Mundo | 7 de abril de 2016

Nestlé mira empresas de biotecnologia nos EUA

Nestlé Health Science, subsidiária da multinacional suíça vem sondando startups
Nestlé mira empresas de biotecnologia nos EUA

A Nestlé, gigante global de alimentos conhecida pela venda de produtos como chocolate, sorvetes e cereal matinal, vem atuando de forma semelhante à uma grande empresa farmacêutica. É o que aborda uma reportagem do Stat, portal norte-americano especializado em saúde e medicina.

A subsidiária Nestlé Health Science que desenvolve produtos nutricionais para melhorar a saúde, está investindo fortemente em empresas voltadas para o controle de afecções como infecções intestinais, perda de massa muscular e a doença de Alzheimer. Ela foi inaugurada em uma unidade avançada no núcleo de biotecnologia situado em Kendall Square em Cambridge, Massachusetts (EUA).

A publicação do Stat, de 30 de março, revelou que “o CEO Greg Behar, que assumiu o comando da subsidiária em 2014 depois de mais de uma década na indústria farmacêutica, passou três dias na semana passada na área de Boston, em parte para explorar as empresas de biotecnologia como alvos de investimentos”. A busca é por startups com gestão forte e boa ciência em campos como saúde do cérebro e gastrointestinal. “Enquanto estivermos encontrando-as, vamos continuar a investir”, disse Behar em entrevista durante sua viagem.

Até o momento, a Nestlé Health Science tem se concentrado em colocar suplementos alimentares no mercado. “Eles estão claramente regulados – não há ensaios clínicos necessários – por isso é muito mais rápido e mais barato chegar às prateleiras das lojas, em comparação aos produtos farmacêuticos tradicionais”.

Isso pode mudar à medida que a empresa começa a fazer movimentos em produtos regulamentados. A subsidiária está em negociações com a agência reguladora dos EUA, a Food and Drug Administration (FDA), enquanto mapeia um caminho para a aprovação regulamentar de dois dos seus produtos experimentais. “A Nestlé conseguiu luz verde da FDA para iniciar testes em estágio final (em humanos) para um alimento médico desenvolvido internamente, visando a doença de Crohn (doença inflamatória grave do trato gastrointestinal, que afeta predominantemente a parte inferior do intestino delgado e intestino grosso, mas pode afetar qualquer parte do trato gastrointestinal). Os documentos foram submetidos à FDA sobre como a empresa planeja conduzir testes para um composto de droga licenciada de uma empresa alemã de biotecnologia para tratar a colite ulcerosa (inflamação do cólon)”.

O novo foco está gerando polêmica. “É definitivamente uma incursão para a área de biotecnologia”, disse Noubar Afeyan, CEO da empresa de venture capital Flagship Ventures, empresa de investimento focada em inovação em saúde, que tem uma parceria estratégica e financeira com a Nestlé Health Science. Lançada há cinco anos, a subsidiária da Nestlé emprega três mil pessoas no mundo e tem receita anual de cerca de US$ 2 bilhões. Os principais produtos são: shakes nutricionais com altas doses de proteína vendidos sob a marca Boost, e shakes e sopas comercializados sob a marca Meritene, para redução de “cansaço e fadiga”, entre outros benefícios. “Juntos, Boost e Meritene já são cerca de um quarto (1/4) da receita anual”.

A subsidiária focada em saúde representa apenas uma pequena fração das vendas globais da companhia suíça. Mas os executivos dizem que querem, aumentar a receita. Para isso, a empresa revelou um investimento de US$ 200 milhões e acordos com as empresas de biotecnologia Seres Therapeutics (que desenvolve terapias com base em insights sobre biologia do microbioma humano) e Pronutria Biosciences (pioneira de uma nova abordagem para explorar o potencial terapêutico de proteínas na dieta humana), duas empresas baseadas em Cambridge, nos Estados Unidos. A Nestlé também fez um investimento significativo em um fundo da Flagship, dedicado à novas empresas”.

O trabalho de uma equipe da Seres, que está desenvolvendo produtos para manter o microbioma saudável e combater infecções de superbactérias, “se parece mais com uma empresa farmacêutica”, disse o CEO da Seres, Roger Pomerantz. O crescente interesse da Nestlé em produtos de saúde vem em um momento em que suplementos alimentares estão sob crescente vigilância dos órgãos reguladores.

Nos últimos meses, a FDA criou um novo escritório dedicado aos suplementos regulados, também chamados nutracêuticos (termo que vem da junção de “nutriente” e “farmacêutico”). A agência tem emitido uma série de advertências e recalls. Promotores federais, entretanto, entraram com uma enxurrada de acusações criminais contra fabricantes de suplementos por supostamente venderem produtos que sabiam serem perigosos.

Os EUA e a Agência Anti-Doping norte-americana têm expressado preocupação sobre o uso generalizado de suplementos que pretendem melhorar o bem-estar, mas não têm evidências para apoiar essas alegações. Greg Behar disse que uma repressão regulamentar não iria definir os rumos da Nestlé Health Science. “‘Nós não vemos um impacto para nós, porque somos muito mais conservadores do que muitos fabricantes de suplementos em termos de reivindicações que fazem sobre seus produtos”, disse ele.

Mas metas de investimento da Nestlé não escaparam inteiramente do escrutínio: a Nestlé é o principal investidor da empresa de biotecnologia do Colorado, Accera (que desenvolve terapias para problemas do sistema nervoso), que vende um shake destinado a pacientes com Alzheimer. “A FDA emitiu um aviso à Accera em 2014, por fazer alegações infundadas de que poderia tratar certos estágios da doença. A Accera parou de produzir o shake e agora está desenvolvendo uma droga mais tradicional destinada a doença de Alzheimer, visando o metabolismo cerebral”, revela a reportagem da Stat.

O CEO da Nestlé Health Care disse que não vê qualquer grande concorrente se aproximando do mercado de nutrição terapêutica como a Nestlé faz. Mas isso não significa que a empresa tenha o domínio desse campo de pesquisa.

A farmacêutica Abbott vende os shakes Ensures focada na geração baby boomer (pessoas nascidas logo após a II Guerra Mundial, durante uma explosão populacional. Nascidos entre 1943 e 1960, são indivíduos que foram jovens durante as décadas de 1960 e 1970). Ao mesmo tempo em que a Nestlé lançou sua subsidiária Health Science, outra gigante farmacêutica GlaxoSmithKline adquiriu uma linha de bebidas energéticas e produtos de nutrição desportiva, e a Sanofi adquiriu mais de 40 suplementos de uma empresa na Índia.

A reportagem da Stats conclui com uma projeção de Robert Waldschmidt, analista financeiro do banco de investimento UK Liberum. “A Nestlé vai competir com grandes empresas farmacêuticas, tanto de forma mais direta em termos de produto, como através de fusões e aquisições”. A corporação já havia anunciado, em 2014, a compra dos direitos de comercialização de produtos dermatológicos da Valeant Pharmaceuticals, numa prova clara das suas novas áreas de atuação.

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