Jurídico | 2 de outubro de 2015

PRESCRIÇÃO EM AÇÃO DE ERRO MÉDICO, de Flávio Luz e Carine Marins Trindade

Advogados analisam caso nos EUA e o entendimento sobre o período de prescrição
PRESCRIÇÃO EM AÇÃO DE ERRO MÉDICO, de Flávio Luz e Carine Marins Trindade

O The New York Times[1], em recente publicação datada de 31/08/2015, abordou acerca da existência de um projeto de lei denominado “Laverns Law“, inspirado em um caso verídico, onde a paciente Lavern Wilkinson, nascida no Brooklyn, perdeu a chance de curar-se de um câncer de pulmão, pois os médicos do Kings County Hospital teriam deixado de informá-la e alertá-la a respeito da existência de um nódulo, em seu exame de raio-x. Com o falecimento da paciente, por falta de diagnóstico precoce e consequente instituição do tratamento de um câncer considerado curável, sua filha, ao intentar ação judicial,  teve o acesso à justiça nova iorquina barrado, pela aplicação da legislação local, que limita o tempo para ingressar com ação judicial.

É que no Estado de Nova York, nos Estados Unidos da América, os pacientes têm a limitação de dois anos e seis meses[2] para ingressar com ação judicial contra erro médico (for medical, dental or podiatric malpractice), a contar do cometimento do ato, omissão ou tratamento inadequado, por aplicação do New York Civil Practice Law and Rules (“CPLR”) Section 214-a.

O referido projeto de lei “Laverns Law” visa alterar a legislação atual, no intuito de estabelecer-se o início da contagem do prazo a partir do momento em que a vítima tomar conhecimento do ato, omissão ou tratamento inadequado, ou seja, da medical malpractice, do erro médico propriamente dito. Tal projeto de lei viria incrementar consideravelmente o número de ações judiciais desta natureza, na medida em que atualmente muitas demandas são barradas justamente pela questão temporal, lá chamada de statute of limitations, aqui denominada prescrição.

O mencionado projeto de lei passou pelo Senado, mas está pendente da aprovação por parte do Governador. Ou seja, por enquanto prevalece vigorando o regramento de que a aplicação do estatuto da limitação começa a correr a partir do ato, omissão ou tratamento inadequado.

Em paralelo, no Brasil, até o ano de 2003, vigorava o Código Civil de 1916[3], que estabelecia a prescrição para ações pessoais em vinte anos, aí enquadrando-se os pleitos indenizatórios por erro médico. Com o advento do Novo Código Civil Brasileiro de 2002, o prazo foi reduzido drasticamente para três anos, por aplicação do parágrafo 3º, do artigo 206, do Código Civil atualmente em vigor[4].

Ocorre que, os pacientes, sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, são considerados destinatários finais de prestação de serviço na área da saúde. O artigo 2º da Lei 8078/90, estabelece que  “Consumidor é toda a pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto como destinatário final”. Assim, por se considerar e se pressupor relação de consumo entre médico/hospital e paciente, consolidou-se o entendimento doutrinário e jurisprudencial[5] de que o prazo prescricional para demandas desta natureza é quinquenal, por aplicação do artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis: “Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.”

Diversamente do Estado americano de Nova York, portanto, no Brasil, o cômputo do prazo de prescrição inicia-se no momento em que a parte tomar conhecimento da negligência, imprudência ou imperícia, da lesão ou sua extensão e efeitos, ou, ainda, da falha na prestação de serviço, por aplicação da legislação pertinente – Código de Defesa do Consumidor -, jurisprudência e também do princípio da actio nata, segundo qual o início da fluência do prazo prescricional fica condicionado ao conhecimento da violação ou lesão ao direito subjetivo patrimonial. Isto é, a contagem do prazo não se inicia ante a mera violação do direito.

Assim, a aplicação da regra prescricional brasileira intervém favoravelmente aos pacientes, considerados hipossuficientes, na medida em que amplia o lapso temporal para eventual reclamação, já que a data do “conhecimento do dano e de sua autoria” fica a critério exclusivo da parte lesada, não tendo as clínicas, hospitais e médicos condições de contrapor, na grande maioria dos casos, a data indicada pelo paciente como marco inicial do cômputo da prescrição.

A legislação nova iorquina a respeito da statute of limitations em casos de negligência médica, por derradeiro, parece isolada e com os dias contados, pois a tendência é considerar-se como marco inicial a efetiva data do conhecimento do ato, omissão ou tratamento/serviço defeituoso por parte do consumidor /paciente, tanto verdade que dos 50 estados americanos, 44 já alteraram a lei neste sentido, restando pendente a aprovação da “Laverns Law” no Estado de Nova Iorque.

Flávio Luz – Advogado – OAB/RS 26627

Advogado, formado em Direito pela Unisinos. Especialização na área de responsabilidade civil com atuação na advocacia médica-hospitalar. Sócio Diretor do escritório Flávio Luz & Advogados Associados. Ex-professor da Faculdade de Direito da Unisinos. Presidente do Comitê de Crise e Controle de Danos do Hospital Ernesto Dornelles. Palestrante em encontros, jornadas e conferências ligadas ao direito médico, odontológico e enfermagem. Assessor Jurídico da Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Saúde do Rio Grande do Sul (FEHOSUL).

Carine Marins Trindade – Advogada – OAB/RS 57300

Advogada, formada pela ULBRA. Especialização na área civil com atuação na advocacia médica-hospitalar. Sócia do escritório Flávio Luz & Advogados Associados. Palestrante em encontros e seminários, na área da saúde, com enfoque no direito médico, odontológico e de enfermagem.

[1] http://www.nytimes.com/2015/08/31/opinion/when-bad-doctors-happen-to-good-patients.html?_r=0).
[2] N.Y. CVP. LAW § 214-a : NY Code – Section 214-A: Action for medical, dental or podiatric malpractice to be commenced within two years and six months;
[3] Art. 177 do CCB de 1916 “As ações pessoais prescrevem, ordinariamente, em 20 (vinte) anos, as reais em 10 (dez), entre presentes, e entre ausentes em 15 (quinze), contados da data em que poderiam ter sido propostas.”
[4] Art. 206, § 3º do CCB de 2002 “Prescreve: em três anos (V) a pretensão de reparação civil”.
[5] Ementa: Agravo de  Instrumento. Responsabilidade Civil. Reparação de danos morais. Alegação de erro médico. Demanda Indenizatória em cujo pólo passivo figuram diversos facultativos. Extinção parcial do feito em relação à União, por decisão transitada em julgado exarada na Justiça Federal. Incidência do CDC. Art. 27 do diploma consumerista. Prescrição quinquenal. Inocorrência. Versando a lide sobre responsabilidade civil por erro médico, aplica-se o disposto no art. 14, § 4º, do CDC, e, por conseguinte, o prazo prescricional qüinqüenal do art. 27 do mesmo diploma legal.Prescrição inocorrente. Decisão saneadora mantida, porém por fundamento diverso. RECURSO DESPROVIDO DE PLANO, COM FULCRO NO ARTIGO 557, “CAPUT”, DO CPC. (Agravo de Instrumento Nº 70066346297, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Miguel Ângelo da Silva, Julgado em 03/09/2015).

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. ERRO MÉDICO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ARTIGO 27 DO CDC. DECISÃO AGRAVADA. MANUTENÇÃO. 1.- A orientação desta Corte é no sentido de que aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos serviços médicos, inclusive no que tange ao prazo prescricional quinquenal previsto no artigo 27 do CDC. 2.- Na hipótese de aplicação do prazo estabelecido pela legislação consumerista não se cogita a incidência da regra de transição prevista pelo artigo 2.028 do Código Civil de 2002. 3.- Agravo Regimental a que se nega provimento. AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 204.419 – SP (2012/0146857-0)

 

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