Estudo revela situação da judicialização da saúde no Brasil
A cada 10 solicitações, 8 são concedidasO termo judicialização é usado na saúde quando ocorre a utilização do Judiciário como alternativa para a obtenção de um medicamento ou tratamento que não é previsto na relação nacional ou tem custo alto. O Programa de Direito Sanitário da Fiocruz Brasília (Prodisa) estuda o tema desde 2002. A mais recente pesquisa do grupo traz um levantamento nacional da judicialização nos municípios brasileiros.
No estudo Judicialização da Política Pública de Saúde nos Municípios Brasileiros: Um Retrato Nacional, pesquisadores trabalharam com mais de 4 mil processos do banco de dados do Programa de Direito Sanitário da Fiocruz Brasília (referentes a 2012-2013) e também coletaram dados de mais de 8.500 processos (de 2012 a 2017) junto aos tribunais de todo o país. Ao todo, 12.620 processos foram coletados. A maioria dos dados vem da região Sudeste, com destaque para o estado de São Paulo; apenas os estados de Sergipe e Roraima não disponibilizaram dados para a pesquisa.
A maior parte dos casos é de pacientes do SUS, mas não é possível saber se a pessoa deu entrada no SUS apenas para abrir o processo judicial ou se nunca foi atendida na rede privada. Nas regiões Sul e Sudeste, a maior parte das ações é movida por escritórios e advogados privados, enquanto nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, se sobressaem os pedidos para se realizar um exame e os pedidos chegam ao Judiciário por meio de defensores públicos.
Risco de morte e hipossuficiência
As principais argumentações das judicializações são o risco de morte e a hipossuficiência (falta de recursos financeiros). Em mais de 80% dos processos (8 a cada 10), o pedido é concedido automaticamente e, raramente, trazem a comprovação da demanda e uso pelo paciente, ou mesmo o comprovante de entrega do medicamento.
Para Pedro Paulo Chrispim, consultor em pesquisa e avaliação do Hospital do Coração (São Paulo), o monitoramento desses processos judiciais é possível, mas a dificuldade de acesso inviabiliza uma coleta de dados em tempo real.
A coordenadora do Programa de Direito Sanitário da Fiocruz Brasília, Maria Célia Delduque, lembrou que os desafios desta pesquisa começaram na coleta e dados, pois ao mesmo tempo em que nem todos os magistrados permitiram o acesso aos livros de sentença, em alguns locais, a equipe de pesquisadores percorreu ambientes insalubres nos porões dos tribunais em busca dos dados brutos, onde não havia informatização.
S-Codes
São Paulo tem, atualmente, 51 mil ações judiciais em atendimento e mais de 35 mil demandas administrativas. Para lidar com tamanho número de informações, está sendo utilizado um sistema de informação específico para a coleta de dados, o S-Codes. A partir do sistema, os gestores puderam criar um índice paulista de judicialização, que consiste no número de ações judiciais a cada 10 mil habitantes.
A média de processos no estado é de 3,3, mas em regiões que são consideradas polos de produção de conhecimento em saúde, como Ribeirão Preto, Barretos e Marília, por exemplo, existe uma média de 11 processos para cada dez mil habitantes. Na grande São Paulo, a média é de 0,77.
A maior judicialização nestes locais pode ter relação ao maior acesso à Justiça, segundo Paula Sue Facundo de Siqueira, da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo. Ela apresentou um perfil da judicialização em São Paulo, que segue o padrão apresentado na pesquisa nacional:
58% das ações judiciais vem da prescrição de um médico particular
65% é referente a medicamentos
78% deles não são padronizados no SUS
2% são produtos importados sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)
Em 22% das ações, se pede uma marca comercial específica do medicamento
Ao longo da pesquisa, foram observadas fraudes em vários processos, assim como a alteração no Código Internacional da Doença a que se refere o pedido durante os trâmites processuais, assim como uso de medicamentos em fase de pesquisa e pedidos de auxílio para a saúde de animais domésticos ou procedimentos estéticos. A previsão é que, com o auxílio do sistema S-Codes desenvolvido em São Paulo, se forme um observatório da judicialização que apoie os gestores estaduais e municipais e possibilite monitorar o tema ao longo do tempo em todo o Brasil.
Rio Grande do Sul
As ações judiciais que envolvem demandas relativas à saúde no Rio Grande do Sul vinham em uma crescente até o ano de 2016. Segundo dados divulgados pelo Comitê da Saúde do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Comitê de Planejamento e de Gestão Sistêmicos (PGS) houve uma redução de 17% nos gastos com a judicialização individual, especialmente com remédios, em relação ao ano anterior. Em 2012, o RS gastou R$ 200.278.136,11. Nos anos seguintes houve aumento: 2013: R$ 237.152.408,90; 2014: R$ 265.097.174,58 e 2015: R$ 324.898.973,03. E finalmente, em 2016, queda: R$ 275.807.868,21.
Segundo o CNJ, algumas práticas adotadas em 2016 contribuíram para os bons resultados, como a realização de cursos e workshops no interior do estado e a realização de mediação prévia pela Defensoria Pública, com o ajuizamento somente dos pedidos realmente necessários. Os dados de 2017 do Rio Grande do Sul ainda não foram divulgados.
A Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Saúde do Rio Grande do Sul (FEHOSUL) participa do Comitê do CNJ no RS, através do seu diretor executivo, Flávio Borges, e pela sua assessoria jurídica.
Borges enfatiza que ocorreu uma redução significativa dos processos após a análise pelo comitê. “Os setores se integraram, começaram a trabalhar conjuntamente e focaram em determinados pontos que trouxeram resultados muito positivos”, conta.
Muitos casos eram decorrentes da solicitação de orteses e próteses, medicamentos e internações. Na medida em que houve essa integração, foi criado um grande sistema e uma forma de proceder. “Os casos não foram diminuídos por obstáculos ou impedimento. Mas pelo fato de se regrar a forma que se solicita e também pelo apoio técnico ao judiciário, não deixando o juiz sozinho na decisão”, explica.
Segundo o diretor executivo, as ações do grupo trouxeram um apoio científico gabaritado, através de uma acessibilidade que não havia antes.