“Um novo ciclo na busca da alta performance”, por Fernando Andreatta Torelly
Em artigo, o CEO do hcor e idealizador da Agenda Executiva em Saúde sugere mudanças nos processos atuais utilizados para avaliar e desenvolver pessoas.Em artigo, Fernando Andreatta Torelly, CEO do hcor, presidente da Associação Voluntários da Saúde e idealizador da Agenda Executiva em Saúde, faz uma reflexão sobre os processos utilizados atualmente para avaliar e desenvolver profissionais. Torelly sugere ações e mudanças práticas que podem auxiliar na melhoria dos processos de gestão de pessoas e na busca pela alta performance dos profissionais da Saúde.
“Há algum tempo, questiono o real benefício de algumas metodologias de avaliação de desempenho, em especial, no setor de Saúde. Acredito que devamos estender nosso olhar à integralidade do ser humano, ou seja, suas emoções e sentimentos. Somente por meio de uma relação forte de confiança, líder e liderado poderão, em conjunto, construir um caminho mais próspero de desenvolvimento. Este artigo tem como objetivo aprofundar esse olhar e trazer uma provocação a todos nós, líderes. Espero contribuir na construção de ambientes mais saudáveis e positivos em nossas organizações. E quero te ouvir! Qual sua opinião sobre o tema?”, indaga Torelly.
Leia abaixo ou acesse a conta oficial de Torelly no Linkedin para ler e interagir com o executivo sobre o texto: clique aqui.
Um novo ciclo na busca da a performance
O segmento hospitalar, que atuo há três décadas, possui algumas características distintas de outros segmentos. Nele, o processo principal é o cuidado do paciente, sendo que cada um deles possui características diferentes e requer necessidades de cuidados físicos e psicológicos distintos. O trabalho no setor da saúde, em especial no segmento hospitalar, por mais que tenha processos e rotinas bem definidas, exige um cuidado integral e individualizado de cada paciente. Além disso, os hospitais também possuem uma característica cada vez mais diversa em relação a outras indústrias: eles incorporam novas tecnologias na busca da cura e tratamento de doenças sem reduzir o contingente da força de trabalho. Nos hospitais e em outras instituições de saúde, máquinas não substituem pessoas; é sempre gente cuidando de gente.
Neste sentido, precisamos de competências especiais, e talvez únicas, nas organizações de saúde para cuidar de pessoas. Precisamos que os trabalhadores de saúde tenham sempre empatia com os pacientes e suas individualidades e que mantenham a sensibilidade e a afetividade em seus tratamentos. Estas competências vão além de questões técnicas – que evidentemente são primordiais na qualidade do cuidado – e requerem um relacionamento próximo e efetivo entre pacientes e profissionais. O que quero destacar, com isso, é a característica do sistema de liderança em organizações de saúde: organizações mais intensivas em questões humanas necessitam de uma cultura organizacional que sustente um ambiente positivo de trabalho.
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Minhas observações decorrem de mais de três décadas de trabalho em cargos de liderança, gestão de pessoas e na função de CEO em importantes hospitais brasileiros e elas são específicas ao processo de gestão ou avaliação de desempenho, o tradicional feedback estruturado e registrado que realizamos em algumas de nossas organizações. Essa experiência me permite afirmar que tal modelo – ou qualquer outra forma tradicional de realização de feedback – não atende às atuais necessidades das organizações de saúde. Por essa razão vou abordar uma nova visão a esse respeito.
Em minha narrativa, não me refiro aos processos de coaching, mentoria e assessment em profundidade na busca de desenvolvimento profissional por considerá-los os maiores investimentos que podemos fazer para o desenvolvimento de pessoas. No texto, foco na crítica aos atuais métodos e processo de avaliação ou gestão anual de desempenho profissional.
A seguir, apresento alguns pontos de reflexão oriundos a partir de minha experiência profissional:
1. Periodicidade: em muitas organizações de saúde, temos a obrigação de realizar uma avaliação anual formal de desempenho. O ponto a destacar é que, para um melhor desempenho e fortalecimento de competências de um profissional, seriam necessárias no mínimo três avaliações. O feedback deveria ser cada vez mais real-time a fim de transformar a busca da melhoria do desempenho em um processo contínuo e vivo para todos os profissionais de saúde.
2. Linguagem: a linguagem para um feedback efetivo tem que ser clara e objetiva, destacando os pontos fortes do profissional (reconhecimento) e também as necessidades de melhorias (que no passado chamávamos de pontos fracos). Temos que utilizar os conceitos do livro “Empatia assertiva”, de Kim. A obra enfatiza a necessidade do líder demonstrar interesse genuíno no desenvolvimento de cada profissional de sua equipe e, ao mesmo tempo, realizar um feedback direto e claro do que precisa ser melhorado no desempenho do colaborador.
3. Conceitos ou classificações: o resultado final de uma avaliação ou gestão de desempenho não pode ser traduzido ou resumido em uma nota, conceito ou classificação. Líderes são diferentes. Eles possuem as suas histórias de vida, crenças, competências e experiências diferentes e utilizam a subjetividade em qualquer processo de avaliação de competências. O processo de avaliação está impregnado por estes conceitos.
Na verdade, o resultado final de uma sessão de avaliação ou gestão de desempenho deveria ser o registro daquilo que foi combinado, destacando os pontos de reconhecimento, pontos a melhorar e o plano de desenvolvimento a ser buscado, em conjunto, pelo liderado e seu respectivo líder.
Com base nestas questões, recomendo que:
1. Os sistemas tradicionais e anuais de gestão ou avaliação de desempenho utilizados nas organizações de saúde sejam descontinuados;
2. Que efetivamente nosso investimento seja em líderes que gostem de desenvolver pessoas. Gente que lidera gente;
3. Que as plataformas complexas de avaliação de pessoas sejam desligadas e substituídas por conversas de qualidade, francas, verdadeiras, muitas vezes difíceis, mas sempre necessárias;
4. Que o registro destas conversas seja simples, claro e objetivo e que esteja de acesso fácil a todas as partes envolvidas em todos os momentos de interação;
5. Que estas avaliações sejam usadas para o desenvolvimento de profissionais e não como critério para promoções e desligamentos;
6. Que, de uma forma definitiva, não mais usemos classificações e conceitos para avaliar profissionais e de alguma forma interferir em suas carreiras.
Em seus livros “Mapa estratégico”, “Execução premium” e “Alinhamento”, Kaplan e Norton nos ensinam que a melhor forma de avaliar a performance de um profissional é por meio de sua contribuição para a execução de processos e rotinas eficientes, das ações na busca da fidelização e satisfação dos clientes e em todos os processos que impactam na sustentabilidade da organização. Estas obras deixam claro que temos indicadores mais do que suficientes para que possamos, de forma objetiva, avaliar a entrega de um profissional ou equipe, não sendo necessária avaliações subjetivas – e muitas vezes sem a devida profundidade que a natureza humana exige.
Portanto, utilize as ferramentas e metodologias de gestão ou avaliação de desempenho para desenvolver pessoas e equipes e avalie os resultados por meio de indicadores objetivos de processos, clientes e sustentabilidade.
Agora, temos um novo desafio: como construir conversas de qualidade em ambientes profissionais? Seguem algumas observações que considero importantes:
1. Conversas de qualidade pressupõem relações de confiança entre as pessoas envolvidas. Sem relação de confiança construída, para que líder e liderado possam ser plenos em seus sentimentos, emoções e posicionamentos, o tempo utilizado para estas conversas será perdido, e ainda, talvez o resultado seja pior do que não as fazer;
2. Conversas de qualidade exigem segurança psicológica. Diferente da confiança que pode existir entre duas pessoas, a segurança psicológica está relacionada ao ambiente de trabalho de toda a equipe. Ambientes com segurança psicológica permitem que cada profissional possa ser ele mesmo nas manifestações e sugestões, sem medo de crítica ou manifestações desrespeitosas;
3. Conversas de qualidade pressupõem tempo e dedicação para a equipe. Não separe o tempo da gestão ou avaliação de desempenho dos encontros frequentes com cada profissional da sua equipe. Lembre-se: o feedback tem que ser em real-time, verdadeiro e profundo, para que você seja lembrado como um líder que inspirou e transformou pessoas, isto é, um líder de gente.
Em minha atuação como líder, implantei e usei modelos tradicionais de gestão ou avaliação de desempenho com conceitos, registros em plataformas complexas e foco em avaliação e julgamento, com menor foco em desenvolvimento de pessoas. Agora, gostaria que esta provocação libertasse alguns líderes para que dedicassem seu tempo no essencial, no importante, no humano, e não mais em práticas e metodologias que não respondem à complexidade de uma nova sociedade. Uma sociedade em que o processo de aprendizado é cada vez mais rápido e o conhecimento mais acessível, mas que, porém, resulta em equipes vivendo níveis de sobrecarga e burnout muito acima de períodos anteriores.
Vamos transformar nossos escritórios, nossos hospitais e nossas empresas! E aqueles que pensam, como eu pensava no passado, vão se perguntar: qual será a metodologia que usaremos, qual o sistema, qual roteiro de formulário de avaliação ou como vamos classificar os profissionais? Lamento não ter esta resposta. Portanto, minha sugestão é que aprendamos juntos! Vamos conversar com nossas equipes, com nossos colegas e com nossos professores e consultores e fazer uma primeira pergunta para iniciarmos esta nova etapa de gestão de pessoas:
Qual a melhor forma para construirmos uma conversa de qualidade, baseada na confiança e na segurança psicológica, que possa inspirar, influenciar e apoiar a melhoria do desempenho de todos?
Vamos mudar os conceitos de gestão de recursos humanos ou gestão de pessoas para desenvolvimento de pessoas, para que possamos atender a integralidade de que o ser humano precisa!
Em hospitais, lembre-se: é gente cuidando de gente.
Fernando Andreatta Torelly, CEO do hcor, presidente da Associação Voluntários da Saúde e idealizador da Agenda Executiva em Saúde.