Gestão e Qualidade | 14 de agosto de 2016

Ferramentas de segurança do paciente exigem uma implementação apropriada

Checklists precisam constituir parte essencial da cultura das instituições de saúde
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Práticas médicas baseadas em evidências estão sendo implementadas através de uma variedade de ferramentas de segurança do paciente. Apesar dos benefícios da tecnologia, talvez as velhas listas de verificação e pacotes (conjunto de procedimentos estruturados para melhorar os processos de atendimento) continuem sendo as melhores maneiras para reduzir as taxas de infecção e aumentar a adesão entre profissionais de saúde, levando a melhores resultados junto aos pacientes.

Como ressalta um artigo do portal Infection Control Today, o cirurgião Atul Gawande, em seu livro The Checklist Manifesto (no Brasil o livro se chama CHECKLIST), analisa o impacto positivo de listas de verificação na área da saúde, para lidar com “o volume e a complexidade daquilo que sabemos”. Como o autor explica, “falhas evitáveis ​​são comuns e persistentes, para não mencionar desmoralizantes e frustrantes, em muitos campos (da medicina às finanças). E a razão é cada vez mais evidente: o volume e a complexidade do que sabemos ultrapassou nossa capacidade individual para entregar os melhores serviços corretamente, com segurança, ou de forma confiável. O conhecimento tem tanto nos salvado quanto nos sobrecarregado”, refletiu.

A Agência de Investigação de Saúde e Qualidade (Agency for Healthcare Research and Quality – AHRQ), do governo dos EUA, define a lista de verificação (checklist) como uma série algorítmica de ações a serem executadas em um determinado ambiente clínico, sendo o objetivo principal garantir que nenhum passo será esquecido. A AHRQ acrescenta que “apesar de uma intervenção aparentemente simples, a checagem tem uma base teórica sólida em princípios de engenharia de fatores humanos e têm desempenhado um papel importante em alguns dos êxitos mais significativos alcançados no movimento rumo à segurança do paciente”.

“A AHRQ reconhece que muitas tarefas são executadas por reflexo ou ‘no piloto automático’ e que os tipos de erros associados a vários comportamentos são diferentes, falhas esquemáticas de comportamento são chamadas de deslizes e ocorrem devido a lapsos de concentração, distração ou fadiga, enquanto as falhas de comportamento de atenção são denominadas como ‘erros’ e muitas vezes são causadas ​​por falta de experiência ou treinamento insuficiente”.

Na área da saúde, assim como em outras indústrias, a maioria dos erros é causada ​​por deslizes em vez de erros, e listas de verificação representam um método simples para reduzir o risco de descuidos. A preparação do voo na aviação é um exemplo bem conhecido, “os pilotos e controladores de tráfego aéreo seguem listas de verificação pré-decolagem, independentemente de quantas vezes eles realizaram as tarefas envolvidas. Ao padronizar a lista de passos a serem seguidos e formalizar a expectativa de que cada passo será seguido para cada paciente, checklists têm o potencial de reduzir significativamente os erros”.

Como pode ser desenvolvida uma checklist, de acordo com Hales (2008):

Lista extensa: Itens, tarefas ou critérios são agrupados em categorias relacionadas sem uma ordem particular. Um exemplo seria uma lista de equipamentos médicos.

Lista sequencial ou lista semanal: agrupamento, ordem e fluxo total dos itens, tarefas ou critérios são importantes para a obtenção de um resultado positivo. Um exemplo seria uma lista de procedimentos (equipamentos devem ser recolhidos antes do procedimento ser liberado).

Lista de verificação interativa: Itens, tarefas ou critérios da lista de verificação exigem que se revise cada passo a fim de se obter bons resultados, como checklist iniciais podendo ser alteradas por resultados inscritos na revisão final.

Lista de verificação de diagnóstico: Itens, tarefas ou critérios da lista de verificação são formatados com base em um modelo de “fluxograma”, com o objetivo final de elaborar conclusões gerais. Um exemplo seriam os algoritmos clínicos.

Lista de critérios de mérito: normalmente usada para fins de avaliação, em que a ordem, a categorização e o fluxo de informações são fundamentais para a objetividade e a confiabilidade das conclusões.

Também é recomendável que os desenvolvedores das listas de verificação compreendam as condições as quais o médico se refere ou complete essa lista de verificação, a fim de determinar o conteúdo e o fluxo adequado. Para isso, é preciso levar em consideração:

Assegurar que o tempo necessário para completar a revisão da checklist é viável, prático e não interfere no tempo apropriado e seguro de fornecimento de assistência ao paciente.

Garantir que as listas passem pela área administrativa ou seja regulamentada pelas autoridades reguladoras.

Proporcionar aos médicos a liberdade de usar seu julgamento clínico.

Listas devem ser revistas com frequência, para refletir alterações na medicina baseada em evidências, novas diretrizes publicadas, políticas institucionais e/ou procedimentos.

Checklists devem evoluir com as necessidades e imperativos de uma instituição. A legitimidade do conteúdo dependerá do processo para o seu desenvolvimento e deve incluir profundas revisões e avaliações da literatura, análise das práticas atuais e um consenso de especialistas, bem como uma validação completa da lista com foco na população-alvo de pacientes antes da implementação do documento final.

A criação deve ser um processo contínuo que envolve grupos de peritos, atualizações da literatura e avaliações dos usuários pretendidos (pacientes, familiares, etc). “Quando todos os membros da equipe que interagem com a checklist estiverem envolvidos nesse processo de criação e concepção, gera-se um sentimento de real participação. Os itens contidos na lista definitiva representam um consenso entre todos os membros da equipe, e melhoram na sua implementação e utilização na prática diária”, reflete o artigo do Infection Control Today.

Segundo investigação da American Hospital Association e da Health Research & Educational Trust (2013), foi observado que “listas de verificação utilizadas no ambiente médico podem promover a melhoria de processos e aumentar a segurança do paciente. A implementação de um processo formalizado reduz os erros causados ​​pela falta ou inconsistência de informações para os procedimentos. Listas têm melhorado processos de altas hospitalares e transferências de pacientes, assim como para atendimento ao paciente em unidades de terapia e trauma intensiva. Juntamente com o aumento da segurança do paciente, checklists dão maior senso de confiança de que todo o processo de atendimento foi concluído com precisão e completamente”.

A diretora de prevenção de infecção, do Sanford Health (sistema de saúde de Dakota, EUA), Sue Hohenthaner, considera as listas de verificação e os pacotes de serviços ferramentas muito eficazes baseadas na “confiabilidade científica”, diz ela. “Ambos têm sido testados em muitas indústrias de alta confiabilidade e alto risco fora da medicina, como a energia nuclear e a indústria de defesa – e são cruciais para os esforços de normalização básicos, relacionados com o cuidado diário de pacientes”. A especialista considera que “as listas de verificação, como a ‘parada (time out)’ antes de qualquer procedimento cirúrgico, permite que os processos de atendimento ao paciente tenham sempre as pessoas certas e os materiais corretos disponíveis, em cada lugar e em cada encontro com o paciente”.

Na Sanford Health, pacotes e listas são utilizadas, por exemplo, para procedimentos como colocação do cateter e de Sondas de Foley (introdução de cateter vesical estéril pelo meato urinário, para chegar à bexiga para a drenagem da urina). “O objetivo é promover o cumprimento das melhores práticas”. Quando uma infecção é identificada, um grupo da unidade com cuidadores, prevencionistas de infecção e uma equipe de melhoria de qualidade se reúnem e utilizam uma ferramenta de defeito (chamada mini RCA) para ajudar a identificar oportunidades de melhoria, como falhas na comunicação, confiabilidade dos processos e treinamento”.

Para alcançar os melhores resultados possíveis, Hohenthaner aconselha as instituições a ” compartilhar histórias de sucesso tanto internos como externos. Seja transparente sobre eventos adversos e como essas ferramentas podem ser maximizadas. Olhe para as organizações que têm obtido sucesso na implementação de listas de verificação e pacotes e procure replicar o que eles têm implementado”.

Os críticos desse tipo de listas afirmam que isso incentiva os profissionais de saúde a verificarem somente uma série de elementos técnicos, ignorando elementos “sócio-adaptáveis”. Como disse Bosk, em 2009, os cuidados mais seguros são alcançados quando todos os três, e não apenas um dos seguintes procedimentos são realizados:

Resumir e simplificar o que fazer

Medir e fornecer informações sobre os resultados

Melhorar a cultura através da construção de expectativas de padrões de desempenho

“A implantação generalizada de listas de verificação, sem uma apreciação de como ou porquê eles funcionam, é uma ameaça potencial para a segurança dos pacientes e aos cuidados de alta qualidade”, reitera o artigo.

Contudo, Vineet Inder Chopra (professor de medicina interna da Universidade de Michigan) e Kamran Shojania (reumatologista da University of British Columbia, Canadá) consideram que elementos técnicos “compreendem ações simples implementadas facilmente. Elementos sócio-adaptativos (por exemplo, a pausa pré-operatória para discutir passos críticos em um plano cirúrgico) envolvem mais do que ações simples: eles exigem verdadeiro engajamento nas tarefas e esforços de implementação devem, portanto, abordar o trabalho em equipe, a comunicação e a cultura” da instituição.

“Para melhorar a segurança, a saúde precisa ter o trabalho técnico e de adaptação ajustados. Sem atenção ao trabalho de adaptação, listas de verificação, provavelmente, sofrem o mesmo destino das diretrizes, muitas vezes não são utilizadas, mesmo quando muito robustas. Reunir provas é um passo necessário, mas não suficiente, para serem traduzidas na prática”. Revisões de evidências precisam ser combinadas com uma estratégia para atenuar as barreiras técnicas, sociais, políticas e psicológicas (mesmo emocionais) de usar as evidências, e com o feedback dos pacientes/familiares sobre o desempenho. “Usar checklists como mecanismo explicativo para redução de riscos, ameniza a complexidade do trabalho necessário e cria uma crença local coletiva em listas de verificação”.

Peter Pronovost (médico diretor do Instituto Armstrong para a Segurança e Qualidade do Paciente na Universidade Johns Hopkins e vice-presidente sênior da Johns Hopkins Medicine) e Sean Berenholtz (anestesiologista e professor do Departamento de anestesiologia na Universidade Johns Hopkins dizem que o modelo central de melhoria de qualidade para infecções associadas (central line-associated infectionsCLABSI) dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) conta com uma lista de verificação e um conjunto de práticas baseadas em evidências, que inclui a higiene adequada das mãos, clorexidina para assepsia da pele, cuidados com o local da veia femoral, entre outros. O pacote de serviços deve oferecer educação a respeito das práticas de controle de infecção, cartilha sobre inserção de cateter, revisão diária e remoção imediata de cateter venoso central injustificável e capacitação da enfermagem para reforçar a adesão a essas práticas. Saiba mais aqui.

Chopra e Shojania apontaram, em 2013, várias avaliações desse tipo de intervenção: a primeiro revelou uma diminuição das CVC-BSI (sigla em inglês para Infecção Sanguínea Associada ao Cateter Venoso Central) de 11,3 infecções/1.000 dias de cateter para 0 infecção/1.000 dias de cateter no Hospital Johns Hopkins. Uma segunda avaliação do pacote CVC-BSI em 103 unidades de terapia intensiva (UTIs) em todos os 77 hospitais integrantes do Michigan Health and Hospital Association Keystone mostrou uma redução grande e estatisticamente significativa na CVC BSI – a partir de uma base média de 7,7 infecções/1.000 dias de cateter para 1,4/1.000 dias de cateter. Os autores notam que “o sucesso estimulou o interesse em listas de verificação de segurança cirúrgica. Checklists de Segurança Cirúrgica (Surgical Safety Checklist) da Organização Mundial da Saúde (OMS) levaram a melhorias substanciais nos resultados operacionais em vários cenários clínicos. Um estudo de múltiplas listas de verificação em diferentes estágios no período perioperatório (período que vai da decisão do cirurgião em indicar uma operação até a alta do paciente) mostraram melhorias impressionantes em complicações cirúrgicas e mortalidade em seis hospitais na Holanda. Estes resultados dramáticos – em UTIs e salas cirúrgicas – tornam as checklists, virtualmente, um sinônimo de cuidados inovadores mais seguros”.

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