Resposta imune de gestante pode levar a distúrbios cerebrais nos fetos
Estudo analisa os riscos que os filhos correm por causa do sistema imunológico da mãeAs mulheres grávidas, como qualquer outra pessoa, ficam doentes. E como todo mundo, seus corpos tentam combater a infecção e, mais importante, impedir da mesma alcançar o feto. No entanto, esta resposta protetora pode, no futuro, ser um fator de risco para algumas doenças neurológicas no bebê.
Uma pesquisa do laboratório de neurodesenvolvimento da Universidade da Califórnia, analisou o tema através da seguinte questão: “Se o sistema imunológico da mãe derrota com sucesso o vírus antes que o bebê em desenvolvimento seja exposto, ou se o vírus não atravessa a placenta, o mal é evitado?”
Como mostra um artigo do portal The Conversation, o estudo sugere que a resposta imunológica de defesa da mãe a uma infecção “por si só é suficiente para causar mudanças duradouras na arquitetura cerebral e na função do cérebro e no comportamento das crianças. Esta resposta é um forte fator de risco para transtornos mentais como autismo e esquizofrenia”.
Kimberley McAllister, que lidera o laboratório de neurodesenvolvimento, e Myka Estes, pesquisadora da Universidade da Califórnia e autora do artigo, revisaram pesquisas recentes sobre a chamada Ativação Imune Materna (MIA, na sigla em inglês) em humanos e animais.
O que é Ativação Imune Materna?
A MIA refere-se à resposta defensiva do sistema imunológico da mãe para patógenos invasores. Durante a gravidez, o sistema imunológico muda para se acomodar às necessidades do feto em desenvolvimento. As mudanças são complexas e dependem da fase de gestação e os patógenos que encontra. A intensidade da resposta imune é altamente individualizada e representa uma interação complexa entre os genes e o ambiente da mãe.
Um estudo em seres humanos sugeriu que o grau e a duração da MIA determinam o risco de uma criança ser diagnosticada com um distúrbio do cérebro no futuro, como autismo ou esquizofrenia. E as infecções não são a única causa de MIA. Por exemplo, um aumento do risco também está associado com o stress psicológico durante a gravidez, o que desencadeia uma ativação imunitária semelhante. “Estudos como estes identificam associações, mas não causalidade. No entanto, estudos com animais apoiam um papel causal para esses fatores de risco e estão começando a revelar os mecanismos subjacentes”.
Por que a MIA aumenta o risco de distúrbios cerebrais?
Cada patógeno tem suas próprias assinatura e formas para subverter as defesas do organismo. No entanto, pelo menos durante os primeiros dias de infecção, o sistema imunológico inicia uma resposta padrão. As conseqüências são conhecidas: febre, letargia e dores.
Enquanto o corpo resiste a estes sintomas, o sistema imunológico está trabalhando intensamente para a implantação de proteínas comunicativas (citocinas), que dizem às células do sistema imunológico onde devem ir e como destruir os patógenos invasores. “Durante uma infecção, as concentrações de citocinas mudam rapidamente, a fim de orientar a resposta imune. Muito pouco e você sucumbe ao patógeno; muito e você morre de septicemia. E, além disso, ao dizer às células do sistema imunológico para onde ir e o que fazer, as citocinas também desempenharam funções no desenvolvimento do cérebro em modelos animais”.
Durante a gravidez, as citocinas da mãe podem afetar o feto. “No cérebro em desenvolvimento, a concentração de citocinas é estreitamente regulada. Aqui, também pouco ou muito, no lugar errado, ou no momento errado, pode alterar a arquitetura e a função do cérebro em desenvolvimento”. Enquanto o repertório completo de tais alterações é desconhecido, estudos utilizando animais têm mostrado que a alteração na concentração de citocinas muda conforme as regiões cerebrais são conectadas uma à outra e como se comunicam. Estes tipos de alterações em áreas específicas do cérebro são considerados a base de numerosos distúrbios cerebrais.
“Nosso laboratório tem mostrado que essas mudanças prolongadas de citocinas no cérebro fetal se manifestam em regiões específicas. Outro artigo recente mostrou que uma maior concentração de uma citocina específica () dentro dos cérebros fetais de ratos foi suficiente para levar a alterações cerebrais, o que resultou em comportamentos alterados associados ao autismo e esquizofrenia. Alterações de citocina também estão relacionadas com um outro indicador de distúrbios cerebrais: as alterações no número de ligações feitas entre neurônios”.
Há evidências a partir de amostras de cérebros post-mortem retiradas de indivíduos com autismo e esquizofrenia que mostram concentrações alteradas de citocinas. O objetivo final é identificar um perfil de citocinas, que prevê certos comportamentos e distúrbios neurológicos em animais. “No futuro, poderíamos potencialmente utilizar este perfil para identificar biomarcadores de distúrbios cerebrais específicos em seres humanos”.
MIA, genética e ambiente
Ao longo da última década, centenas de genes foram associados a uma ampla gama de distúrbios cerebrais. No entanto, cada um destes genes aumenta o risco ligeiramente. “Qualquer número de combinações dos genes associados pode resultar em um distúrbio do cérebro, como o autismo”. A pesquisa sugere que a infecção materna age como uma espécie de primórdio da doença. “Em outras palavras, a MIA pode tornar o feto mais suscetível aos fatores de risco genéticos e ambientais. Hipoteticamente, se o feto experimenta uma dose baixa de MIA, e quando for adolescente tiver uma experiência de estresse ou usar cannabis, a combinação pode provocar mudanças no cérebro que podem levar à esquizofrenia.
Os pesquisadores estão apenas começando a explorar como os fatores de risco genéticos e ambientais se combinam com MIA. “Estes estudos irão ajudar a explicar porque os resultados de MIA são tão diversos. A boa notícia é que a maioria dos casos não leva a quaisquer distúrbios observáveis”. Embora isso possa parecer um grande desafio, um importante progresso está sendo feito.
“Muitos dos genes que sabemos estar associados com determinadas condições parecem estar relacionados entre si na forma como funcionam no cérebro, o que nos dá uma visão sobre o processo cerebral, que é interrompidos quando as pessoas têm estas desordens”.
Isto pode explicar o papel que as citocinas desempenham no aumento de risco para esses transtornos. Elas transmitem mensagens a partir de uma célula ou tecido para outro, provocando numerosas mudanças dentro da célula receptora. “Os processos e caminhos no cérebro que podem corromper as citocinas podem ser os mesmos que corrompem genes de risco”. Se este for o caso, sugere-se que pode ser possível desenvolver novas terapias que beneficiariam indivíduos com desordens diferentes, independentemente da causa da desordem ser ambiental, uma infecção materna, ou genética.
Onde essa pesquisa pode levar?
Numerosas questões permanecem sem resposta. “Por que somente algumas crianças nascidas de mulheres que experimentam MIA desenvolverão esses transtornos? Como podemos identificar gestações de alto risco? Que combinação de genética e fatores de risco ambientais distinguem o autismo da esquizofrenia ou do Alzheimer?”
Todas estas questões estão atualmente sendo exploradas em animais, e os resultados iniciais são, segundo o artigo, “surpreendentes e esperançosos. Por exemplo, algumas características comportamentais desses distúrbios podem ser evitadas com a intervenção precoce ou mesmo revertidas na idade adulta”. Além disso, algumas intervenções são não-invasivas e envolvem a alteração da microbiota intestinal e a resposta do sistema imune. Pesquisas semelhantes deverão ser realizadas com seres humanos.
Se a MIA realmente age como um princípio da doença para uma ampla gama de distúrbios cerebrais, é imperativo que se identifique grupos de maior risco e se desenvolva intervenções terapêuticas. “A mudança climática, o crescimento populacional e urbanização aumentam o risco de exposição a patógenos. As consequências sociais, econômicas e emocionais são muito significativas para serem ignoradas”.
O risco de MIA sempre esteve existiu, “apenas o nosso entendimento que é novo. Ao estudar a MIA, podemos começar a revelar os princípios comuns subjacentes de distúrbios cerebrais aparentemente díspares. E o que mais esperamos, podemos aproveitar essas informações para aumentar a nossa capacidade de resiliência”, conclui a neurocientista Myka Estes.