Estatísticas e Análises, Mundo | 28 de dezembro de 2016

RÚSSIA: política anti-álcool fez com que gerações trocassem a vodca pela cerveja

Iniciativa de saúde pública soviética segue aumentando a expectativa de vida masculina
russia-politica-anti-alcool-fez-com-que-geracoes-trocassem-a-vodca-pela-cerveja

Para se evitar problemas com o álcool, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estabelece que um consumo aceitável é de até 15 doses/semana para os homens e 10 doses/semana para as mulheres, sendo que uma dose equivale entre 8 a 13 gramas de etanol (uma taça de vinho, uma lata de cerveja, uma dose de vodca).

Na Rússia, onde o álcool faz parte da cultura nacional, a OMS verificou que um em cada cinco mortes entre os homens é devido ao abuso de álcool. Isso pode ocorrer de várias formas, como envenenamento por álcool (raro, mas acontece quando a quantidade ingerida é superior à capacidade do organismo metabolizar a bebida), acidentes ao dirigir embriagado, ou homicídios movido a álcool.

Mas alguns homens russos parecem estar escapando dos piores destes efeitos graças a uma restrição do governo, de curta duração, sobre o álcool, que não mais existe há 25 anos. Uma equipe de pesquisas comandada por Lorenz Kueng, professor assistente de finanças da Kellogg School, da Northwestern University (EUA), analisa como essa antiga intervenção, já extinta, pode estar afetando a saúde pública hoje.

Para encontrar a resposta, ele investigou a política relacionada ao álcool na época soviética, tendências históricas no consumo de bebida alcoólica e preferências atuais dos russos. “As políticas públicas destinadas aos jovens consumidores podem afetá-los tanto no curto quanto no longo prazo, alterando suas preferências de consumo”.

Kueng, que realizou o trabalho em parceria com Evgeny Yakovlev  na Nova Escola de Economia da Rússia, em Moscou, descobriu que as décadas em que o governo aplicava restrições inadvertidamente ensinou alguns consumidores a preferir permanentemente o álcool “leve” ao álcool “pesado”. Esta alteração, juntamente com mudanças subsequentes no mercado de bebidas alcoólicas, após o colapso da União Soviética, aumentam a expectativa de vida masculina hoje e deverá continuar a fazê-lo no futuro.

A Política Anti-Álcool

A história começa em 1985, quando, segundo o pesquisador, “era óbvio que a baixa expectativa de vida masculina era um grande problema para a economia soviética”, diz Kueng. Assim, o então presidente da União Soviética, Mikhail Gorbachev, elevou os preços da vodka, da cerveja e do vinho. Ele também aumentou as penas por embriaguez pública, proibiu a venda em restaurantes antes das 14h, e implementou muitas outras medidas destinadas a combater o alcoolismo desenfreado.

“Foi uma economia planificada que foi extremamente eficaz”, diz Kueng. As vendas de cerveja caíram 29%, as de vinho 63%, e as de vodca em 60%. No entanto, assim como nos EUA durante a época da Lei Seca, a produção de álcool ilegal aumentou drasticamente após as restrições. “Na Rússia, o álcool ilegal tomou a forma de samogon, um licor forte, feito apenas em áreas rurais, porque você precisa de uma grande quantidade de espaço [para fazer] e porque cria um cheiro que é facilmente detectável”, explicou Kueng.

Enquanto isso, sem muito acesso ao samogon, muitos consumidores urbanos que gostavam de vodka antes das restrições, adotaram a cerveja. Isso porque, sob as restrições, o preço da vodka subiu mais do que o preço da cerveja.

Mesmo depois de controlar o efeito causado pelo samogon, estima-se que a campanha anti-álcool cortou o consumo total de álcool na Rússia em cerca de um terço (⅓), mas apenas enquanto as restrições duraram. “Após a queda da União Soviética, em 1991, a campanha ruiu também, e o álcool se tornou amplamente disponível novamente. Não só isso, mas logo após o colapso, a indústria de cerveja expandiu-se rapidamente, oferecendo aos consumidores muitos outros tipos de cerveja do que as disponíveis sob o regime soviético”.

Alterações no consumo de álcool

Na investigação, Kueng e Yakovlev se perguntaram como a campanha anti-álcool e a subsequente expansão de cerveja no mercado podem ter afetado as preferências de consumo dos adultos que atingiram a maioridade durante esse período. “Para descobrir, eles focaram a Pesquisa de Monitoramento Longitudinal da Rússia (Russia Longitudinal Monitoring Survey), uma série de pesquisas destinadas a controlar os efeitos das reformas russas sobre a saúde econômica e bem-estar das famílias e indivíduos”.

Como os dados revelam, os consumidores que tinham cerca de 16 a 22 anos e que viviam em áreas urbanas durante a campanha anti-álcool têm preferência (naquela época e até hoje) por álcool leve como a cerveja. O mesmo acontece com os consumidores que estavam nessa idade durante a rápida expansão do mercado de cerveja após o colapso da União Soviética.

Enquanto isso, os consumidores que tinham entre 16 e 22 anos e que viviam em áreas rurais durante a campanha anti-álcool, isto é, aqueles que apresentavam maior probabilidade de ter acesso ao samogon – ainda preferem bebidas destiladas como a vodca.

Sobre a consistência dessas preferências ao longo do tempo, Kueng afirma que “se eu sei as suas preferências de consumo aos 22 anos, eu posso prever as suas preferências de consumo cerca de 20 anos mais tarde”. Estas conclusões tornam-se adicionalmente importantes quando combinadas com dados sobre as tendências recentes na expectativa de vida masculina na Rússia.

Essas expectativas têm realmente melhorado nos últimos anos. “Desde o início da década de 2000, quando o impacto das restrições soviéticas teria começado a ser vistas nas taxas de mortalidade do sexo masculino, essa taxa caiu cerca de um terço (⅓)”, conforme diz o artigo do portal Kellogg Insight.

Comparando as taxas de mortalidade entre aqueles que continuaram a beber a mesma quantidade de álcool puro – sob a forma de bebidas destiladas – e aqueles que passaram a consumir essa quantidade na forma de álcool leve (cerveja), Kueng e Yakovlev são capazes de atribuir em torno de 60% deste efeito das mudanças nas preferências do álcool causados pela campanha anti-álcool de Gorbachev e a subsequente expansão do mercado de cerveja. Isto se dá porque uma pessoa é muito mais propensa a beber compulsivamente – e, portanto, morre de envenenamento por álcool ou por acidente relacionado com o álcool – com vodka do que com cerveja. Outros 15% da diminuição, dizem os pesquisadores, são devidos à diminuição do nível de álcool consumido. Eles estimam que os mesmos fatores farão com que a mortalidade masculina russa diminua em mais 25% nos próximos 20 anos.

 “O aumento da expectativa de vida vai acontecer simplesmente porque as novas gerações serão mais acostumadas ao álcool leve e vão substituir as gerações mais velhas que tiveram fortes preferências pelo licor pesado”, escrevem.

Mudanças em curto prazo, resultados em longo prazo

A pesquisa é uma grande notícia para os homens russos, e não apenas em relação à área da saúde. No marketing, “já se sabe que as preferências dos consumidores se configuram em uma idade relativamente jovem”, diz Kueng. “Isso é parte da razão pela qual você tem que pagar mais por um anúncio que está voltado para os consumidores mais jovens”, complementa. “Presumivelmente, isso é porque você quer atingir os consumidores quando eles formam suas preferências. Minha sensação é que os comerciantes estão à frente de economistas em termos de pensar sobre isso”.

O pesquisador ressalta que, mais interessante, é a constatação de que “restringir o álcool pode ser uma política eficaz de saúde pública, especialmente se a medida está voltada para os consumidores mais jovens”.

“Há uma diferença entre a restrição de álcool e, digamos, a implantação de um imposto sobre vendas sobre a bebida”, reitera Kueng. “Imposto sobre vendas é um instrumento muito brusco, porque afeta todo mundo. Se você introduzir um imposto sobre vendas, não vai impedir os jovens consumidores. É muito mais eficaz impor restrições sobre quando você pode começar a beber”, constatou.

Em sua opinião, no entanto, o principal ponto é que as políticas públicas destinadas aos jovens consumidores podem afetá-los tanto no curto e no longo prazo, alterando suas preferências de consumo.

“Normalmente, isso é considerado algo aquém de uma intervenção típica da política econômica, para alterar as preferências dos consumidores”, ressaltou o investigador. “Ainda assim, não somos os primeiros a pensar sobre isso. É que é difícil documentar isso empiricamente. Esse foi o desafio”. Há muitos estudos que mostram que uma política bem intencionada não funciona de forma alguma, ressaltou Lorenz Kueng. “Por exemplo, se você remover um imposto sobre as vendas de algum produto, geralmente as pessoas vão voltar a consumir coisas que eles compravam antes.

Não quer dizer que toda intervenção tem um efeito de longa duração”, mas esse foi o caso na Rússia.

VEJA TAMBÉM