Gestão e Qualidade | 12 de fevereiro de 2021

Aumento de ICMS na saúde em SP impactará em todo o Brasil

Lideranças da saúde criticam fortemente a decisão do Governo de São Paulo, principalmente em meio a uma pandemia
Aumento de ICMS na saúde em SP impactará em todo o Brasil

A Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) promoveu, na quinta-feira (11), a primeira webinar Anahp Ao Vivo de 2021, com o tema “Aumento de ICMS na saúde em SP impacta todo o Brasil”, para debater as consequências, no setor da saúde, da medida do governo estadual de São Paulo de revogar a isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), desde 1º de janeiro de 2021 – apenas as Santas Casas e hospitais públicos do estado de São Paulo ficaram de fora da mudança.

Na webinar, foi apontado que a medida irá trazer como consequência o aumento de preços em tratamentos, fechamento de leitos hospitalares, desemprego na indústria e possível migração de pacientes de planos privados para o Sistema Único de Saúde (SUS). A repercussão negativa da medida é ainda mais grave, pois em um momento de alta do dólar, moeda de transação dos insumos na saúde, o cenário se tornará catastrófico em um curto espaço de tempo.

O evento foi transmitido no canal oficial da Anahp no Youtube. Com mediação do CEO do Hospital do Coração – Hcor, Fernando Torelly, a webinar contou com as participações do diretor geral do Hospital Israelita Albert Einstein, Henrique Neves; do diretor Jurídico da Rede Ímpar, Fábio Cunha; do presidente-executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), Nelson Mussolini; do superintendente da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratório (ABIMO), Paulo Henrique Fraccaro; e do vice-presidente de Relações Institucionais da UnitedHealth Group, Renato Cazarotti.

Os participantes enfatizaram que a medida do governo paulista não terá repercussões somente em SP, mas irá impactar fortemente toda a cadeia produtiva da saúde no Brasil.

Na abertura, Torelly abordou as medidas tomadas em SP. “Estamos falando de uma alíquota que era de zero e foi para 18%. Não estamos falando de uma mudança de dois pontos percentuais, é um valor extremamente significativo”, disse. Ele citou o levantamento que aponta que, entre os hospitais da Associação Nacional de Hospitais Privados, estima-se que o ICMS de 18% aumentará os custos em cerca de R$ 1,3 bilhão. “Nesse momento na saúde do Brasil, nesse momento econômico, tudo o que não deveríamos estar tratando é de aumento de carga tributária”, completou.

A falácia do “benefício”

Neves, dirigente do Hospital Einstein, criticou duramente a medida tomada, que ocorreu de modo assimétrico na sua visão. “Os setores públicos e Santas Casas ficam de fora. É curioso que, nessa assimetria, o Estado se remove de qualquer ônus”, disse. O diretor do Einstein criticou o argumento de que eliminar as isenções não significa aumentar carga tributária, em que as isenções são vistas como benefício. “Essas isenções não são benefícios, são formas de garantir o acesso dos indivíduos ao sistema de saúde. E é assim em muitos países da OCDE, onde há uma tributação extremamente ilimitada, ou sequer existe tributação”, avaliou.

Neves disse que não há justificativa para a medida nesse momento, que acarretará perda da capacidade financeira dos hospitais em momento crítico devido à pandemia. “Não há justificativa muito clara, no Estado com superávit de 7 bilhões, e sequer há clareza na aplicação desses recursos. E mesmo que tivesse justificativa, por que o setor da saúde é impactado?”, questionou. Ele apontou como grave consequência o aumento do preço em medicamentos de doenças graves.

O diretor do Einstein reforçou que, apesar de a medida impactar inicialmente apenas o setor privado da saúde do estado de São Paulo, os impactos serão sentidos em todo o setor da saúde no Brasil.

Aumento impacta no preço dos insumos da saúde

Fraccaro, representando a indústria médico-hospitalar, pontuou que em nenhum lugar do mundo os países estão pensando na organização financeira antes de priorizar o tratamento dos pacientes contaminados. “A decisão deve afetar todo o país, visto que grande parte dos fornecedores de produtos médicos do Brasil estão localizados em São Paulo e logo devem comunicar reajuste diante do aumento. O estado é responsável por grande parte do abastecimento de produtos para todo o país”, ressaltou.

Cazarotti salientou a importância da webinar de reunir representantes de quase toda a cadeia produtiva da saúde. “É importante registrar. Se houve uma percepção do governo de que seria um problema isolado dos efetivos contribuintes, não é. E um problema da cadeia da saúde, que é completamente interdependente, qualquer elo afetado impacta em todos os outros elos da saúde”, disse.

“Não é benesse nenhuma”

Cazarotti também destacou que a isenção do ICMS não é benefício, salientando o retorno positivo da medida para toda a sociedade, e apontando que a medida contraria o padrão observado em demais países. “A visão de que a isenção é um favor que nos é dado como setor empresarial. Não é benesse nenhuma. A isenção é uma decisão de política pública, é uma área que gera externalidades positivas o tempo todo. Da mesma forma que se sobretaxa áreas como álcool e tabaco, é reduzido o imposto para áreas que geram externalidades positivas para o Estado, como é o caso da saúde. Você não vai achar um exemplo internacional que taxe a saúde no mesmo patamar dos demais setores, isso não existe”, frisou.

Ele pontuou que as instituições privadas contribuíram com o Estado durante a pandemia e que isso precisa ser reconhecido. “Esse auxílio ocorreu por meio de concessão de leitos, construção de hospitais de campanhas, profissionais de saúde, entre outros pontos. Houve mobilização do setor para auxiliar o governo e agora recebemos esse aumento que acabará com a sustentabilidade dos negócios”, afirmou.

“O governo de São Paulo deu um tiro na cabeça, vai matar os grandes provedores do sistema de saúde do Brasil”

Mussolini disse que a decisão será um “tiro na cabeça”, salientando os impactos nas políticas nacionais de saúde pública. “O governo de São Paulo deu um tiro na cabeça, vai matar os grandes provedores do sistema de saúde do Brasil. Alguns erros estão sendo falados, como ‘os hospitais públicos estão fora’. Os hospitais públicos de São Paulo estão fora, a compra feita pelo Ministério da Saúde está dentro, o programa de AIDS do Brasil, que é exemplo mundial graças ao Estado de São Paulo, vai atender 18% menos pessoas a partir de fevereiro, o INCA (Instituto Nacional de Câncer) vai atender menos pessoas. Uma ação impensada, atabalhoada, que não tem nenhuma base econômica para ser tomada”, enfatizou.

“Para vocês terem ideia de como está o setor farmacêutico, em 2019, a indústria pagou 2,9 bilhões de ICMS para o estado de São Paulo. Em 2020, 3,2 milhões de impostos foram pagos. Houve aumento de mais de 10% na arrecadação de medicamentos. A pergunta crucial é: qual a necessidade de taxar remédios importantes para a população e que não eram tributados há mais de 20 anos?” questionou. Mussolini também afirmou que os medicamentos genéricos de oncologia saíram de 0% para 12% de tributação.

Cunha contou que 4.457 leitos foram fechados no estado de São Paulo nos últimos anos, 34 mil leitos foram fechados no Brasil e os hospitais perderam nos três principais meses da pandemia, 2,4 bilhões de EBITDA. “Me preocupa neste momento o interior do estado, onde os hospitais já enfrentam dificuldades. Tudo leva a crer que as instituições continuarão na tendência de fechamento de leitos”, disse.

Ele reforçou que 40% da população utiliza a saúde suplementar e, na Grande São Paulo, o percentual é de 55%. “Isso significa que a saúde privada atende a maioria da população e esse público corre o risco de ter que migrar para o SUS, pois não conseguirá arcar com o consequente reajuste. Toda a cadeia será impactada, pois até remédios para HIV, câncer e próteses serão tributados”, explicou.

Movimento

Torelly finalizou a webinar apontando que haverá união do setor contra a medida tomada. “Nós temos energia para fazer a defesa do segmento. As organizações e instituições vão liderar um movimento para que essa decisão seja revogada imediatamente, para que possamos resgatar a possibilidade de manter a mínima sustentabilidade que o segmento tem hoje, com todos os impactos, como variação cambial, redução do atendimento de pacientes de cirurgias eletivas, os aumentos de custos em função da Covid. Nós não merecíamos estar tratando desse assunto nesse momento, nós merecíamos estar recebendo o reconhecimento pelo que o setor da saúde fez no enfrentamento da pandemia. Mas temos energia e força para levar o debate para a sociedade para retomar o que é justo para o segmento”, disse Torelly, que complementou que a webinar é apenas um início do movimento que lutará contra a revogação.

A Anahp ressalta que já tomou várias medidas, incluindo uma medida liminar que está no Supremo Tribunal Federal.

Assista aqui o webinar completo:



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