Geral | 1 de julho de 2013

Seminário debateu a desmitificação do suicídio

Tema foi debatido em evento realizado na capital que tratou da Proteção da Vida e Prevenção do Suicídio
Seminário debateu a desmitificação do suicídio

Com a meta de abordar, disseminar e desmitificar um tema tratado como tabu pela sociedade, realizou-se no dia 26, o V Seminário Estadual de Proteção da Vida e Prevenção do Suicídio, organizado pelo Hospital Mãe de Deus.

O especialista no assunto, Dr. Ricardo Nogueira, um dos coordenadores, ressalta que é preciso falar mais sobre suicídio. O Estado apresenta dados alarmantes, e muitas mortes poderiam ser evitadas se as vítimas recebessem o tratamento adequado, a assistência familiar – ou de amigos – de forma correta.

Em Entrevista para o Portal Setor Saúde, Dr. Nogueira falou sobre o Seminário, números de mortes no Rio Grande do Sul, além de revelar certos comportamentos que devem ser notados e combatidos para que mais casos não se repitam.

Setor Saúde – O Seminário foi direcionado exclusivamente para profissionais da saúde, ou também para familiares, pacientes com potencial suicida, etc?

Dr. Ricardo Nogueira – É exclusivo para técnicos. Tivemos bastante procura e as 200 vagas foram preenchidas com antecedência.

Setor Saúde – Até o ano passado, metade das 20 cidades com maior número de suicídios no Brasil era gaúcha. Esse número se mantém?

Dr. Ricardo Nogueira – Não, está pior. Aumentamos para 13 cidades entre as 20 que têm mais casos. É importante ressaltar que só são computados municípios com mais 50 mil habitantes. Queremos chamar atenção para um problema real. No Estado, são três suicídios por dia. No Brasil, são nove mil por ano.

Setor Saúde – Embora todos sejam importantes, quais participantes do seminário tiveram maior destaque no seminário?

Dr. Ricardo Nogueira – Citaria a Dra. Blanca Werlang. Ela é uruguaia, e lá existem mais ocorrências do que no Brasil. Ela mora aqui há mais de 30 anos, é psicóloga da PUCRS, e uma das maiores autoridades mundiais no assunto.

Setor Saúde – Há algum fator determinante para o RS ter um índice tão alto de suicídios?

Dr. Ricardo Nogueira – É uma questão multifacetada. Cerca de 90% dos suicídios são resultados de depressão e consumo de álcool e/ou drogas. A maior incidência, que chega a 33%, são usuários de álcool e droga. Muito se dá por transtornos mentais. Por volta de 10% dos esquizofrênicos se suicidam; os depressivos já somam 30% e usuários de álcool tem uma porcentagem de 33%.

Setor Saúde – Quais causas são as mais comuns para que um indivíduo tome esse caminho?

Dr. Ricardo Nogueira – A questão econômica, o desenlace afetivo, separações. A maioria dos casos vai nessa linha. Temos três suicídios por dia no RS. Em 2008, foram 1158 no Estado. Quando começamos nosso projeto, baixamos o índice em 50 mortes, foi para 1108 em 2011. Temos diminuído a quantidade de vítimas no Estado. Porto Alegre tinha 100 casos por ano, e baixamos em 20% esse número. O programa de prevenção com o qual trabalhamos, já foi utilizado em nove países (como Suécia, Alemanha e Finlândia), sempre com bons resultados.

Setor Saúde – Como é possível analisar um caso e diagnosticar tendências suicidas? É um trabalho que familiares e amigos podem fazer, ou a questão é complexa e requer conhecimento específico?

Dr. Ricardo Nogueira – É como diagnosticar um alcoolizado. O problema é que as pessoas veem o comportamento estranho e não se dão conta. Houve, por exemplo, um paciente que comprou quatro carros iguais de uma vez só. É algo que ninguém faz. Ele foi fazendo essas loucuras e num determinado momento se matou. É um surto maníaco-depressivo. Quem estava próximo via esse paciente destruindo tudo e não o internaram. As pessoas só não enxergam quando não querem.

Setor Saúde – A média nacional, de quatro suicídios para 100 mil habitantes, pode ser considerada alta em comparação a outros países?

Dr. Ricardo Nogueira – Sim, é altíssima. O Rio Grande do Sul, em 2008, tinha 11 mortes pra cada 100 mil habitantes e no Brasil eram quatro. Ou seja, tínhamos o triplo de ocorrências. Se analisarmos dentro da Brigada Militar, esse número é o dobro. Isso porque eles têm acesso a armas. Em Venâncio Aires, na zona rural, temos o maior índice de suicídios do mundo. São números e incidências altas que requerem providências imediatas, não é por acaso.

Setor Saúde – Como é possível proteger e auxiliar os adolescentes, que pertencem ao grupo com maior número de tentativas de suicídio?

Dr. Ricardo Nogueira – Pesquisas com jovens de Porto Alegre, Capital com muitos suicídios nessa faixa etária, mostrou que 26% deles reclamam de desesperança. Eles ficam no computador, isolados, depois de um tempo explodem e os pais não têm conhecimento do que aconteceu. É preciso estar sempre junto, saber o que eles olham na Internet, os motivos para não terem amigos, não dormirem direito e às vezes nem tomam banho. Isso não é normal. Ou aquele cidadão que briga com todo mundo, bate e arranha o carro sempre. Há algo errado com esse comportamento, mas quem está por perto não quer puxar briga. Uma pesquisa feita com a Secretaria de Segurança também lembra que os pacientes tinham uma quantidade excessiva de Boletins de Ocorrência. Um paciente teve 15, sendo que a última foi o próprio suicídio.

Setor Saúde – Existe um perfil do suicida?

Dr. Ricardo Nogueira – São pessoas demitidas, desempregadas, se separando, em situação de conflito. A maioria dos suicídios é resultado de problema afetivo, o marido mata a ex-mulher e em seguida se mata. Há muita ligação com homicídios. Essa é o pior tipo de violência, porque é autoinfligida, a própria pessoa se fere. Como controlar? Tivemos 500 homicídios no RS em 2013, número quase igual ou até menor em comparação ao suicídio, que são três por dia, média de 90 por mês. O problema é que as pessoas se negam a falar disso e, se não conhecemos essa informação, não podemos tratar. Temos que ensinar pacientes a seguir vivendo, sofrendo e sonhando, com capacidade de superar as frustrações, abrindo a perspectiva do sonho, que é fundamental para seguirmos em frente.

VEJA TAMBÉM