A visão de lideranças em relação ao “estresse dos sistemas de saúde” durante a pandemia de Covid-19
Webinar Conexão CBEXs Nacional ocorreu no dia 28O Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde (CBEXs) promoveu, na quarta-feira (29), a Webinar Conexão CBEXs Nacional, com o tema O estresse do sistema: manutenção da qualidade, da força de trabalho e o planejamento das ações.
Com mediação do fundador e presidente do CBEXs, Francisco Balestrin, a conferência contou com a participação do presidente da Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Saúde do RS (FEHOSUL) e da Organização Nacional de Acreditação (ONA), Cláudio Allgayer; do presidente do Chapter Rio de Janeiro do CBEXs, Evandro Tinoco; e do presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), Alexandre Lourenço.
Confira o que foi abordado pelos três convidados especiais.
Cláudio Allgayer
O presidente da FEHOSUL e da ONA fez um mapeamento sobre as instituições acreditadas no Brasil. “Como presidente da ONA, eu vou me permitir dizer que temos 906 instituições acreditadas em todo o território nacional, nos 27 estados brasileiros, pelo modelo brasileiro de acreditação”, disse. “Podemos nos orgulhar de estarmos em todo o Brasil, promovendo a melhoria da qualidade em saúde e segurança do paciente e dos profissionais de saúde”, completou, enaltecendo que a ONA é reconhecida desde 2014 pela ISQua (The International Society for Quality in Health Care), em março, obteve a “tríplice coroa”, com três certificações da mais importante organização de âmbito mundial que promove a melhoria da qualidade e a segurança na prestação de serviços em saúde.
Allgayer analisou que há uma dupla crise mundial. “Se fosse apenas uma crise sanitária, já seria relevante por causar problemas de magnitude em todo o globo terrestre. E é, certamente, a pandemia mais importante dos últimos 100 anos. E estamos também vivendo uma crise econômica, talvez apenas superada pela Grande Depressão de 1929, que está destruindo riquezas, empregos e renda em escala igualmente global. Temos, portanto, duas grandes crises acometendo ao mesmo tempo todos os sistemas da saúde”, frisou.
O presidente da FEHOSUL e da ONA afirmou que o estresse causado pelas duas crises traz uma importante lição: “chegou o momento de olharmos de maneira integrada o sistema de saúde. Não há mais como olhar para o sistema público de saúde de maneira isolada, de maneira desvinculada do sistema privado de saúde. Nós estamos vendo hoje a mobilização do setor público auxiliando o privado, e o setor privado auxiliando o setor público. Talvez, essa lição que a prática do dia a dia no enfrentamento da Covid-19 está nos trazendo seja uma lição que devemos aproveitar para ligarmos, desfragmentarmos os sistemas de saúde, especialmente a nível da prestação de cuidados”.
Segundo Allgayer, porém, não é momento de fazer isto por meio de decretos que obriguem o ente privado a atender o cliente do SUS, como tem sido proposto, o chamado “fila única”. “O que devemos fazer é pensar de forma colaborativa. É neste momento que devemos saber cooperar, sermos solidários, integrar esforços e caminhar juntos no aprendizado diário, pois tanto o SUS como o setor privado enfrentam o maior desafio já anteposto às estruturas de saúde, inclusive com risco de colapso”, disse.
Allgayer também apontou que os planos de saúde constituem um segmento que será fortemente atingido pela crise. “Após o surto, os planos vão enfrentar uma elevada sinistralidade, pelas patologias geradas pela pandemia e da própria demanda reprimida que está ocorrendo no sistema de saúde”, analisou.
O presidente alertou que o desemprego maciço gerado pela crise irá trazer como consequência perda de renda generalizada, o que terá reflexo no campo da saúde. No que se refere aos prestadores de saúde, Allgayer disse que, já nestes 45 dias da pandemia,todos estão enfrentando perdas generalizadas de receitas que, em alguns casos, chegam a 70%, face a decisões de gestores públicos de recomendar a suspensão de procedimentos eletivos de diagnóstico e terapia, o que foi acatado pela população. Para enfrentar a crise, Allgayer aponta: “teremos que, num primeiro momento, buscar o equilíbrio econômico financeiro das instituições, e pensar em etapas bem definidas sob novos planejamentos para conseguir recuperar os hospitais, clínicas e laboratórios”.
Evandro Tinoco
Tinoco analisou que a sociedade está enfrentando um momento histórico, de medo e imprevisibilidade, o que gera um desafio maior para os gestores. “Os gestores vivem classicamente de planejar o futuro, executar um planejamento estratégico, alcançar metas e resultados, e seu sucesso sempre foi ditado por retorno de indicadores, métricas – e uma delas a satisfação do usuário. Na era da medicina baseada em valor, entrega de resultados com menor custo possível e, obviamente, externar histórias vitoriosas”, analisou.
Entretanto, na opinião do cardiologista e professor universitário, o enfrentamento da crise será necessariamente guiado pela boa ciência. “Nos últimos três meses, os gestores tiveram que viver em ambiente de grande vulnerabilidade. Pela primeira vez, a gente se comporta, eu ouvi do Fernando Torelly,com a saúde funcionando como os aviões. Ou seja, o corpo do piloto, que é o gestor, e seu time assistencial em risco, não só o paciente. Tivemos que nos adaptar a mudanças no conhecimento de uma patologia, a cada dia e em tempo real. Tivemos um entendimento que esse é um desafio da boa ciência”, ponderou.
“Pela primeira vez, tivemos que inverter um pouco a ordem: em um determinado momento, o foco era o paciente. Agora, o foco está nas equipes, porque sem elas não cuidamos de ninguém. Essa mudança só pode ser feita com um tipo de liderança, que vimos discutindo no CBEXs, que é a liderança em dupla camada. Precisamos de um líder transformacional e um líder servidor”, disse.
Tinoco apontou que a universidade é um líder importante, mesmo sem atividades presenciais no momento, pois está presente em várias ações. “O líder se transforma e cria vinculação muito importante: conecta setor público, privado. E as pessoas entendem a dimensão desse problema, e de alguma maneira conseguem proteger as pessoas com ciência, cuidado e gestão. Obviamente, os líderes trabalhando a integração, houve algo histórico: a integração em busca de um propósito, cuidar das pessoas. O segundo modelo de liderança é o modelo que trabalha com ações de solidariedade”, disse.
Alexandre Lourenço
“Temos que ter líderes mais próximos e hospitais mais próximos da comunidade”, analisou Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares. De acordo com ele, Portugal já está passando pelo pico da curva, com quase mil vítimas fatais da Covid-19. Entretanto, o português aponta que a retomada das atividades depende de uma série articulada de boas medidas.
Ele elaborou 16 recomendações aos sistemas de saúde frente à Covid-19.
Expandir a capacidade de comunicação e gerenciar relações com a mídia;
Reforçar a capacidade dos serviços públicos essenciais de saúde para possibilitar a resposta a emergências;
Esclarecer a estratégia do primeiro ponto de contato para casos suspeitos de Covid-19 (telefone, online, físico);
Proteger outros potenciais pontos de entrada do sistema de saúde de primeiro contato;
Designar hospitais para receber para receber pacientes com Covid-19 e preparar-se para mobilizar a capacidade aguda e de aumento de UTI;
Organizar e expandir serviços a domicílio para resposta à Covid-19;
Manutenção de prestação de serviços essenciais de saúde e liberação de recursos para a resposta para a resposta à Covid-19;
Treinar, redirecionar e mobilizar força de trabalho em saúde de acordo com os serviços prioritários;
Proteger a saúde física dos profissionais de saúde da linha de frente;
Antecipar e atender às necessidades de saúde mental da força de trabalho em saúde;
Analisar a cadeia de suprimentos e os estoques de medicamentos essenciais e tecnologias em saúde;
Mobilizar apoio financeiro e aliviar barreiras operacionais logísticas;
Avaliar e mitigar possíveis barreiras financeira ao acesso aos cuidados;
Avaliar e mitigar possíveis barreiras de acesso físico a grupos vulneráveis de pessoas;
Otimizar a proteção social para mitigar o impacto das medidas de saúde pública na segurança financeira das famílias;
Garantir clareza nos papéis, relacionamentos e mecanismos de coordenação na governança dos sistemas de saúde.
Lourenço apontou que, mesmo com uma possível desaceleração da Covid-19 em curso, “há uma preocupação com novas ondas da doença. Para implementar uma reabertura, serão necessárias algumas condições: evidências apontando que a transmissão da Covid-19 está controlada; capacidade de saúde de rastrear todos os infectados; que os riscos de surto estejam minimizados em ambientes de alta vulnerabilidade; garantia de medidas preventivas nos locais de trabalho; gerenciar o risco de exportar e importar casos de comunidades com alto risco de transmissão; e que as comunidades tenham voz, estejam informadas, engajadas e participativas para essa transição”, disse.
Sobre telemedicina, Lourenço afirmou que houve impacto com a crise da Covid-19. De acordo com ele, “dois terços das consultas de um dos principais hospitais do país, Hospital de São João, da cidade do Porto, passaram a ser feitas por telemedicina. Esta situação fará com que os hospitais repensem a sua estrutura, sua atuação e como eles atendem”, definiu.