Tecnologia e Inovação | 21 de outubro de 2016

Órgãos feitos com chips podem revolucionar testes de medicamentos?

Tecnologia poderá dispensar o uso de modelos de testes em animais e personalizar drogas terapêuticas
Órgãos feitos com chips podem revolucionar testes de medicamentos?

Em um laboratório na Universidade de Harvard (EUA), há um pequeno chip plástico que pode respirar como um pulmão humano. Há também dispositivos que funcionam como “mini” corações, fígados, rins e intestinos. No início de outubro, pesquisadores anunciaram que desenvolveram um chip que imita a patologia da distrofia muscular, um modelo que poderia ajudar médicos a desenvolver tratamentos para essa condição.

Como destaca artigo do portal Medscape, estes pequenos chips que imitam órgãos estão sendo desenvolvidos na Wyss Institute, da Universidade de Harvard. Trata-se de um centro de pesquisa dedicado ao desenvolvimento de tecnologias de saúde de ponta inspirados pela biologia humana.

Ao projetar os chamados órgãos-em-chips (organs-on-chips), os pesquisadores do Wyss esperam fornecer uma maneira mais eficiente e menos onerosa para executar testes de drogas. “A tecnologia poderia também minimizar a dependência da indústria farmacêutica dos testes em animais, e um dia poderá ajudar a personalizar drogas terapêuticas para uma variedade de condições”, diz o artigo.

Chip que simula respiração

Em 2010, o diretor fundador do Wyss Institute, Dr. Donald Ingber, e seus colegas publicaram um artigo na revista Science, abordando o chip-pulmão, uma das concepções mais marcantes do campo até o momento. O “órgão” é do tamanho de um cartão de memória de computador e contém um canal central dividido por uma membrana porosa. Um lado é alinhado com a vida das células pulmonares humanas e outro com células endoteliais (as que revestem os vasos sanguíneos). Ao passar ar pelo tecido pulmonar e células sanguíneas pela vasculatura do chip através da aplicação de sucção dos dois canais laterais para imitar a respiração pulmonar mecânica normal, pode-se simular a troca de oxigênio do alvéolo pulmonar.

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“Além disso, o grupo de Ingber tem utilizado o chip para modelar com sucesso tanto a infecção pulmonar e edemas, bem como a toxicidade de drogas e os efeitos prejudiciais das partículas transportadas pelo ar”, ressalta o Medscape. Embora a pesquisa com órgãos-em-chips exista há anos, só recentemente os pesquisadores começaram a criar dispositivos com vários tipos de células e incorporar fatores fisiológicos – como a respiração –, para imitar melhor a fisiologia humana. “Ingber e muitos outros pesquisadores acham que a tecnologia de órgão-em-chip pode não só ajudar os cientistas a compreender melhor a etiologia da doença e a fisiologia de órgãos, mas também permite que surjam testes de fármacos mais baratos e eficientes”.

“Neste momento, o desenvolvimento pré-clínico de drogas é realizado em modelos animais”, explica Donald Ingber. “Mas muitos destes modelos são terríveis. Eles não estão testando uma droga em células humanas reais, e em muitos casos as drogas que não apresentam toxicidade em animais, eventualmente, mostram em seres humanos”.

O especialista acredita que, testando drogas em chips ao invés de animais, os desenvolvedores de drogas poderiam obter previamente em um composto mecânico, conhecimentos sobre a ação e a toxicidade potencial, permitindo uma melhor escolha de quais drogas valem a pena o tempo e o dinheiro de mais pesquisas.

O grupo de Ingber já aperfeiçoou o pulmão-chip para um modelo que simula asma e edema pulmonar. O pesquisador e seus colegas também têm desenvolvido 10 outros órgãos-em-chips – incluindo intestinos, rins, fígados, medula óssea e barreiras hematoencefálicas – e têm comercializado a tecnologia através de uma empresa sediada em Boston chamada Emulate, na qual Ingber atua como presidente do Conselho Consultivo Científico. A empresa já anunciou parcerias com várias empresas farmacêuticas.

O professor de bioengenharia na Universidade da Califórnia em Berkeley, Dr. Kevin E. Healy concorda com Ingber. “Dr. Healy é um dos vários pesquisadores envolvidos os institutos norte-americanos que trabalham com órgãos-em-chips. “Muitas vezes, os medicamentos falham em estudos de fase 1 ou 2 após muito tempo e dinheiro terem sido investidos”, explica ele. “Eu acho que a tecnologia de chips vai nos ajudar a prever melhor essas falhas”.

Healy também cita, em tom de brincadeira, que aqueles que atuam no campo do desenvolvimento de medicamentos chamado “Eroom’s Law” (a observação de que o desenvolvimento de medicamentos tem ficado gradualmente mais lento e mais caro ao longo dos anos) estão em direção oposta à Moore’s Law (que afirma que, em média, o poder de processamento do computador dobra a cada dois anos). A esperança do especialista é de que a tecnologia dos chips ajudará a mudar a reputação do desenvolvimento lento de drogas. “Sua equipe já está testando drogas que foram afastadas por serem muito tóxicas em animais ou em estudos humanos. Talvez órgãos-em-chips poderiam emitir anteriormente o sinal de alerta vermelho sobre os compostos”.

Personalização

Órgãos-em-chips também poderiam ajudar os médicos a promoverem uma saúde ansiosamente aguardada: a medicina personalizada ou terapias de recuperação para o perfil genético e biológico exclusivo de uma pessoa.

Ao fabricar chips para subgrupos de pacientes, utilizando células-tronco de indivíduos específicos, Dr. Ingber acredita que drogas terapêuticas personalizadas podem ser desenvolvidas de forma muito mais eficaz. “Empresas farmacêuticas muitas vezes executam esses grandes ensaios clínicos que [eventualmente] são mal sucedidos”, diz ele. “Mas então eles vão esmiuçar os dados e perceber que um subgrupo genético de pessoas reagiu. E então, eles voltam e redesenham uma solução apenas para esse subgrupo”, explicou o especialista.

Dr. Clive Svendsen, diretor do Cedars-Sinai Regenerative Medicine Institute, em Los Angeles, fez uma parceria com a Emulate e a Ingber, entre outros, para ajudar a personalizar órgãos-em-chips. “Ao invés de usar modelos celulares genéricos, Svendsen – cuja equipe está trabalhando em chips baseados em modelos de barreiras hematoencefálicas, esclerose lateral amiotrófica, e intestinais (completo com o próprio microbioma da pessoa) – está usando a tecnologia de células-tronco pluripotentes induzidas para reprogramar células de doentes nos tecidos de órgãos específicos, que são em seguida implantados nos chips”.

O modelo de barreira hematoencefálica de Svendsen, por exemplo, envolve a semeadura de neurônios e astrócitos de um lado de uma membrana do chip e células endoteliais no outro. “O sangue infundido com possíveis medicamentos candidatos podem ser canalizados através de recipientes para se ver quais compostos podem atravessar a barreira impermeável”.

“Como as drogas passam, ou não, pela barreira hematoencefálica, é algo específico para cada paciente. Isto depende, em parte, dos ‘transportadores’ que o paciente têm” explica Svendsen. “Nós acreditamos que isso poderia ser muito útil para decidir sobre, por exemplo, a quimioterapia para um tumor ou um antidepressivo para determinados distúrbios neurológicos e psiquiátricos. Talvez certas drogas passem a barreira em um paciente, mas não em outro”, diz ele.

O editor-chefe do portal Medscape, Dr. Eric Topol, também vê a tecnologia dos chips como um caminho para a medicina personalizada. “No movimento contínuo de digitalizar a essência médica dos seres humanos, o progresso de órgãos-em-chips é impressionante”, comenta. “É uma excelente maneira de mover a medicina individualizada à frente”.

Um chip ainda é um chip

Uma desvantagem óbvia de testar drogas em órgãos-em-chips é que, embora o envolvimento de vários tipos de células e outros fatores fisiológicos forneça um modelo muito melhor do humano do que as placas de Petri bidimensionais, ainda estão longe de imitar as nuances multifacetadas do corpo humano. “Pode-se ter uma droga que é muito tóxica para um órgão-em-chip, mas não em um animal porque, como exemplo, o animal tem baço”, explica Svendsen. “O chip não tem um baço”. Mas, como ressalta o especialista, isso será resolvido no futuro.

A DARPA (sigla em inglês para Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa) programa do Departamento de Defesa dos EUA, apoia a pesquisa inovadora destinada, em última análise, a melhorar a segurança nacional. Dr. Donald Ingber é um dos dois principais financiadores de projetos DARPA que visam ligar vários órgãos-em-chips diferentes para aproximar melhor a quantidade de variáveis da fisiologia humana e resposta à droga.

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O objetivo é desenvolver um sistema que possa suportar essa comunidade de culturas de células, coexistindo durante pelo menos quatro semanas, a fim de analisar como certas drogas podem ser distribuídas e metabolizadas pelo corpo, bem como ver sua toxicidade.

“Até agora, o grupo de Donald Ingber já conseguiu ligar com sucesso quatro diferentes órgãos-em-chips humanos por duas semanas, demonstrando a distribuição de drogas em todo o sistema. O próximo passo dos pesquisadores é testar a ligação de sete chips diferentes durante três semanas”.

Se o projeto evoluir, é possível que um dia a fisiologia humana seja recriada e drogas sejam testadas nestas redes de chips. “Em outras palavras, um modelo que se aproxima de um completo ‘corpo-em-chips’. A aproximação da biologia humana, em última análise, poderia ajudar a economizar tempo, dinheiro e as vidas dos pacientes com inúmeros transtornos”. Ainda assim, Svendsen adverte para a necessária parcimônia. “Acredito que os órgãos-em-chip vão ser um complemento muito útil, mas provavelmente serão necessários os modelos animais”, finaliza.

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