Gestão e Qualidade | 19 de janeiro de 2016

O que hospitais devem considerar antes de oferecerem plano de saúde próprio

4 fatores-chave relacionados a missão, capacidade, confiança e timing
O que hospitais devem considerar antes de oferecerem plano de saúde próprio

Os custos na saúde estão aumentando em todo o mundo, e as margens obtidas pelos serviços prestados por hospitais, clínicas e laboratórios estão cada vez menores. A Associação Nacional de Hospitais Privados (Anhp) divulgou recentemente que a receita líquida dos mais importantes hospitais privados do Brasil caiu pela primeira vez em dez anos, agravada pelo aumento de despesas em mais de 8%

Nos EUA, por exemplo, o setor público teve em 2015 um total de gastos 5,3% acima do ano anterior, superando os US$ 3 trilhões. Estima-se que os custos dos serviços devam aumentar pelo menos 5,6% ao ano durante a próxima década – crescimento maior do que o salário médio do cidadão, a economia global (aumento do PIB) e as próprias receitas do governo que financiam os serviços, incluindo o Medicare (plano voltado para idosos ) o Medicaid (para pessoas de baixa renda), ambos planos do governo, e os planos especiais para militares e veteranos de guerra. Isso significa que os clientes/pacientes – empregadores, pessoas físicas, agências governamentais e operadoras privadas – irão pressionar os prestadores de serviços a identificar os desperdícios, excluir serviços desnecessários, eliminar fraudes, ou seja, reduzir os custos.

As operadoras privadas estão mudando seu posicionamento no mercado norte-americano, assim como ocorreu no Brasil. Recentes declarações de empresas como United Health Group, Aetna, Health Care Service Corp. afirmam que elas “podem” abandonar os planos individuais que estão vendendo nos mercados de cuidados de saúde, o que não é uma surpresa. No Brasil, esta condição já é uma realidade de mercado, já que os planos coletivos são os que dominam o mercado em termos de participação comparado com os planos individuais/familiares; justamente por não terem a carga regulatória da ANS, que entre outras coisas impede reajustes para os planos familiares/individuais acima de um percentual estipulado.

O mercado de seguros individuais é considerado instável devido às restrições regulamentares. Toda grande seguradora está diversificando seus programas e serviços, expandindo os planos coletivos e eliminando planos individuais não rentáveis. Alguns buscam parceria com hospitais e médicos como um parceiro de negócios; outros estão apostando no valor de seus dados como uma mercadoria valiosa. Aos poucos, as seguradoras estão mudando e, em muitos casos, deixando vazios no mercado.

Ironicamente, no mercado norte-americano, muitos médicos e hospitais têm desempenhado o papel de seguradora de uma maneira diferente: fornecem serviços para aqueles com ou sem recursos para pagar, oferecem programas clínicos nos quais as chances de prejuízo são quase nulas, e investem capital e recursos humanos em programas comunitários de saúde, mesmo quando a inadimplência aumenta e as margens encolhem.

Estrutura financeira e quatro fatores-chave

Dado que os hospitais e seus médicos terão a responsabilidade de oferecer baixo custo e qualidade, o que está faltando? Indiscutivelmente, o que é necessário é uma estrutura financeira através da qual os esforços para gerenciar o doente de forma eficiente. É possibilitar a manutenção da saúde daqueles que estão bem de uma forma coordenada. E esse modelo poderia ser um plano de saúde patrocinado por provedores (ou grupo de prestadores). Mas não é uma decisão simples.

A verdade é que no Brasil, ainda é raro encontrarmos planos de saúde de algum provedor, diferentemente do mercado norte-americano, que registra acordos entre prestadores de uma região, que buscam alternativas para receber de uma forma direta o desembolso dos usuários, reduzindo custos e diminuindo a burocracia envolvida.

Quatro fatores devem ser considerados, segundo Paul Keckley (foto), diretor de gestão na empresa Navigant Center for Healthcare Research and Policy Analysis, com atuação nos EUA:

1. Missão

Gerir a saúde de uma grande população é consistente com o papel e a missão das organizações de base comunitária de saúde. Patrocinar um plano – público ou privado – permite aos fornecedores um mecanismo para manter relacionamentos de forma contínua.

2. Capacidade

A gestão de profissionais, capital, infra-estrutura e risco regulatório associado ao custo de um plano pode ser atenuado através da colaboração com planos oferecidos pelo prestador. Não há nenhum segredo para a administração competente de um plano. Isso é feito com sucesso em muitas instituições, e suas lições podem ser aproveitadas. É um mito que os pagamentos por performance são inferiores ao obtido por atendimento privado (fee-for-service). Estudos recentes (nos EUA) mostraram que os planos patrocinados por sistemas de provedores competem de igual para igual até mesmo com os mais fortes planos nacionais.

Essas organizações adquirem competências de gestão de cuidados que constituem uma ameaça para as seguradoras – por isso a relutância em partilhar o risco com fornecedores de forma equitativa. Não há atalhos para um projeto de plano eficaz, é preciso, dentre alguns pontos:

Analisar o risco atuarial e os preços.

O design de rede.

Os fornecedores credenciados e avaliar desempenho.

Gestão médica, as mensalidades e o atendimento ao cliente.

O formulário e a multiplicidade de competências necessárias em um plano.

Mas provedores que compartilham esses riscos operacionais e financeiros são capazes de competir bem no mercado.

3. Confiança

O público confia em hospitais e médicos mais do que nas operadoras. A comunidade – empregadores, pessoas físicas, legisladores e líderes comunitários – vão responder favoravelmente se um plano oferecido é competitivo. A Boeing, por exemplo, fechou um acordo  com um sistema de saúde recentemente, deixando de fora as operadoras.

A decisão de pagar por um plano deve ser deliberada cuidadosamente e não tomada sem critérios. Na maioria das comunidades, um parceiro de negócios será necessário para atingir resultados eficientes. Se os custos do sistema de saúde são elevados ou as expectativas dos médicos são de que plano é “proteger o status quo“, a estratégia estará errada. Os maiores desafios são estratégicos:

Como construir uma estrutura sustentável através da qual médicos, hospitais e estabelecimentos de saúde podem compartilhar riscos, competir e crescer com base em custos, resultados e serviço.

Como elaborar programas e serviços como uma transição proposital de um sistema de serviços de partes afiliadas independentes (sob uma seguradora) para um sistema integrado e interdependente de saúde.

Como contratar e evitar a sua retaliação se o sistema patrocina seu próprio plano.

4. Timing

A indústria de plano de saúde privado está em um ponto de inflexão. Seus limites estão em risco. O mercado tradicional está cada vez mais exigente. Seus lucros estão diminuindo e os órgãos reguladores estão observando isso. Como os gestores e administradores de políticas examinam a consolidação das fusões no setor de seguros e como as instituições buscam mais valor para os seus planos, um plano patrocinado localmente que é competitivo e está claramente em alinhamento com as necessidades da comunidade local, vale a pena a discussão, especialmente se o desempenho financeiro está diretamente ligado ao benefício da comunidade, em vez de gerar valor para a seguradora. Há um cenário para que prestadores, legisladores e formuladores de políticas facilitem o papel da rede do mercado de seguros individuais, combatendo assim a rápida migração (que tem ocorrido nos EUA) para os planos de saúde públicos, especialmente após o advento do Obamacare.

O artigo do Hospitals & Health Networks estima que, em 20 anos, a peça central de cuidados de saúde em cada comunidade será um sistema integrado que ofereça um conjunto de instalações de varejo e de internação e centros de serviços, uma rede de clínicas médicas e outros profissionais de saúde ligados uns aos outros e com os pacientes/clientes. O autor também imagina um plano de saúde através do qual os serviços são acessados ​​em transações gerenciadas.

Um plano de saúde deve contar com a confiança dos consumidores, dos empregadores e de outros compradores (como empresas). “Isso vai premiar planos patrocinados pelo provedor que trabalham bem e punir aqueles que não o fazem. Investir no projeto de um plano de saúde é um grande passo para a maioria dos hospitais e seus médicos. “Ter um plano patrocinado pelo próprio provedor não é uma garantia de sucesso: a execução de um plano é um negócio difícil, mas várias organizações prestadoras de serviços de qualidade ​​têm sido bem sucedidas”, destaca Paul Keckley.

A criação de um plano, de forma independente ou em colaboração com outras organizações prestadoras de serviços, parece um rumo sensato. “É uma questão de missão, propósito e confiança. Por estas razões, o futuro parece brilhante para os planos de saúde patrocinados pelo provedor”, defende o articulista.

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