Empregabilidade e Aperfeiçoamento | 15 de abril de 2025

Grupo São Pietro promove ensinamentos e reflexões com especialista em saúde indígena

Oscar Espellet Soares participou de encontro com residentes médicos da instituição e trouxe a sua experiência no cuidado das populações indígenas da Amazônia, em especial doenças oftalmológicas como o tracoma.
Grupo São Pietro traz reflexões trazidas por especialista que atua na Amazônia

Uma história dedicada a levar saúde aos cantos do Brasil que, muitas vezes, são esquecidos pelos governantes, e como a prática médica pode transformar e impactar populações inteiras. Com estes temas, o 8º Encontro de Ensino e Pesquisa do Grupo São Pietro Hospitais e Clínicas, teve a apresentação do Oscar Espellet Soares, médico que mudou sua atuação como cirurgião geral para focar no cuidado das populações indígenas da Amazônia, em especial doenças oftalmológicas como o tracoma, na terça-feira (8/4). Com patrocínio da Cristália, o evento realizado na Casa do Marquês foi direcionado para a residência médica do Grupo São Pietro e focou na experiência de Espellet, além de trazer novas perspectivas sobre a prática da medicina longe de grandes centros urbanos.


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A trajetória do médico começou há 25 anos, em São Gabriel da Cachoeira, cidade da Amazônia onde 90% dos moradores são indígenas, sendo a maior população indígena brasileira em um único município. A cidade possui 4 idiomas oficiais – com o português como quinto – além de ter 26 línguas nativas no total. É o único lugar do país onde se fala a língua geral, idioma derivado do latim e do tupi guarani criado por portugueses para unificar a comunicação entre eles e os povos originários. Por lá, percebeu alta incidência de tracoma, doença infecciosa ocular que, em suas formas mais graves, causa cegueira, especialmente em faixas etárias mais avança, em pessoas de todas as idades. Ao perceber o descaso do poder público com a questão, passou a dedicar sua vida a percorrer uma área de 110 mil km2 de barco ou a pé para levar saúde e trazer consigo um pouco da cultura das tribos que conheceu.


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“Onde existe fome, miséria, malária, tuberculose, pneumonia, hanseníase e outras doenças esquecidas, o tracoma vem junto. O tracoma serve como um indicativo de vulnerabilidade social”, contextualiza Espellet. “É uma doença que fica escondida onde não há atenção, pois não há interesse das pessoas resolverem. Para solucionar o problema tem que ter vontade para procurar a doença”, finaliza.

Em sua primeira viagem, conheceu Carlinhos, criança de 7 anos da etnia Huphda, em estágio avançado de tracoma, sem conseguir abrir os olhos. Normalmente, a condição só atinge esta etapa em adultos com uma sequência de infecções repetidas, causando baixa visão e cegueira, sendo o incomum acontecer em uma criança e demonstrando a gravidade do quadro do jovem. Espellet assumiu o compromisso de aprender a cirurgia corretiva e tornou-se o primeiro médico a operar tracoma em aldeias indígenas no Brasil sem ser oftalmologista.

Durante a operação, sedou o jovem e chamou toda a aldeia para acompanhar o evento. A operação foi feita com auxílio da minha auxiliar geral e técnica de enfermagem da etnia Tukano, Genesia Prado, que atuava como tradutora do idioma nativo e uma pessoa que fazia a função de monitorar sinais vitais, usando um relógio para contar os batimentos, verificando a respiração e tocando no paciente para sentir temperatura. Apesar de ser uma prática autorizada, difundida em populações desassistidas – em especial na África e Ásia – e autorizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), ele foi denunciado ao Conselho Federal de Medicina sob acusação de que fazia experimentos com os indígenas.

“Foi feita uma reunião em Brasília, de portas fechadas, querendo impedir minha atuação. Na época, meu superior me defendeu dizendo que aquilo era um grave equívoco e que, o que eu fazia lá, não foi feito em 50 anos por quem poderia. Enquanto diziam que eu havia o matado Carlinhos e ia tirar os olhos do jovem, eu o operava. Quando eu terminei, ele despertou, abriu os olhos para mim e foi uma festa na aldeia. No momento que o Ministério da Saúde soube disso, enviou uma equipe para ir a São Gabriel da Cachoeira e passou a educar os profissionais e eu não fui convidado, mas frente ao meu testemunho inesperado, ingressou nas fileiras de combate ao tracoma”, relembra.

Desde então, o debate sobre tracoma e populações indígenas evoluiu e ganhou mais atenção, apesar de ainda estar aquém da cobertura de saúde necessária, conforme explica Espellet. Apesar do corpo técnico e apoio do Ministério da Saúde seguir como parceiro no combate ao tracoma – além do esforço de luta coletivo com profissionais de diferentes partes do Brasil – o médico ainda percebe manipulações políticas que tentam esquecer e negligenciar a doença. No final de 2024, o Ministério da Saúde fez um processo para comprovar eliminação de doença no país, no entanto, não foi possível devido aos casos em tribos indígenas, onde ainda há alta prevalência. Para o médico, há um descaso preocupante sobre as estatísticas da condição. “Meus dados não agradam Ministério da Saúde, partidos políticos e Organização Mundial da Saúde, mas são reais. Sem falar que, se você não vai ao local e não luta pela causa, os dados não aparecem, os dados somem”.

Intercâmbio cultural e a prática médica

Além da sua luta contra o tracoma, Espellet compartilhou fotos e outras vivências adquiridas nestes 25 anos de atuação com as populações indígenas. Desde as condições que atuava, esterilizando seus equipamentos em uma panela de pressão no meio do mato e operando em escolas de aldeias – quando haviam – com redes de proteção contra mosquito, até as particularidades das culturas que conheceu. Como exemplo, citou a cultura Huphda e a forma como lidam com o envelhecimento.

“Quando os Huphdas ficam idosos com idade de não conseguir mais manter o próprio sustento, o restante da tribo considera que essas pessoas estão mortas, é uma morte social. Com isso, podemos perceber o peso de ser cego nessa comunidade. É como eles encaram a vida, são os hábitos e costumes daquele povo. É importante lembrar que, a única coisa que eu posso fazer, é não gostar. Ao falar da cultura de uma população, não podemos romper ou modificar. No máximo, gostar ou não”, explica.

Outro destaque de sua apresentação foi a crítica feita ao pensamento ocidental verticalizado, que pretende apenas levar algo aos povos indígenas, mas não vê esta oportunidade como possibilidade de uma troca. “É fundamental entender e reconhecer que eles também estão te educando. Precisamos entender que, somos criados a partir de uma série de convenções que fazem sentido para nós e eles também. É necessário perceber, reconhecer o outro, respeitar sua cultura e entender que podem nos ensinar muito. Não há barreiras entre os povos, deve haver respeito mútuo”, encerra Espellet.

Com informações e fotos Grupo São Pietro. Edição SS.

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