Saúde mental no trabalho: o novo desafio das empresas com a NR-1
Em artigo, Steffanie Silveira de Fraga (advogada do RMM Advogados). destaca que a gestão da saúde mental, outrora considerada diferencial competitivo, converte-se agora em pilar de governança empresarial.
A atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), introduzida pela Portaria MTE nº 6.730/2020 e posteriormente reforçada pelas Portarias nº 1.419/2024 e nº 765/2025, trouxe inovações significativas no campo da gestão de riscos ocupacionais, com especial ênfase na obrigatoriedade de inclusão dos riscos psicossociais no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) e no inventário de riscos ocupacionais. A partir de maio de 2026, todas as empresas estarão sujeitas à fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), devendo comprovar a adoção de medidas concretas de prevenção e monitoramento desses riscos. Trata-se de uma mudança paradigmática, na medida em que desloca a saúde mental do trabalhador da esfera do discurso corporativo para o campo da obrigação legal efetiva.
Nesse contexto, a prevenção de litígios trabalhistas relacionados à saúde mental passa necessariamente pela adoção de políticas estruturadas e documentadas. A Justiça do Trabalho tem reconhecido que a boa-fé e a diligência empresarial constituem elementos fundamentais de defesa. Decisões recentes, em especial no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, apontam que empregadores que demonstraram, por meio de políticas internas, treinamentos, registros e relatórios de acompanhamento, a adoção de medidas preventivas, lograram êxito em afastar condenações mesmo em situações em que empregados apresentaram diagnósticos de transtornos psíquicos. Isso reforça o entendimento de que o cumprimento das normas regulamentadoras, aliado à gestão ativa de fatores psicossociais, é não apenas uma obrigação legal, mas também o principal escudo jurídico contra demandas indenizatórias.
Do ponto de vista prático, a empresa deve concentrar esforços em algumas frentes prioritárias. A primeira delas é a gestão da carga de trabalho. A adequada distribuição de tarefas e prazos, o controle rigoroso de horas extras e a implementação de políticas formais de pausas e de desconexão digital são medidas que reduzem a sobrecarga e demonstram, em eventual litígio, o compromisso institucional com a prevenção de adoecimento mental.
Outra frente indispensável é a prevenção ao assédio em todas as suas formas. O reforço do código de conduta, com a inclusão de cláusulas claras sobre assédio moral, sexual e discriminação, associado à realização de treinamentos periódicos com registro formal de participação e à disponibilização de canais de denúncia independentes, sigilosos e com garantia de não retaliação, compõem um tripé fundamental de proteção. Tais práticas, quando documentadas, não apenas mitigam riscos, mas constituem provas robustas de diligência empresarial em eventual demanda judicial.
No campo da saúde mental propriamente dita, recomenda-se a implementação de programas contínuos de conscientização, por meio de palestras, campanhas educativas e atividades de bem-estar, como ginástica laboral, além da oferta de apoio psicológico sigiloso, seja via convênios com clínicas, parcerias institucionais ou atendimento interno especializado. Importa destacar que, do ponto de vista jurídico, a disponibilização de tais recursos deve sempre ser documentada e publicizada internamente, de modo a comprovar que o empregador não apenas cumpriu sua obrigação legal, mas também atuou de forma transparente e acessível.
A capacitação da liderança representa outro aspecto sensível. Os gestores, em contato direto com as equipes, são os primeiros a identificar sinais de desgaste emocional ou adoecimento mental. Por isso, devem ser treinados em gestão humanizada, comunicação não violenta e práticas de suporte, sendo recomendável, inclusive, que critérios de avaliação de desempenho incluam indicadores de bem-estar da equipe. Essa medida tem efeito jurídico duplo: de um lado, reduz o risco de condutas abusivas por parte de gestores; de outro, reforça a narrativa de que a empresa adota um modelo de governança comprometido com a saúde mental coletiva.
Quanto ao monitoramento contínuo, a reaplicação de questionários de riscos psicossociais é recomendada em ciclos de 12 meses ou sempre que houver mudanças relevantes na organização do trabalho. Todavia, há aqui um ponto de atenção jurídico: a aplicação indiscriminada e não planejada desses questionários pode expor a empresa a interpretações desfavoráveis, sobretudo se empregados associarem perguntas a eventuais situações de assédio ou sobrecarga. Assim, a elaboração das questões deve ser precedida de análise criteriosa, preferencialmente por equipe multidisciplinar envolvendo jurídico, RH, saúde ocupacional e psicologia. Essa cautela evita distorções na percepção do trabalhador e fortalece a legitimidade do instrumento em eventual fiscalização do MTE ou em processo judicial.
Do ponto de vista do compliance trabalhista, recomenda-se a imediata revisão do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), a atualização do inventário de riscos ocupacionais para contemplar fatores psicossociais e a formalização de políticas internas de gestão de jornada, pausas e desconexão digital. Também é indispensável manter registros documentais contínuos (atas de reuniões, relatórios de treinamentos, certificados de participação, comunicados internos e registros de ações de saúde mental) que possam comprovar, de forma inequívoca, a diligência da empresa.
Em síntese, a adequação às novas exigências da NR-1 não deve ser vista apenas como obrigação normativa, mas como oportunidade estratégica. Organizações que se antecipam reduzem significativamente riscos de condenações e de sanções administrativas, fortalecem sua imagem institucional e constroem ambientes de trabalho mais equilibrados, sustentáveis e produtivos.
A gestão da saúde mental, outrora considerada diferencial competitivo, converte-se agora em pilar de governança empresarial, cujo alinhamento entre conformidade jurídica e cuidado com pessoas constitui não apenas uma exigência legal, mas também o principal instrumento de preservação das relações de trabalho e de blindagem contra litígios de natureza trabalhista.
Por Steffanie Silveira de Fraga, advogada do RMM Advogados.