identificar quem são as vítimas. Com os primeiros [negacionistas], não dá para ser tolerante. Eles precisam ser expostos, precisam ser combatidos, mesmo porque eles estão matando pessoas, por causa de motivações políticas, ideológicas ou financeiras. As vítimas, por outra lado, não podem ser colocadas no mesmo patamar. Um pai ou uma mãe antivacina que chega em um consultório, cheio de dúvidas ou mesmo se colocando de um forma agressiva, dizendo que as vacinas fazem mal, causam autismo… se o profissional que estiver atendendo for intolerante, chamando-os de negacionistas, esta intolerância não vai chegar a lugar nenhum.” Pasternak reforça que é importante exercitar a tolerância com as vítimas por meio de um acolhimento que ajude a deixar claro que a ciência, mesmo com as suas incertezas, segue evoluindo e entregando avanços para a melhoria da qualidade de vida das pessoas.

Fronteiras do Pensamento: Tecnologias para a Vida

No ano em que comemora os seus 95 anos, o Hospital Moinhos de Vento é mais uma vez o patrocinador oficial do Fronteiras do Pensamento – em Porto Alegre e São Paulo – um dos maiores eventos do país que, há mais de 15 anos, reúne pensadores influentes em ciclos de conferências para debater temas instigantes da atualidade.

Com o tema Tecnologias para a Vida, a temporada 2022 do Fronteiras do Pensamento traz para o debate temáticas nas áreas da ciência, tecnologia, evolução, inovação, humanidade e sociedade digital. Em Porto Alegre, a programação ocorre na Casa da Ospa, de agosto a novembro, também com edições virtuais. Em mais de 15 anos de evento, já foram mais de 300 conferências internacionais realizadas. Conheça a programação acessando https://fronteiras.com/temporada/temporada-2022.

Crédito das fotos: Leonardo Lenskij

 



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