Gestão e Qualidade | 7 de novembro de 2017

Como os cuidados em saúde baseado em valor podem mudar a saúde da população

Mudança de "taxa de serviço" por “valor” é uma estrada longa, mas necessária, dizem especialistas
Como os cuidados em saúde baseado em valor podem mudar a saúde da população

Melhora da experiência do paciente/individuo em relação à assistência; aumentar a qualidade da saúde das populações e reduzir o custo per capita da assistência de saúde. Este é o “triplo objetivo”, ou Triple Aim, conceito defendido pelo Institute for Healthcare Improvement (IHI), organização sem fins lucrativos com sede em Massachusetts. Estes métodos fazem parte dos cuidados baseados em valor, modelo cujos valores de serviço dependem da eficácia, não dos insumos utilizados, e o cuidado de saúde passa a ser medido pelos resultados alcançados, e não pela quantidade ou volume de serviços prestados. Hoje, já se discute um novo elemento (Quadruple Aim), que evidencia as condições emocionais e psicológicas dos profissionais de saúde atualmente, assim como condições de trabalho e riscos à própria saúde.

Estas estratégias buscam melhorar a saúde em locais com taxas altas de doenças crônicas e níveis de pobreza com pouco acesso à saúde (pública e ou privada), mas particularmente em áreas onde os cuidados se apresentam como um desafio maior. Os EUA estão em uma batalha para favorecer aqueles hospitais que apresentem baixa taxa de readmissão. Estes, recebem melhores pagamentos e direcionamento de mais pacientes.

“A mudança na abordagem de saúde da população exige que todos os braços do setor de cuidados de saúde trabalhem em conjunto para determinar os melhores resultados para cada paciente, levando em conta sua vida diária, o que, por sua vez, leva a melhores resultados para uma população em geral, ao mesmo tempo em que reduz os custos e melhora as experiências individuais do paciente”, diz Trissa Torres, diretora de operações no IHI.

Sinergia e forma de remuneração

Porém, Torres afirma que na grande maioria das interações com os pacientes, os prestadores assumem “um ponto de vista episódico”, com pouca sinergia entre médicos de cuidados primários (atenção básica), demais especialistas, médicos de emergência e outros atores ou agentes.  Por isso, Torres defende que alterar a forma como os profissionais de saúde são pagos seria o maior impulso para o sistema de cuidados de saúde – provedores, pagadores e intermediários são acostumados à taxa do modelo de serviço, conhecida como fee for service

“Quando você remunera [médicos e estabelecimentos de saúde] por visitas individuais, criamos um sistema focado no que acontece em uma visita ou episódio individual”, diz Torres. “Se deslocamos o sistema de pagamento para se concentrar em obter um melhor resultado, os incentivos mudam. Então, cada provedor ou serviço individual não se importa apenas com o que acontece quando eles estão fazendo o que eles fazem, eles agora precisam trabalhar juntos e ir além para obter melhores resultados”, salienta. Assim, o tradicional deixa de ser regra e os envolvidos buscam soluções fora do ambiente de saúde.

Pagamento por desempenho

Nos EUA, por exemplo, Os Centros de Serviços do Medicare e Medicaid (CMS – órgão regulador norte-americano) estão mudando a forma como o Medicare [seguro de saúde para idosos e pessoas vulneráveis] paga aos hospitais para recompensar aqueles que oferecem cuidados de melhor qualidade através de várias medidas, incluindo uma “abordagem de pagamento por desempenho”, que afeta cerca de 3 mil hospitais em todo o país.

Entretanto, Torres afirma que mudar toda a engrenagem da saúde para um modelo centrado na população é um longo processo. Ela diz que à medida que mais provedores tomam uma abordagem de saúde da população com resultados bem-sucedidos, com indicadores econômicos sustentáveis e palpáveis, outros seguirão este mesmo percurso.

“Eu acho que o movimento em direção à saúde da população é uma das transições mais importantes que nosso sistema de atendimento vem fazendo”, diz Torres. “Não só devemos ser capazes de medir isso e ver melhorias em nível populacional, mas também devemos realmente sentir essas diferenças a nível individual”, frisou. O resultado passa pelas estratégias, mas principalmente pelo engajamento dos pacientes, profissionais, estabelecimentos de saúde e governo.

Detetive e personalização

“Manter alguém saudável às vezes requer algum trabalho de detetive e muda a maneira como você pensa sobre as pessoas, uma de cada vez”, diz Mark Rosenberg, chefe de departamento de emergência do Sistema de Saúde de St. Joseph (EUA), terceira cidade mais populosa de Nova Jersey.

Por exemplo, ao invés de continuar a fornecer remédios e lembrar ao paciente de usar seu inalador, sabendo que ele voltará à Emergência em breve por ter esquecido de suas recomendações, a equipe de Rosenberg aplicou outra abordagem: pediram ao paciente que ficasse com um membro da família ou amigo durante o processo, e orientaram a este familiar que o auxiliasse. Uma solução simples, mas que certamente deve ser discutida buscando saber a realidade do enfermo e seu entorno.

Na cidade de Petersen, onde quase uma em cada três pessoas vive na pobreza e menos de três quartos dos adultos têm diplomas do ensino médio, “nenhum médico de atenção primária é acessível através das principais rotas de ônibus, mas todas as rotas vão para o hospital”, diz Rosenberg. A falta de transporte pode causar atrasos no cuidado, o que “pode levar à falta de tratamento médico adequado, exacerbações de doenças crônicas ou necessidades de cuidados de saúde não atendidas, o que pode acumular e piorar os resultados de saúde”, de acordo com um estudo de 2013 publicado nos EUA. Com um familiar junto, as chances de o paciente cuidar de sua saúde de forma correta aumentam, e as idas desnecessárias ao hospital, diminuem.

Muito mais do que se enxerga

“A saúde é muito mais do que o que está bem na sua frente”, diz Megan Tschudy, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins. “A saúde não ocorre apenas na minha clínica ou no hospital. A saúde também é o que acontece nas casas das pessoas, nos bairros e nas escolas – e é assim que precisamos pensar”, completou.

No St. Joseph’s, o departamento de emergência vem integrando as estratégias de saúde da população há quase uma década. Desde 2009, todos os idosos que chegam à sala de emergência têm suas necessidades contínuas de cuidados primários identificadas, diz Rosenberg.

Homecare

Recentemente, o hospital começou a enviar paramédicos para os domicílios de alguns pacientes frequentes da sala de emergência, além de utilizar alternativas aos opioides para o gerenciamento da dor.

“Há alguns cuidados de saúde que precisam ser feitos que são realmente mais do que apenas cuidar da pressão arterial de alguém, então estamos conversando com os pacientes e descobrindo quais são suas necessidades reais”, diz Rosenberg. “Estamos recebendo revisões reduzidas para o departamento de emergência, que acreditamos que sejam o resultado de melhores cuidados de saúde”, concluiu.

Embora os benefícios das estratégias de saúde da população possam ser mais visíveis em comunidades desatendidas e pobres, os defensores do modelo de cuidados baseados em valor dizem que é importante integrá-los nos sistemas de saúde tentando combater o aumento dos custos em todo o país. Em 2025, os gastos dos EUA com os cuidados de saúde representarão pouco menos de 20% do produto interno bruto, contra 13% em 2000, de acordo com os dados dos Centros de Serviços Medicare e Medicaid.

Brasil

A Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Saúde do RS (FEHOSUL), iniciou um projeto com lideranças hospitalares da sua base. Já foram realizadas duas reuniões, uma no dia 25 de setembro e outra no dia 20 de outubro.  A FEHOSUL criou um Grupo de Trabalho, juntamente com sua Faculdade (FASAÚDE/IAHCS), para estudar modelos e apresentar estratégias que possam ser utilizadas por hospitais, clínicas, laboratórios de análises clínicas e demais estabelecimentos de sua base, além de propor mudanças junto às operadoras e ao governo, inclusive a nível federal, através de pautas da Confederação Nacional da Saúde (CNS) com sede em Brasília, da qual a entidade gaúcha é filiada.

“ Estamos em um processo sem volta no campo da remuneração, seja na saúde suplementar ou na pública com as tabelas do SUS. É preciso discutir as discrepâncias e o melhor resultado. Mais do que escolher o modelo, devemos levar em conta as dificuldades da sua aplicação e como engajar os agentes necessários e como avaliar estes resultados. A tecnologia é uma aliada importante, por isso devemos nos inserir de vez na era da informação, da inteligência de mercado e nos indicadores, sem abdicar, é claro, do esforço dentro de nossas instituições para mudar o cenário de desperdícios”, defendeu o presidente da entidade patronal, Cláudio Allgayer. A próxima reunião ocorre no dia 10 de novembro.

Outro exemplo deste movimento da quebra de paradigmas vem ocorrendo no Hospital Mãe de Deus, de Porto Alegre. Neste ano, a instituição lançou o Sistema UM, projeto balizador que poderá ajudar na adoção de uma forma de remuneração mais acertada. A operadora Unimed Porto Alegre foi escolhida para iniciar a iniciativa piloto. Ao portal de notícias Setor Saúde, o diretor superintendente do Sistema Mãe de Deus, Dr. Alceu Alves da Silva, afirmou que o UM “obriga a instituição a conhecer seu desempenho assistencial, conhecer o custo desse desempenho”, porque a negociação será baseada nesses indicadores. Segundo ele, uma vez codificado o procedimento, o sistema envolve um pagamento único. “Se você não tem eficiência, é provável que gaste mais do que vai receber”, explicou.

 

Com informações do US News e FEHOSUL. Edição do Setor Saúde.

VEJA TAMBÉM