Empregabilidade e Aperfeiçoamento | 23 de junho de 2020

Como falar sobre morte com crianças em tempos de Covid-19

Psicólogas Fernanda Lopes e Juliana Vieira lança e-book gratuito sobre o tema
Como falar sobre morte com crianças em tempos de Covid-19

Com a chegada da Covid-19, tornou-se ainda mais difícil lidar com o tabu da morte. O isolamento social e a falta de rituais de despedida são complicadores para a vivência do luto em tempos de pandemia. O quadro se agrava ainda mais quando é preciso falar sobre morte com as crianças.

Muitas vezes, na tentativa de protegê-los, os adultos evitam um contato inevitável da criança com essa temática. Visando facilitar a comunicação entre pais e filhos, a Escutha Psi, instituição que atua em educação continuada para os cuidados em saúde, juntamente com a Editora UECE, lançaram o ebook gratuito: Como comunicar às crianças a morte de um ente querido por Covid-19?, de autoria das psicólogas da área hospitalar Fernanda Lopes e Juliana Vieira.

O objetivo é tornar o assunto mais acessível para as famílias e desenvolver com cuidado a aceitação da perda na criança. Clique aqui para baixar a cartilha.

Falar da morte: um tabu

De acordo com Fernanda Lopes, que também é diretora da Escutha Psi, a morte ainda é um tabu social que as pessoas evitam falar a qualquer custo e esse tabu é reverberado para outras gerações.

“Temos a ideia errônea de que evitar falar sobre morte vai nos impedir de viver a dor e o sofrimento. Mas ela é inevitável, e quando encontramos espaço para o diálogo é o momento em que abrimos uma janela para que esse processo seja vivido de maneira mais confortável. Sendo assim, isso não é diferente com as crianças. Evitar falar sobre isso não protege as crianças do processo do luto, bem como pode ser um grande complicador na vida adulta”, disse.


A psicóloga Juliana Vieira diz que muitos pais se equivocam no momento de comunicar a morte de um ente querido, utilizando uma linguagem fantasiosa com a criança. “Não devemos falar que a pessoa querida que faleceu foi viajar, está dormindo ou papai do céu levou. A criança precisa ter uma sensação concreta e racional sobre o que aconteceu, até mesmo para não gerar perda de confiança, sensação de revolta ou o sentimento de ter sido abandonado pela pessoa querida. Além disso, temos que dar espaço para a criança falar o que se sente e abrir um diálogo sobre isso, podendo até mesmo usar uma linguagem com elementos lúdicos para que a compreensão seja mais fácil. ”




A criança e o luto em tempos de Covid-19

Fernanda Lopes também explica no e-book como falar sobre isso de maneira mais fácil em tempos de Covid-19.


“Uma das formas é lembrar a criança de experiências de perdas anteriores (pode ser um bichinho de estimação, uma plantinha) e usar essa experiência para ajudar na situação atual. Se houver rituais virtuais, é necessário estimular a criança a fazer alguma homenagem (seja via cartinha, vídeo, cantar uma música) e se esforçar para que as homenagens da criança chegue até lá, validando o seu esforço e a criação. É necessário se manter perto da criança fisicamente, responder os seus questionamentos de forma honesta e repetidas vezes se for preciso, além de permitir que a criança expresse todos seus sentimentos sobre a perda”, explica.


A supervisora pedagógica da Escutha Psi, Juliana Vieira, reforça que podem surgir várias reações emocionais e comportamentais na criança que são normais nesse período. “Inquietação, isolamento, ansiedade e até enurese (fazer xixi na cama) são sintomas que consideramos normal no período do luto. Mas é preciso entender que, assim como para os adultos, o luto é um processo individual para as crianças e que dura o tempo que precisa durar, dependendo muito da relação que o pequeno tinha com a pessoa querida. Caso ocorra muitas mortes na família da criança devido ao Covid-19, é necessário ficar mais próximo e atento às reações, além de procurar apoio psicológico para ela”.

Juliana Vieira e Fernanda Lopes

Utilizando a linguagem lúdica para falar sobre morte

Steffanne de Lima tem 33 anos e é mãe de três crianças (Valentina, 5 anos; Heitor, 2 anos e Pedro 10 meses). Ela confessa que encontra dificuldade em falar sobre morte com o filho. De acordo com ela, ver o sofrimento e a dor num filho ainda é um desafio. “Eu, mãe, apegada que sou, muitas vezes caio no discurso ingênuo de não querer que meus filhos sofram, embora tenha consciência da importância de falar sobre o tema. Eu confesso que preciso falar para mim mesma sobre a morte e acolher a desorganização emocional que ele me traz, para depois olhar para a dor causada no meu filho e conseguir acolher ele”, disse.

Segundo Fernanda Lopes, muitos adultos ainda acreditam que as crianças não entendem e não sentem a dor de uma perda, mas elas têm uma percepção sensitiva e afetiva para entender a perda de alguém que elas amam. “As crianças têm uma linguagem singular e própria, por isso existem diversos filmes, desenhos e materiais como esse ebook que tem uma identidade visual e linguagem interligada com a da criança para falar sobre a morte”.


De acordo com Steffanne de Lima, ler o Ebook foi fundamental para iniciar uma conversa honesta e menos dolorosa com seus filhos sobre a morte. “O que mais gostei é porque nos traz uma ideia de discussão a longo prazo para que possamos sempre ter paciência e conversar da melhor maneira com os nossos pequenos.  A cartilha me trouxe eixo e organização emocional, por isso me senti abraçada com cada informação contida e o mais importante me senti segura para falar sobre o tema e acolher todas as demandas surgidas nas minhas crianças”.


Outros exemplos, de acordo com a psicóloga Juliana Vieira, são os filmes Viva a Vida é Uma Festa, desenho que se passa durante o Dia de Los Muertos, tradicional celebração mexicana em que os finados são homenageados e que traz à tona o poder das lembranças, bem como a forte relação entre Neto e Avó. “Também tem o filme recém-lançado Dois Irmãos: Uma Aventura Fantástica, que retrata sobre o valor da família e trata o luto com mais seriedade. Além disso, podemos encontrar o assunto em filmes clássicos e que foram relançados, como o Rei Leão”, sugere.


Autoras do E-book 

Fernanda Gomes Lopes (CRP 05/60578) é psicóloga hospitalar e professora, além de sócia fundadora e diretora da Escutha Psicologia e Saúde. Atualmente a autora mora no Rio de Janeiro e é Doutoranda em Ética, Bioética e Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz). Fernanda é Mestre em Cuidados Continuados e Paliativos pela Universidade de Coimbra, reconhecido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, além de especialista em Psicologia da Saúde pelo Conselho Regional de Psicologia do Ceará. 
Maria Juliana Vieira (CRP 11/09320) é psicóloga clínica e hospitalar, bem como supervisora pedagógica da Escutha Psicologia e Saúde. Maria Juliana também é mestre em psicologia pela Universidade Federal do Ceará, especialista em pediatria pelo programa de Residência Integrada em Saúde da Escola de Saúde Pública do Ceará em parceria com o Hospital Infantil Albert Sabin. 

Baixe aqui o ebook: Como comunicar às crianças a morte de um ente querido por Covid19



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