“Poderemos chegar em um ponto em que teremos mais pacientes do que leitos de CTI”, diz Diretor do Clínicas
Jorge Bajerski concedeu entrevista exclusiva ao Setor SaúdeMesmo com a oferta de leitos aumentando, a taxa de ocupação de leitos de UTI está chegando próximo ao limite em muitas instituições. Na segunda-feira (22), Porto Alegre atingiu a maior ocupação desde o início da série – 102 pacientes confirmados e 31 suspeitos. O Portal Setor Saúde conversou com o diretor administrativo do Hospital de Cínicas de Porto Alegre (HCPA), Jorge Bajerski, sobre o avanço da Covid-19 em Porto Alegre.
Bajerski falou sobre a ocupação atual na instituição; a complexidade envolvendo a necessidade de contratação de profissionais e alternativas estudadas para resolver o problema; o temor com a capacidade de resposta em Porto Alegre; a importância de disponibilização de leitos para pacientes graves; a possibilidade de compra de leitos privados e um novo problema que vem atingindo os hospitais: a falta de medicamentos essenciais – como anestésicos – para o tratamento de pacientes graves.
O HCPA é instituição de referência no Rio Grande do Sul para atendimentos da Covid-19 pelo SUS – juntamente com o Hospital Conceição (Grupo Hospitalar Conceição).
87% dos leitos de UTI ocupados
O HCPA está expandindo a sua capacidade de atendimento para pacientes graves, ao mesmo tempo em que aumenta o número de internações. Atualmente, o Clínicas conta com 56 leitos de UTI para Covid-19, com taxa de ocupação de 87%.
“A taxa de ocupação vem crescendo de forma bastante preocupante”, destaca. O diretor administrativo aponta que, até o final desta semana, há a perspectiva de instalação de mais 10 leitos (totalizando 66) de CTI.
Além disso, há 50 leitos e 82% de ocupação em duas Unidades de Internação, para casos não graves e para recuperados de casos graves. Para esses casos, o Clínicas tem como alternativa, em caso de lotação, realocar alguns pacientes em outras instituições de Porto Alegre, como o novo Centro de Tratamento de Combate ao novo coronavírus (Covid-19), construído de forma anexa ao Hospital Independência e administrado pela Rede de Saúde Divina Providência, que conta com 60 leitos – empreendimento realizado pelas empresas Gerdau, Ipiranga, Hospital Moinhos de Vento e o Grupo Zaffari, em parceria com a Prefeitura da capital gaúcha.
105 leitos de CTI para julho
Para dar conta do aumento de internações por Covid-19, o Clínicas projeta inaugurar mais 49 leitos de CTI, totalizando 105 leitos, durante o mês de julho. “Nós temos todos os equipamentos disponíveis, camas, respiradores, aparelhos de anestesia, monitores. Ainda temos algumas pendências de entrega de bombas de infusão, a empresa está com um pouco de dificuldade. Mas, na nossa avaliação, temos condições de projetar a abertura ao longo do mês de julho” afirma.
Disponibilidade de profissionais habilitados
Entretanto, Bajerski aponta que há uma complexa equação a ser solucionada: a disponibilidade de profissionais capacita dos suficientes para trabalhar nos novos leitos. De acordo com ele, há uma dificuldade no mercado para a contratação de profissionais (médicos intensivistas, enfermeiros e técnicos de enfermagem) habilitados para a função, mas a instituição segue em busca de novos profissionais.
Plano B: remanejar profissionais do próprio HCPA
O diretor administrativo aponta que já há um Plano B traçado, para o caso de não haver contratações suficientes: desativar ou diminuir a capacidade de outras áreas internas do Hospital para poder realocar profissionais com especialização adequada.
“No momento, não há profissionais em número suficiente para dar conta desses novos leitos. Se não tivermos êxito na contratação de novos profissionais, não restará alternativa que não seja remanejo de profissionais de outras áreas”, salienta.
Temor de que a capacidade hospitalar não seja suficiente
Bajerski manifesta temor com o grande crescimento recente do número de casos da Covid-19 em Porto Alegre e no RS, avaliando que ocorreu em consequência das decisões dos governos do município e do estado de flexibilização do distanciamento social. “Com as recentes flexibilizações, houve um aumento considerável de casos graves e de leitos de UTI ocupados, tanto aqui quanto no Hospital Conceição”, aponta.
Bajerski admite que há preocupação com a garantia de atendimento para todos os pacientes em estado grave. “Por mais que se consiga ampliar a capacidade, temos temor de que não seja suficiente. Poderemos chegar em um ponto em que teremos mais pacientes do que leitos de CTI. Esse é o cenário mais perigoso”, pondera.
“85% dos pacientes se salvam”
A pandemia da Covid-19 exige grande capacidade de número de leitos de CTIs para atender uma alta demanda de pacientes. Disponibilizar unidades de alta complexidade faz todo a diferença entre a vida e a morte e se refletirá na conquista de melhores indicadores em termos de recuperação de pacientes em uma região. Bajerski enfatiza a importância de garantir acesso a todos os pacientes em estado grave.
“Essa é uma doença em que um leito de CTI faz toda a diferença. Se o paciente tem um leito de CTI, a chance de sobreviver é bastante alta. Hoje, temos uma taxa de mortalidade em torno de 15%. Ou seja, 85% dos pacientes se salvam”, ressalta.
Compra de leitos na rede privada como alternativa em caso de lotação máxima
O diretor administrativo aponta que, caso ocorra a ocupação de todos os leitos de terapia intensiva na rede pública, os gestores públicos precisarão avaliar alternativas. Uma delas poderia ser a compra de leitos na rede privada.
“Não está descartada essa estratégia por parte do gestor municipal e estadual. Se chegarmos nesse ponto de lotação máxima das nossas capacidades, essa situação já está relativamente bem desenhada, se for necessário, para evitar o colapso”, afirma.
Porém, Bajerski confia que a política de distanciamento controlado possa evitar o temido colapso do sistema de saúde em Porto Alegre. “A palavra colapso é forte e significa dizer que, em algum momento, pode correr o risco de ter mais pacientes precisando de leito de CTI do que leitos disponíveis. Mas esperamos que, com as medidas de restrição tomadas (com a troca da cor das bandeiras), possa haver uma freada na velocidade de crescimento de casos”, diz.
Novos protocolos e atenção redobrada entre os profissionais
O diretor administrativo aponta que, desde janeiro, com os primeiros relatos de casos do coronavírus na China, o HCPA alterou protocolos e passou a elaborar planos de restrição de circulação no ambiente interno, balizados em níveis de contingência. Com isso, visitas foram proibidas, e só se mantiveram consultas fundamentais.
Além disso, Bajerski aponta que, entre os profissionais de saúde do Clínicas, 175 tiveram resultado positivo para Covid-19 (48 destes já retornaram ao trabalho), em 1.627 testes realizados. O diretor administrativo também ressalta que foi observado um pequeno surto da doença entre os profissionais. Ele enfatiza que, com esses novos casos, foi enfatizado aos profissionais que “não baixem a guarda” nunca, com atenção aos cuidados nos momentos de descanso ou de lanche, por exemplo.
Um novo problema: falta de medicamentos no mercado
O diretor administrativo aponta que, com a pandemia, a situação da distribuição de medicamentos ficou mais crítica.
“Medicamentos específicos, principalmente para pacientes na UTI que estão entubados, que incluem analgésicos, relaxantes musculares, anestésicos, começamos a ter dificuldade de falta no mercado. Já sinalizamos a situação para o Ministério da Saúde e para todos os órgãos que fazem a gestão da saúde no país para ajudarem com isso”, destaca.
Bajerski aponta que, na segunda-feira (22), encaminhou uma planilha, solicitada pela Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Saúde do Rio Grande do Sul (FEHOSUL), que em parceria com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), está identificando a falta de itens nos estoques para que sejam feitas interlocuções junto a órgãos do governo, indústria farmacêutica e distribuidoras. As ações buscam garantir a disponibilização destes medicamentos. Na quarta-feira (24), a Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde) e a FEHOSUL, terão um encontro virtual com representantes da indústria farmacêutica e distribuidores.
Aumento de custos: EPIs e medicamentos com sobrepreço de 300%
Além disso, o diretor administrativo lamenta que o aumento de preços observado de EPIs e medicamentos. “É uma situação bem complicada. Em uma situação de crise que estamos vivendo, algumas empresas ainda estão tentando vislumbrar um lucro exagerado. Observamos preços aumentados, de EPIs e medicamentos e demais itens, de até 300%”, ressalta.
Estoque de EPIs: situação relativamente tranquila
No início da pandemia, uma das grandes preocupações do sistema de saúde no Brasil (e no mundo) foi quanto à garantia de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Entretanto, meses após o início da pandemia no Brasil, Bajerski aponta que, atualmente, o Clínicas se encontra “relativamente tranquilo” com a questão, pois o abastecimento está garantido. Ele ressalta que, além das garantias junto ao Governo Federal, muitas doações foram realizadas para a garantia de EPIs na instituição. “Isso mostrou que nossa sociedade é capaz de se mobilizar por uma causa maior”, comemora.
A multinacional do ramo de alimentos JBS, por meio da ação Fazer o Bem Faz Bem – Alimentando o Mundo com Solidariedade, entregou nesta semana EPIs, como aventais, máscaras cirúrgicas e N95, propés, viseiras faciais e toucas. Os materiais foram doados à prefeitura, que repassou para os hospitais de Porto Alegre, entre eles o HCPA.
O projeto da JBS destina mais de R$ 700 milhões para ações em todo o Brasil e tem o suporte de um Comitê Consultivo, presidido por Fernando Andreatta Torelly, CEO do HCor, e composto por Henrique Neves, CEO do Hospital Albert Einstein, Maurício de Lázzari Barbosa, presidente do Conselho da Bionexo, Mohamed Parrini, CEO do Hospital Moinhos de Vento de Porto Alegre, e Roberto Kalil Filho, diretor da divisão de Cardiologia Clínica do InCor e diretor geral do Centro de Cardiologia do Hospital Sírio-Libanês.