Gestão e Qualidade, Tecnologia e Inovação | 21 de maio de 2020

Alceu Alves da Silva, Januário Montone e Cláudio Allgayer debatem tomada de decisão na pandemia

Webinar promovido pela MV ocorreu na quinta-feira (21)
Alceu Alves da Silva, Januário Montone e Cláudio Allgayer debatem tomada de decisão na pandemia

A apresentação e a análise de um dashboard lançado pela MV, com indicadores da Covid-19 (doença causada pelo novo coronavírus), e um debate sobre as ações do setor da saúde durante a pandemia foram tema da Webinar Coronavírus: a inteligência por trás da tomada de decisão na gestão da saúde, promovido pela MV, que ocorreu na quinta-feira (21).

O seminário contou com as participações do presidente e vice-presidente da MV, Paulo Magnus – na abertura – e de Alceu Alves da Silva. Os convidados para o debate foram o presidente da Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Saúde do RS (FEHOSUL) e da Organização Nacional de Acreditação (ONA), Cláudio Allgayer, e do sócio do Monitor Saúde e ex-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Januário Montone.

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Na abertura, o presidente da empresa de TI,  Paulo Magnus contou sobre a sua experiência ao contrair a Covid-19 e as ações da MV para frear a alta taxa de mortalidade. “Eu, nesses últimos 50 dias, a partir do momento que eu tive o corona, passei a dedicar meu tempo exclusivamente para ajudar as pessoas, as organizações de saúde e tentar mudar alguns pontos que eu tenho convicção que são os causadores do grande número de mortes, e  entre esses a entubação precoce, onde as pessoas são entubadas em unidades que não têm as condições mínimas de fazer esse procedimento, e esses pacientes ficam esperando por até quatro dias por um leito de UTI e, quando chegam, já não têm muitas condições de serem salvos, o que ocasiona uma mortalidade de aproximadamente 80% nessas condições”, disse Magnus, que ressaltou que as tecnologias serão primordiais para o enfrentamento da pandemia e para o futuro da saúde.


Confira o que disseram as lideranças da saúde.

Cláudio Allgayer: 

Na abertura, o presidente da FEHOSUL e da ONA citou o ideograma chinês para crise, que une os conceitos de perigo e oportunidades. “Creio que hoje aqui vamos debater as oportunidades que a crise causada pelo vírus chinês nos oferece”, disse.

Análise do desempenho da Região Sul no combate à pandemia

Questionado sobre o bom desempenho no combate ao coronavírus na Região Sul, com indicadores mais favoráveis comparado às regiões mais afetadas do Brasil, Allgayer apontou dois aspectos que podem explicar o baixo número de infectados e mortes: o PIB mais elevado e desconcentrado dos estados do Sul, e o forte investimento efetuados pelos estados no modelo de contratualizaçāo de serviços privados no setor da saúde, que atendem o SUS.


“A desconcentração do PIB nos três estados pode explicar a distribuição das riquezas de forma mais igualitária entre regiões dos estados. O PIB desconcentrado, que significa também maior instrução e educação da população, tende a indicar melhores condições no enfrentamento ao problema”, disse.


Allgayer enfatizou a importância do segundo aspecto, pontuando que o estado de Minas Gerais igualmente tem dado boa resposta. “Acredito que uma das respostas, olhando para o Rio Grande do Sul, está na mudança ocorrida no governo de Tarso Genro, de contratação de 350 leitos de UTI, distribuídos nas diferentes regiões e que foi mantida pelos governadores que o seguiram, com José Ivo Sartori e agora com Eduardo Leite, de três partidos diferentes. Outro aspecto, relacionado à gestão, é a contratualização maciça de hospitais privados e filantrópicos, no âmbito do SUS em detrimento de instituições estatais. Reconhecidamente, privados e filantrópicos, têm entregado resultados sólidos em termos de qualidade de gestão”, explicou.


Esta situação, é uma realidade que se repete nas outras unidades federativas, citadas como exemplo de boas práticas na resposta ao Covid-19. “Se formos verificar quem presta serviços de saúde relevantes nos três estados, vamos encontrar instituições privadas, fundamentalmente filantrópicas, contratualizadas com o setor público. Isso não é de hoje, isso ocorre há várias décadas”, analisou. Este modelo, impede, por exemplo, que pessoas despreparadas e sem conhecimento, vinculadas a interesses políticos, ocupem cargos de gestão nos hospitais [indicações políticas que muitas vezes ocorrem em hospitais públicos].

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“Isso gerou uma vasta rede de prestação de serviços, bem organizada, e muito bem gerida, com gestores profissionais à sua frente. Em outras regiões, isso não acontece pelo predomínio do poder estatal, que ao invés de fazer a regulação, que é seu papel fundamental, faz também a prestação de serviços em unidades públicas, na atenção secundária e terciária. Então, essa enorme rede de serviços contratualizados, inclusive de UTI, ajudam a responder esta questão”, ressaltou.

Allgayer disse que a manutenção dos equipamentos de UTI também foi contratualizada, com metas e deveres claros, desburocratizando a engrenagem na saúde. “Antes, um aparelho apresentava um problema técnico e o Estado levava meses para consertar ou substituir o mesmo. Já há algum tempo, um aparelho que estraga na UTI é rapidamente substituído em no máximo 48h no interior, e em 24 horas na região metropolitana da capital gaúcha. Isto fornece agilidade e demonstra compromisso com o paciente, assim como garante a manutenção da oferta de leitos utilizáveis.”


Leitos de campanha e “fila única”

O presidente da FEHOSUL e da ONA entende que a criação de leitos de campanha parece ser mais “um marketing político do que uma solução para o problema”, e também criticou o projeto de “fila única” para atendimento de casos de Covid-19. “No RS, o hospital de campanha, localizado na região metropolitana, está praticamente vazio … embora entenda que os hospitais deste tipo são a única solução em algumas regiões. Mas aqui no Rio Grande do Sul, a rede instalada está conseguindo dar conta da demanda, tanto para leitos SUS como para privados. Porto Alegre, por exemplo, está com uma taxa de ocupação de UTI de 70%. Mas é importante dizer que a taxa está neste nível em função de estarmos recebendo pacientes do interior do Estado. Se não, estaria com uma taxa de 50%”, completou.

Alceu Alves da Silva, complementou, em relação aos hospitais de campanha: “É um custo elevado, que depois será desmontado. Não seria melhor investir em soluções que pudessem ter uma longevidade, que deixassem um legado para a saúde?”, disse.

Sobre o fila única, Allgayer entende que “as autoridades públicas, gestores de regulação e entidades privadas precisam sentar na mesa e identificar casos em que se possa fazer uma maior cooperação público-privada”, sugeriu. Para Allgayer, a imposição do poder público para “tomar os leitos privados” deve ser evitada. O caminho, deve ser o diálogo, com o devido respeito às entidades privadas e à livre negociação.

Definição de estratégias impossibilitada pelo baixo número de testes

A falta de um número mais robusto de testes no país impossibilita que os gestores possam definir estratégias mais robustas de retomadas de atividades, de acordo com Allgayer. O presidente da FEHOSUL e da ONA analisou que os testes dariam uma melhor noção da taxa de prevalência da doença em cada região.

SUS e subfinanciamento

“Eu vejo o SUS menos como um sistema e mais como uma generosa proclamação de princípios inspirada na social-democracia europeia dos anos 60 e 70. Quando surge no país e ocupa um vácuo, pretendia não somente fazer a regulação, mas a gestão dos serviços de saúde em todos os níveis. E ali surge o primeiro descompasso”, analisou o presidente da FEHOSUL.


Para Allgayer, o subfinanciamento é outro problema a ser resolvido. “O valor de 478 reais por leito de UTI era insuficiente antes da pandemia. E de uma hora para outra aumentaram o valor para R$ 1,6 mil, que ainda é irreal. A pandemia demonstrou que há dinheiro para investir na saúde, falta compromisso por parte dos políticos e governantes, o interesse em criar um modelo justo de pagamento, compatível com a qualidade e a extensão dos serviços que são prestados pelos hospitais privados e filantrópicos”, completou.


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Alceu Alves da Silva: Dashboard desenvolvido pela MV

O vice-presidente da MV, Alceu Alves da Silva abordou o lançamento do dashboard desenvolvido pela MV. De acordo com Alceu, os dados desenvolvidos têm três indicadores fundamentais:

Taxa de prevalência (presença das infecções na população)

Taxa de letalidade (mortes sobre quem tem infecção)

Taxa da mortalidade (mortes sobre população)

Alceu disse que, após o desenvolvimento dos dados, pôde observar com antecedência a evolução de casos. “Ficamos assombrados, começamos a ver com antecedência o que estava por vir. Então pensamos: se há uma lógica de raciocínio e conseguimos ver com antecedência, porque nós, como gestores, não conseguimos ver com antecedência e tomar medidas do ponto de vista de gestão?”, refletiu. Por isso, a MV resolveu lançar o dashboard, com interpretações diárias, como contribuição para auxiliar na tomada de decisões e leitura dos dados.

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A evolução da pandemia é diferente em cada região, o que exige leituras diferentes em cada estado, como sugere o vice-presidente da MV. Há fatores como o tamanho da população, questões sócios econômicas e conjunturais, que sempre devem estar acompanhadas das reflexões, afirmou Alceu.

Gargalos no sistema de saúde

De acordo com Alceu, estamos diante de muitos gargalos no sistema de saúde, e os governos não olham os detalhes com atenção.


“Que sorte que temos o SUS, e que azar que tratamos tão mal o SUS. Poderíamos tratar bem melhor, especialmente nas populações mais carentes. O Governo investe menos onde mais temos necessidade”, analisou, citando as discrepâncias nas remunerações dos leitos de UTI como um dos gargalos, assim como falta de integração e investimento na saúde primária.

A descentralização das redes foi apontada pelo vice-presidente da MV como uma das ações necessárias para resolver o gargalo. “Alguns estados têm rede descentralizada. Ou seja, quando alguém precisa de atendimento, não precisa ir correndo para a capital. Infelizmente, muitos estados têm concentrado os leitos de maior complexidade nas capitais. Isso dificulta muito o acesso”, frisou. As redes de atenção básica são outro gargalo a ser resolvido, de acordo com Alceu. “Há muita manchete para as UTIs, mas pouco para as UPAs, para as redes de atenção básica”, disse.


Tomadas de decisão necessárias pelos gestores de saúde

“Precisamos dar continuidade a uma série de temas que circulam no nosso meio há muito tempo. Precisamos investir fortemente na digitalização da saúde, que nos trará muito mais qualidade em termos de segurança e qualidade da assistência… Além disso, avançar sistematicamente na integração do sistema público e privado”, completou. Para Alceu é necessário ajudar o SUS a ser um sistema universal e investir na implementação de uma gestão que use dados e inteligência. E principalmente, que conecte informações para agilizar a tomada de decisões.

O plano adotado pelo governo gaúcho, chamado Plano de Distanciamento Social Controlado foi elogiado por Alceu. “É um dos melhores que vi até agora. Você abre as comportas de acordo com o avanço ou recuo dos casos e levando as características da estrutura de saúde de cada região”, disse.

Januário Montone: Compreensões regionais nas respostas à pandemia

O sócio da Monitor Saúde e ex-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Januário Montone, analisou que as respostas dos sistemas de saúde podem ser compreendidas regionalmente, levando em consideração as diferentes realidades socioeconômicas de cada região, assim como as distintas formas de organização das redes de saúde em cada estado do Brasil.

Assim como Allgayer, Montone também apontou as redes em São Paulo como bom exemplo de estruturação do setor da saúde. “Reforço a fala do Allgayer, sobre a importância da parceria público-privada. Até a atenção básica, de 60 a 70% é gerenciada por entidades privadas. São filantrópicas, mas elas trazem a capacidade de atuação do setor privado para dentro do setor público, sem nenhum prejuízo ao SUS. Em São Paulo, houve uma resposta muito rápida”, disse.

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Desigualdade social e no acesso ao sistema de saúde

A pandemia colocou na nossa frente o grau de desigualdade do nosso sistema de saúde, de acordo com Montone. “Ele reflete o grau de desigualdade da nossa sociedade, mas ele é muito maior nos mecanismos de acesso. A questão de UTI pública e privada: o número de UTI e leitos para a população que tem planos de saúde é três vezes superior”, avaliou. De acordo com ele, o momento é propício para que sejam feitas discussões francas entre gestores dos setores público e privado sobre o desenvolvimento de mecanismos para pagamentos justos e ocupação da capacidade ociosa de instituições privadas.

Integração colaborativa

O sistema de saúde deve se estruturar a partir de uma integração colaborativa entre os setores público e privado. “Não vejo como os dois sistemas sobreviverem se não se integrarem. O SUS é universal e tem o melhor modelo de assistência à saúde que podemos ter, que inicia na atenção primária, de organização gerenciada. Mas, sem dúvida, a melhor entrega está no setor privado”, disse.

“Política pública é definida pelo setor público. Temos de encontrar formas que reforcem a capacidade de gestão e regulação do Estado e que aumente a capacidade de entregar ao setor privado a execução. Eu, particularmente, prefiro o formato das organizações sociais, que precisam ser reguladas. Essa integração colaborativa nos permitiria que a ANS cuidasse do desenvolvimento do setor suplementar, pois temos vazios assistenciais enormes no país”, destacou.

Assista o webinar completo

Acesse o dashboard aqui

 

 

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