Estatísticas e Análises | 3 de setembro de 2020

Novos estudos evidenciam benefícios do uso de corticoides em pacientes com Covid-19

Estudos apontam redução de mortalidade em pacientes graves com Covid-19 e diminuição do tempo de uso de ventilação mecânica
Novos estudos evidenciam benefícios do uso de corticoides em pacientes com Covid-19

Dois novos estudos publicados quarta-feira (2) no Journal of the American Medica Association (JAMA) confirmaram benefícios do uso de corticoides como tratamento para a Covid-19. No primeiro, ficou evidenciado a redução de mortalidade em pacientes graves com Covid-19, e no segundo, a diminuição do tempo de uso de ventilação mecânica com o dexametasona.

No primeiro estudo, o uso de corticoides reduziu o risco de morte em um terço em pessoas hospitalizadas em quadro grave com Covid-19, de acordo com uma análise que abrange sete ensaios clínicos diferentes conduzidos pela Organização Mundial de Saúde.

Os resultados positivos de esteroides – o resultado de uma análise conjunta de dados conhecidos como uma meta-análise – confirmam o benefício de sobrevivência semelhante relatado em um grande estudo publicado em junho. Os corticosteroides são a primeira, e até agora a única, terapia que mostrou melhorar as chances de sobrevida para pacientes criticamente enfermos com Covid-19. 

Estudo embasou novas diretrizes da OMS

Com base nos dados recém-publicados, a OMS divulgou na quarta-feira novas diretrizes de tratamento pedindo que os corticosteroides se tornem o padrão de tratamento para pacientes com Covid-19 em estado “grave e crítico”. Esses pacientes devem receber 7 a 10 dias de tratamento, disse a OMS em um painel.


Porém, a Organização advertiu contra o uso de anti-inflamatórios esteroides em pacientes que não estiverem em condições grave da doença, dizendo que “o uso indiscriminado de qualquer terapia para Covid-19 poderia esgotar rapidamente os recursos globais e privar os pacientes que podem se beneficiar dele como terapia potencialmente salvadora”.

“As descobertas consistentes de benefício nesses estudos fornecem dados definitivos de que os corticosteroides devem ser o tratamento de primeira linha para pacientes gravemente enfermos com Covid-19”, disseram Hallie Prescott e Todd Rice, professores de medicina da Universidade de Michigan e da Universidade de Vanderbilt, respectivamente, em um editorial do JAMA.


Resultados

A nova análise incluiu dados de 678 pacientes randomizados para tratamento com corticosteroides / esteroides (como dexametasona, hidrocortisona ou metilprednisolona) e 1.025 pacientes para tratamento usual ou placebo. Todos os pacientes tiveram um diagnóstico confirmado de Covid-19 e foram internados em um hospital. A maioria estava em ventilação mecânica, sendo 29% mulheres.

Após 28 dias, 33% dos pacientes tratados com esteroides vieram a óbito, em comparação com 41% dos pacientes em tratamento usual ou com placebo. Na meta-análise, a diferença na mortalidade absoluta se traduziu em uma redução de 34% no risco de morte no grupo que recebeu esteroides – considerado um resultado estatisticamente significativo.

O benefício de sobrevida permaneceu consistente, independentemente do tipo de esteroide administrado, a dose ou se os pacientes estavam recebendo ventilação mecânica ou oxigênio suplementar, afirmam  os pesquisadores.

Os corticosteroides não atacam diretamente o novo coronavírus. Em vez disso, os medicamentos atuam amortecendo a atividade do sistema imunológico de um paciente para impedi-lo de atacar os pulmões – uma condição séria e muitas vezes fatal chamada de síndrome da angústia respiratória aguda (SARA).

A primeira evidência de que esteroides comuns poderiam melhorar a sobrevida de pacientes com Covid-19 grave surgiu em junho, quando pesquisadores britânicos conduzindo um grande ensaio clínico chamado RECOVERY relataram que o uso de dexametasona reduziu a taxa de mortalidade em 35% em pacientes que requerem ventilação e em 20 % em pacientes que precisaram de oxigênio, mas não foram ventilados.

Antes do anúncio público dos resultados do ensaio RECOVERY, os médicos estavam relutantes em usar esteróides para tratar pacientes com Covid-19 gravemente enfermos devido a preocupações com os efeitos colaterais.


Patrick Vallance, o principal conselheiro científico do governo do Reino Unido, falando em junho, chamou o benefício de sobrevivência da dexametasona do estudo RECOVERY de “um desenvolvimento inovador em nossa luta” contra a Covid-19. Mas as descobertas também dificultaram os esforços para confirmar os resultados. Outros ensaios clínicos randomizados e controlados que investigavam o uso de esteroides naquela época não conseguiram inscrever pacientes adicionais.


Por esse motivo, o Grupo de Trabalho de Avaliação Rápida de Evidências para Terapias COVID-19 (REACT) da OMS interveio para coordenar a meta-análise desses ensaios incompletos, mas randomizados e controlados. A análise foi feita prospectivamente, o que significa que os dados e os resultados dos sete ensaios individuais não eram conhecidos com antecedência, mas foram compartilhados pela primeira vez com a equipe da OMS.

Três dos ensaios clínicos individuais de esteroides foram publicados no JAMA na quarta-feira, juntamente com a meta-análise da OMS.

Por outro lado, o uso de esteroides ainda levanta dúvidas para os especialistas. Como está comprovado o seu benefício em pacientes em estado grave, agora muitos especialistas questionam o uso precoce – uma das preocupações com os esteroides é que, administrados muito cedo no curso do Covid-19, eles podem prejudicar a capacidade do corpo de eliminar o vírus, levando a resultados piores em muitos casos.

Estudo brasileiro conclui que uso de dexametasona diminui o tempo de ventilação mecânica

Além das descobertas em relação à diminuição da mortalidade, um estudo brasileiro, também publicado na quarta-feira (2) no JAMA, concluiu que o uso do corticoide dexametasona reduz o tempo que pacientes adultos infectados pelo novo coronavírus precisaram do uso do respirador durante a recuperação no hospital.

Os especialistas acompanharam quase 300 pacientes e observaram que os infectados que fizeram uso do medicamento passaram, em média, 6,6 dias sem necessitar de suporte respiratório. Já os que não usaram o corticoide, ficaram sem respirador apenas quatro dias.

O estudo foi produzido pelo grupo Coalizão Covid Brasil, que reúne diversos hospitais e centros médicos do país. A coalizão formada por oito organizações de saúde (Hospital Israelita Albert Einstein, HCor, Hospital Sírio-Libanês, Hospital Moinhos de Vento, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, BRCI – Brazilian Clinical Research Institute, e BRICNet – Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva).


Conforme nota do Hospital Moinhos de Vento, “a retirada mais precoce do respirador artificial pode se associar ao menor risco de complicações decorrentes da permanência na UTI, alta mais precoce da terapia intensiva com liberação de leitos e economia de recursos humanos e financeiros, mormente num cenário de escassez como o da atual pandemia.”


O estudo Coalizão III teve início no dia 17 de abril, com inclusão do último paciente em 23 de junho, e seguimento clínico finalizado em 21 de julho. Foram incluídos 299 pacientes com síndrome respiratória aguda grave submetidos a ventilação mecânica (respiração artificial) em 41 UTIs brasileiras.

Os pacientes analisados tinham idade média de 61 anos e 66% deles eram do sexo masculino. Por meio de randomização (sorteio), os pacientes receberam dexametasona mais suporte clínico padrão (151 pacientes) ou apenas suporte clínico padrão (148 pacientes). A dexametasona foi usada por via endovenosa na dose de 20 mg durante 5 dias e 10 mg durante 5 dias, com suporte clínico de acordo com a equipe médica que assistia os pacientes. A avaliação do efeito do tratamento com dexametasona considerou como resultado principal o número de dias que o paciente permaneceu fora do respirador artificial em até 28 dias.

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Com informações do site Stat News e Hospital Moinhos de Vento. Edição do Setor Saúde.



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