Mantendo a operação do Hospital Moinhos de Vento durante a maior calamidade climática da história gaúcha
Em artigo, o Superintendente Administrativo do Hospital Moinhos Evandro Moraes fala sobre a "operação de guerra" montada para auxiliar a sociedade gaúcha.Pensei que minha geração não seria submetida novamente a provações tão intensas depois do que passamos na pandemia do COVID-19. A maior crise sanitária da nossa era nos deixou marcas profundas e um legado de dores que administramos até hoje. Todavia, mal sabíamos que, nós gaúchos, tínhamos reservado ainda para nossa geração o maior desastre climático da história do Rio Grande do Sul.
Em menos de 15 dias, a natureza, de maneira violenta e avassaladora, deu mostras do quanto uma conta de descaso e desinteresse com a pauta do meio ambiente em desequilíbrio pode nos custar caro: uma enchente devastadora que testou os limites da resiliência humana, na qual cidades inteiras foram destruídas, infraestruturas aniquiladas por completo e um povo de joelhos contou seus mortos, sem entender a razão de tamanha fúria. Num momento de extrema gravidade, o propósito maior de todos foi o de salvar vidas, vidas isoladas, desesperadas e passando fome, vidas sofrendo com a sede pela falta de água, um paradoxo cruel, no qual a água, em abundância, nos retirou a água que nos mantém vivos.
A solidariedade recebida de todo país em forma de mensagens e doações aqueceu, confortou e nos motivou a seguirmos em frente; motiva ainda hoje um exército de voluntários que atua diuturnamente no socorro e acolhimento às vítimas dessa tragédia humanitária, um gesto de atenção e um voto de confiança na bondade humana.
Em meio a este cenário de desastre e caos, nós, do Hospital Moinhos de Vento, seguimos de maneira firme e planejada durante todo este evento, apoiando as autoridades, cumprindo o nosso papel com a sociedade e, acima de tudo, garantindo o cuidado dos mais de 500 pacientes internados que precisam de nosso atendimento diariamente.
Prover água, energia elétrica, gases medicinais, nutrição, telefonia, links de internet, materiais médicos, medicamentos e manter toda a equipe de colaboradores mobilizada durante uma catástrofe nas condições mais adversas, é como montar uma grande operação de guerra: criamos, inovamos e nos adaptamos um dia após o outro, mantendo-nos 100% operacionais e garantindo cuidado de excelência ao paciente. Mobilizar a rede de fornecedores, criar rotas alternativas de abastecimento viabilizadas em função dos bloqueios de vias, repadronizar itens substitutos sem perda de qualidade, acessar a outros mercados abastecedores com logística não impactada pela calamidade, foram ações diretas na cadeia de suprimentos que garantiram nosso histórico de ruptura zero de itens disponíveis aos pacientes há mais de 5 anos.
Durante os angustiantes 16 dias em que nos mantivemos sem abastecimento regular de água, a equipe do hospital enfrentou a adversidade do racionamento com lucidez, criatividade e determinação. Recorrendo ao abastecimento por meio de caminhões-pipa foram recebidos em média, através de uma logística complexa e bem articulada, 15 caminhões/dia que equivalem a um volume aproximado de 270.000 litros de água a cada 24 horas. Outra ação fundamental para nossa sobrevivência foi a criação de uma estação própria de tratamento de água, originada de um poço artesiano, equipada com sistemas de filtragem, cloração e monitoramento constante da qualidade. Semanalmente, laudos de potabilidade garantiram que a água fornecida aos reservatórios estivesse dentro dos padrões seguros de consumo, oferecendo um raio de esperança em meio à escuridão dessa calamidade.
Outra ação importante, de gestão e controle de um insumo de extrema sensibilidade ao cuidado assistencial de pacientes, foi a de prevenir a escassez de cilindros de oxigênio líquido; fruto de um alinhamento colaborativo com o fornecedor regular deste item, a medida adotada foi de manter dois caminhões carregados com cilindros de O2 no estacionamento do hospital, prontos para abastecerem as necessidades emergenciais a qualquer momento. Esses veículos se tornaram uma base avançada de estoque, assegurando que a vida pudesse continuar a fluir, mesmo em meio aos desafios logísticos mais desalentadores.
Com o fechamento do aeroporto Salgado Filho devido ao seu completo alagamento, a capital gaúcha se viu diante de um obstáculo aéreo significativo. No entanto, graças ao heliponto do Hospital Moinhos de Vento reformado e reinaugurado em dezembro de 2023, operações aéreas de apoio humanitário puderam ser realizadas, garantindo o transporte vital de suprimentos médicos, bolsas de sangue, insulinas, equipes médicas, resgate de desabrigados e transferência de pacientes para o nosso hospital. Essa infraestrutura emergencial desempenhou um papel crucial na resposta rápida do hospital à essa crise, gerando a fluidez e agilidade nas ações que o momento exigia. Nos 12 dias mais críticos da calamidade, foram 60 as operações aéreas realizadas pelas mais variadas aeronaves, de diversos órgãos públicos, empresas privadas e particulares.
O grande farol de luz sobre esse capítulo sombrio de nossa história, emerge da resiliência e solidariedade do povo gaúcho: voluntários arriscaram suas vidas para salvar outras, demonstrando o verdadeiro espírito de humanidade e altruísmo. Além disso, o apoio e a generosidade de todo o Brasil foram fundamentais para superar os desafios iniciais e começar a reconstrução. Em tempos de adversidade, o povo se uniu, destacando a força inabalável da sociedade civil organizada diante das piores circunstâncias impostas.
É fundamental também citar um agradecimento especial aos nossos mais de 4 mil colaboradores e médicos do Corpo Clínico. Nossos heróis aqui não vestem capa, tão pouco participam de reality shows: eles vestem o branco médico-assistencial, o azul da manutenção, o bege escuro dos bombeiros civis, o cinza da hotelaria ou simplesmente os trajes informais dos administrativos. A eles nossa gratidão, reconhecimento e meu fraterno muito obrigado.
Muito ainda há de se falar, investigar, apurar causas e responsabilidades quanto a essa tragédia sem precedentes. As lições e aprendizados durante a pandemia do COVID-19 não me pareceram suficientemente assimiladas, principalmente quando olhamos o segmento hospitalar. A falta de investimentos em infraestrutura de base, o subfinanciamento das operações, um olhar mais técnico sobre planejamento estratégico e tático prévios e uma melhor qualificação da força mentora de gestão nos hospitais, foram problemas evidentes e feridas expostas nesses dias de crise. Havia boa vontade de muitos no auxílio, mas uma desorganização e falta de um plano claro para a maioria, um triste quadro de desalinhamento e despreparo. Seguimos tendo muito a evoluir nesse ponto e com um mundo de oportunidades e melhorias a serem exploradas.
Mas principalmente há muito que se fazer para que boa parte da população riograndense recupere seu mínimo de dignidade em moradias, infra estruturas essenciais e básicas para sua existência. A vida precisa ser retomada e as condições mínimas para o futuro de nosso estado serem reestruturadas. O resgate da economia e do equilíbrio do estado, passam obrigatoriamente por essa reconstrução. Sigamos prezando pela união, sendo fortes e resilientes para salvarmos vidas e superarmos juntos toda essa adversidade. Nós gaúchos amamos essa terra e acreditamos com fé que, em breve, tudo ficará bem.
Evandro Moraes: Profissional com 36 anos de carreira, tendo foco na alta gestão estratégica de grandes corporações. Conhecimento agregado nos últimos 10 anos do segmento hospitalar e de saúde, sendo responsável direto por áreas de apoio e geradoras de resultados ao negócio do Hospital Moinhos de Vento em Porto Alegre: Suprimentos (Compras e Logística de Materiais), Infraestrutura (Engenharias Clínica, Predial, Eletromecânica e Obras), Tecnologia da Informação (hardware, software, dados e inovação), Saúde Digital (Telemedicina), Gestão Ambiental, Segurança Patrimonial e Estacionamentos. Administrador de formação, possui educação executiva pela Harvard Business School em “Valor no Cuidado à Saúde”, Pós-MBA pela Fundação Getúlio Vargas em “Inteligência em Negócios”, MBA executivo internacional pela University of California em “Gerenciamento de Negócios” e MBA pela Fundação Getúlio Vargas em “Supply Chain Management”. É professor convidado do programa de MBA em Gestão na Saúde da PUC/RS na disciplina de “Sustentabilidade em Saúde”, professor convidado da pós graduação em saúde da Faculdade Unimed, professor convidado do MBA em Saúde da Faculdade Moinhos de Vento e um dos 100+ influentes da saúde no Brasil em 2022 e 2023 pelo Grupo Mídia.