Tecnologia e Inovação | 23 de setembro de 2016

Os microdoutores em nossos corpos

Robôs minúsculos facilitam tratamentos e aplicação de drogas com alta precisão
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Pesquisadores do Instituto Federal de Tecnologia (ETH, na sigla em alemão) da Suíça, na cidade de Zurique, estão desenvolvendo máquinas minúsculas tecnológicas e biológicas, que permitem sofisticadas terapias seletivas não invasivas. As criações incluem células geneticamente modificadas que podem ser ativadas através de ondas cerebrais, e milhares de microrrobôs que facilitam a aplicação de medicamentos com alta precisão.

A pesquisa coordenada por Bradley Nelson busca levar robôs minúsculos, carregando medicamentos, e manobrá-los para a localização precisa do corpo humano onde o tratamento é necessário, como chegar exatamente em um tumor. Em alternativa, as pequenas “criaturas” também podem ser equipadas com instrumentos, permitindo que operações sejam executadas sem intervenção cirúrgica. As vantagens em comparação com os tratamentos convencionais com drogas são claras: assertividade na terapia-alvo e, como resultado, menos efeitos colaterais.

Materiais de ajuste fino e designs

Bradley Nelson não é um sonhador ou um contador de histórias. Trata-se de um professor de Robótica e Sistemas Inteligentes da ETH Zurique, com reputação internacional por seu trabalho com micro e nano robôs. “Ele ainda detém o Recorde Mundial do Guinness pelo “mais avançado mini robô para uso médico”. Seus projetos têm normalmente apenas alguns micrômetros de tamanho e são inspirados pela natureza.

“Ele cria modelos com seu próprio sistema de escalas micrométricas de propulsão mecânica observando microorganismos e vendo, por exemplo, como o flagelo (espécie de cauda encaracolada que auxilia no movimento. Em biologia, chamam-se flagelos os apêndices das células vivas, que servem para a locomoção ou para promover o movimento da água ou outros fluidos no interior do organismo, no processo da alimentação ou na excreção). Os robôs obtêm a energia para se deslocar de um impulso externo, como um campo eletromagnético”.

Embora esta visão pareça ser ficção científica, o grupo liderado por Bradley Nelson está gradualmente tornando-se realidade: em um experimento in vivo (que ocorre ou tem lugar dentro de um organismo), eles foram capazes de orientar com precisão um enxame de 80 mil microrobôs dentro de um rato para demonstrar o modelo de entrega de um fármaco para os locais de destino. “No entanto, os pesquisadores ainda têm de resolver uma série de questões antes que possam enfrentar o primeiro conjunto de aplicações em seres humanos”.

As perguntas se concentram em materiais e design: “Quando construímos robôs como estes, não podemos confiar em nossa intuição porque, nessa pequena escala, materiais muitas vezes se comportam de maneira diferente do que estamos acostumados”, explica o pesquisador. Impressoras 3D especiais têm expandido a gama de materiais utilizados na concepção de microrrobôs, indo além de metais semicondutores para incluir polímeros. Como resultado, no ano passado a equipe liderada pelo Dr. Nelson,  em colaboração com a equipe do professor Christofer Hierold (também da ETH Zurique) conseguiram criar um robô a partir de um biopolímero biocompatível que se dissolve no corpo depois de completar sua tarefa.

Em sua última publicação, Nelson vai um passo além. “Os microrrobôs apresentados podem transformar a sua forma, dependendo das condições ambientais, razão pela qual Nelson chama de ‘robôs origami’. A alteração da forma pode ser estimulada por uma alteração no pH dos fluídos corporais, uma diferença de temperatura ou um pulso de luz. A plasticidade dos robôs baseia-se numa estrutura de múltiplas camadas com diferentes tipos de hidrogel. Uma vez que os biopolímeros se expandem ou se contraem de forma diferente a estímulos externos, o robô é capaz de mudar de forma.

A natureza é a fonte que forneceu o modelo para o projeto. “A bactéria Trypanosoma brucei, o agente patogênico responsável pela doença do sono, tem uma forma estreita e alongada para ajudar a se mover de forma eficiente em fluidos corporais. No entanto, logo que a bactéria entra na corrente sanguínea e já não precisa se movimentar, passa para uma forma atarracada e compacta – uma opção adicional para a criação de um microrrobô médico com máxima eficiência”.

“Quinze anos atrás, estávamos apenas começando, mas hoje já somos capazes de controlar muitos mecanismos diferentes de forma muito precisa”, enaltece Bradley Nelson. O próximo grande desafio é a autonomia. “Nós estamos examinando como podemos fazer microrrobôs inteligentes”, diz ele. Especificamente, depois de serem liberados no corpo, os pesquisadores querem que os dispositivos minúsculos encontrem suas metas por conta própria – como organismos unicelulares naturais fazem há milhões de anos.

Células como sistemas de vigilância biológicos

Nelson não é o único pesquisador no ETH que fundamentalmente repensa a medicina. “Martin Fussenegger, professor de Biotecnologia e Bioengenharia, está planejando uma pequena revolução na terapia médica. Ele considera ‘ultrajante’ o fato de que nós simplesmente bombeamos drogas em nossos corpos, geralmente relativamente tarde no curso da doença, e depois esperamos o efeito desejado”.

É por essa razão que a sua equipe no Departamento de Ciência e Engenharia de Biosistemas (D-BSSE), em Basel, esteja seguindo um rumo diferente, destinada a obter o tratamento para o núcleo da doença. “Nós reprogramamos as células do corpo para serem sistemas de vigilância biológicos. No corpo, elas respondem rapidamente às doenças”, diz o Dr. Fussenegger. Estas “próteses moleculares” serão destinadas a compensar os defeitos metabólicos que são responsáveis por doenças como diabetes, câncer e obesidade.

Usando métodos moleculares convencionais, Fussenegger pretende reprogramar as células de tal maneira que um impulso externo faz com que elas produzam e excretem a substância ativa desejada – geralmente certas proteínas. “Sua equipe usa a luz como o impulso; embora o campo da optogenética seja ainda muito inicial, tem feito grandes progressos nos últimos anos em controlar sistematicamente células geneticamente modificadas usando a luz. Dois anos atrás, Fussenegger conseguiu pela primeira vez, no modelo com ratos, modificar a estimulação de células para liberar uma proteína humana modelo por meio da irradiação com luz próxima do infravermelho.

Utilizando implantes para produzir drogas

Para permitir o controle mais preciso possível, o grupo de Martin Fussenegger desenvolveu um implante sintético que combina a fonte de luz (um pequeno LED infravermelho) e uma cultura semi-permeável de células geneticamente modificadas. A lâmpada é então alimentada indutivamente por um campo eletromagnético externo. Este sofisticado sistema abre o caminho para terapias dirigidas pela mente, por exemplo, por meio de um eletroencefalograma gravado na testa do paciente. Fussenegger tem certeza de que “tais sistemas de terapia optogenética serão um componente importante da medicina personalizada. O implante testado no modelo com ratos era do tamanho de uma moeda de 2 Francos Suíços. A próxima geração será mais alongada como um palito de fósforo e vai exigir muito menos energia”.

Segundo ele, no futuro “a eletricidade para ativar a lâmpada – e, portanto, a produção de proteínas – também poderá vir de um smartphone ou de um relógio”, prevê. Isso poderá abrir novas possibilidades para a relação médico paciente. “Um médico nos EUA poderia controlar o nível de insulina de um paciente com diabetes que estivesse viajando pela Europa, ativando a produção de células programada através da internet. Pelo menos, essa é uma visão da medicina na era vindoura da internet das coisas”, conclui o artigo do portal Science Daily.

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