Estatísticas e Análises | 10 de janeiro de 2018

Pesquisadores brasileiros descobrem compostos com ação contra vírus da hepatite C

Estudo analisou flavonoides de uma planta da flora brasileira e compostos de uma espécie de cascavel
Pesquisadores brasileiros descobrem compostos com ação contra vírus da hepatite C

Estudos feitos por pesquisadores brasileiros, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e da Universidade de São Paulo (USP), publicados na PLOS ONE e Scientific Reports, apresentaram resultados promissores no combate ao vírus causador da hepatite C com compostos da flora brasileira e de uma espécie de cascavel.

Compostos de cascavel

O primeiro experimento, chamado Multiple effects of toxins isolated from Crotalus durissus terrificus on the hepatitis C virus life cycle, visou testar propriedades contra o vírus da hepatite C de três compostos isolados do veneno de uma espécie de cascavel, a Crotalus durissus terrificus, conhecida como cascavel-de-quatro-ventas, boiçununga ou maracamboia.

Trata-se de duas proteínas: a fosfolipase A2 (PLA2-CB) e a crotapotina (CP). No veneno da serpente, esses compostos se encontram associados como subunidades de um complexo proteico, a crotoxina (CX), também testada.

Em uma série de experimentos in vitro com culturas de células humanas, foi testada a ação antiviral dos dois compostos, tanto em separado como em conjunto no complexo proteico. Foram observados os efeitos dos compostos em células humanas (para ajudar a prevenir a infecção pelo vírus) e diretamente no vírus da hepatite C. O genoma do vírus da hepatite C é constituído de uma única fita de RNA, o ácido ribonucleico, que é uma cadeia simples de nucleotídeos que codifica as proteínas do vírus.

A coordenadora da pesquisa, Ana Carolina Gomes Jardim, explicou que “esse vírus invade a célula humana hospedeira para se replicar, produzindo novas partículas virais. Dentro da célula hospedeira, o vírus produz uma fita complementar de RNA, a partir da qual serão produzidas moléculas de genoma viral que constituirão as novas partículas”.

“Nosso trabalho demonstrou que a fosfolipase tem a capacidade de se intercalar com o RNA dupla fita, intermediário de replicação do vírus, inibindo a produção de novas partículas virais. A intercalação reduziu em 86% a produção de novos genomas virais, quando comparada ao que ocorre na ausência da fosfolipase”, afirma a Coordenadora. Quando o mesmo experimento foi feito usando a crotoxina, a redução na produção de partículas virais foi de 58%.

A segunda etapa do trabalho consistiu em verificar se os compostos conseguiriam bloquear a entrada do vírus nas células humanas. Nesse caso, os resultados foram ainda mais satisfatórios, pois a fosfolipase inibiu em 97% a entrada do vírus nas células. Já o uso da crotoxina reduziu a infecção viral em 85%.

Por fim, foi testado um segundo composto isolado do veneno de cascavel, a crotapotina. Muito embora não se tenha verificado efeitos para impedir a entrada do vírus nas células humanas nem a sua replicação, a crotapotina agiu em outro estágio do ciclo viral, reduzindo em até 78% a saída das novas partículas virais das células. No caso da crotoxina, a saída das partículas foi inibida em 50%.

Segundo os pesquisadores, os resultados dos experimentos demonstram que a fosfolipase e a crotapotina agindo isoladamente tiveram melhor resultado do que em associação.

Os compostos retirados do veneno de cascavel foram isolados no Laboratório de Toxinologia da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, chefiado pela professora Suely Vilela Sampaio.

O trabalho foi realizado no Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (Ibilce) da Unesp, em São José do Rio Preto, pelo grupo de Virologia do Laboratório de Estudos Genômicos, coordenado pela professora Paula Rahal, e no Instituto de Ciências Biomédicas (ICBIM) da UFU, no Laboratório de Virologia, coordenado pela professora Ana Carolina Gomes Jardim. O trabalho contou com diversos apoios da FAPESP, além de CNPq, Fapemig e Royal Society (Newton Fund).

Compostos da Flora Brasileira

O segundo artigo sobre a ação de compostos químicos contra o vírus da hepatite C utilizou compostos naturais da flora brasileira. O estudo, também com apoio da FAPESP, CNPq, Fapemig e Royal Society (Newton Fund), foi chamado de Flavonoids from Pterogyne nitens Inhibit Hepatitis C Virus Entry.

Os autores testaram o potencial antiviral dos flavonoides de uma planta conhecida como amendoim-bravo (Pterogyne nitens). Flavonoides são compostos encontrados em frutas, flores, vegetais em geral, mel e também no vinho.

Foram isolados dois flavonoides presentes nas folhas do amendoim-bravo: a sorbifolina e a pedalitina. O trabalho foi conduzido pelo professor Luis Octávio Regasini no Laboratório de Química Verde e Medicinal na Unesp de São José do Rio Preto.

Os flavonoides foram investigados de forma idêntica aos compostos do veneno de cascavel. Foi testada a ação antiviral dos dois compostos, em células humanas infectadas com o vírus da hepatite C e em células não infectadas.

“A sorbifolina bloqueou a entrada do vírus nas células humanas em 45% dos casos. Já a pedalitina obteve um resultado mais promissor, bloqueando em 79%. O experimento foi feito com dois genótipos do vírus da hepatite C, o genótipo 2A, que é o padrão para todos os estudos, e o genótipo 3, que é o segundo mais prevalente no Brasil. Nos dois casos, a ação antiviral dos flavonoides foi equivalente”, disse Ana Carolina Gomes Jardim.

Os flavonoides não apresentaram nenhum tipo de ação antiviral no processo de replicação das partículas virais, nem os impediram de sair da célula infectada.

A doença

No Brasil, a hepatite C é a maior responsável por casos de cirrose hepática e, por consequência, pelos transplantes de fígado, de acordo com dados do Ministério da Saúde.

Em São Paulo, segundo a Secretaria de Estado da Saúde, cerca de 50% dos transplantes de fígado ocorrem em pacientes portadores de vírus da hepatite B ou C, sendo que o segundo responde sozinho por 40% de todos os transplantes de fígado.

 

Com informações da Agência FAPESP e Ministério da Saúde. Edição Setor Saúde.

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